A governança corporativa e o ambiente tributário
AUTOR: Dr Renato Confolonieri, membro da Comissão de Direito Tributário
Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle, e demais partes interessadas ou stakeholders, conforme o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 5ª edição, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa-IBGC, São Paulo, SP: IBGC, 2015.
Tal sistema se sustenta em quatro princípios que norteiam as políticas e práticas de gestão de todas as áreas das organizações, quais sejam, transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.
Buscando conceituar rapidamente tais pilares, tem-se que transparência é a divulgação aberta, tempestiva e honesta das informações financeiras e não financeiras aos públicos internos e externos, conforme explicitado muito bem por Alexandre Di Micelli da Silveira em Governança Corporativa no Brasil e no Mundo: teoria e prática, 2ª edição, São Paulo, SP: Elsevier, 2015.
Por sua vez, o princípio da equidade se caracteriza pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (acionistas, por exemplo), tendo em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas (IBGC, 2015, pág. 20).
Já prestação de contas ou accountability significa que os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões, e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papéis (IBGC, 2015, pág. 20).
Com relação ao último princípio, por responsabilidade corporativa se entende o zelo pela viabilidade econômico-financeira das organizações no amplo contexto de suas operações e influências na comunidade, reduzindo as externalidades negativas e aumentando as positivas.
Normalmente se associa a governança corporativa às questões financeiras e contábeis. Contudo, seus conceitos e explicações podem ser transportados sem prejuízo para o ambiente tributário, onde há o Governo e a empresa atuando como agente (aquele) e principal (a segunda) em diferentes momentos.
O IBGC afirma que “as boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a sua longevidade” (Código citado, pág. 20).
Quando esses conceitos são analisados e levados para o ambiente tributário, torna-se necessário perceber que a rotina de apuração, declaração, recolhimento e homologação de tributos se encaixa perfeitamente aos princípios de governança corporativa, por meio das chamadas boas práticas, que podem ser traduzidas da seguinte forma:
“As boas práticas de governança corporativa tributária convertem princípios legais e entendimentos jurisprudenciais em recomendações objetivas, alinhando interesses arrecadatórios, do Governo, aos econômicos, de acionistas e investidores, com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, seja pelo seu fluxo de caixa ou através de seus indicadores de desempenho econômico-financeiro, facilitando o acesso a recursos e contribuindo para a sua longevidade e da sociedade em geral.” – IBGC, 2015, pág. 20.
Portanto, a estrutura da governança corporativa tributária irá buscar, inicialmente, entender e interpretar a regra matriz de incidência à qual está sujeita a atividade econômica explorada pela entidade/empresa, criando um sistema objetivo de procedimentos, recomendações e controles.
Em sendo dado foco à observância ou conformidade dessas atividades com a lei tributária, está-se a falar em compliance tributário, termo que tem sido amplamente utilizado nas organizações e reflete uma série de medidas que podem ser adotadas, com a finalidade de que se cumpra as normas jurídico-tributárias e, consequentemente, se atenda às melhores práticas de governança.
O ponto nevrálgico é entender como, no presente momento, e em meio a tantas possibilidades de interpretações e mudanças na legislação, uma organização pode se sentir confiante no que diz respeito ao compliance tributário. É que no Brasil há cerca de 70 (setenta) tributos vigentes e uma média de 38 (trinta e oito) alterações na legislação – federal, estadual, municipal e distrital – a cada dia útil.
Um reflexo perverso disso está exposto numa pesquisa realizada em âmbito global pela PricewaterhouseCoopers (PwC) em conjunto com o Banco Mundial, onde se concluiu que o Brasil é o país que mais consome horas para cumprimento das obrigações fiscais. Para se ter uma ideia, em 2018, enquanto a média mundial de horas necessárias para somente cumprimento das obrigações acessórias era de 234 horas, a pesquisa indicou que no Brasil o número era de, em média, 1501 horas – https://www.pwc.com/gx/en/paying-taxes/pdf/pwc-paying-taxes-2020.pdf.
Como o objetivo do presente texto não é analisar com profundidade o ambiente tributário brasileiro – até porque não há espaço para isso –, mas somente chamar a atenção dos eventuais leitores para a importância da governança corporativa nas empresas, há que se concluir que o aumento das fiscalizações, as notícias sobre moralidade fiscal, e a crescente divulgação de riscos fiscais nas demonstrações financeiras vêm impulsionando a governança corporativa tributária a assumir, enfim, a condição de política fundamental e prioritária nas organizações, devendo ser aplicada em todos os processos e rotinas que envolvem a função fiscal.
Atitudes, comportamentos, contexto de negócios, observância de leis e modo de se relacionar com players internos e externos são aspectos que devem ser considerados a todo instante por todos os integrantes da organização e, em particular, pelos operadores da função fiscal. Essa é a abordagem adequada para que tais aspectos sejam permeados pela ética nas ações praticadas, garantindo a eficácia e vivência das boas práticas de governança corporativa.