ADOÇÃO " INTUITU PERSONAE"
Artigo assinado pelo advogado Bento Pucci Neto
Adoção "intuitu personae". Eis uma prática não aceita por muitos, em razão de ser a entrega voluntária de uma criança a alguém, sem passar pelo Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
O artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente confere a gestante o direito de entregar seu filho para adoção, devendo, nesse sentido e para essa finalidade, ser atendida em uma das Varas da Infância e Juventude do país, sem qualquer constrangimento, devendo seu desejo ser respeitado.
Não obstante a autorização legal, evita- se falar na "Entrega Voluntária à Adoção" , uma vez que o preconceito se sobrepõe, destacando- se o relevo de censura e incompreensão para com a mãe biológica que optou por essa escolha.
Embora haja o entendimento, por parte de algumas pessoas que debatem o tema, de que essa modalidade de adoção não é autorizada nem vedada pela legislação, a nosso ver há um equívoco. Isso porque o artigo 116 da Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990 (ECA), ainda em vigor, disciplina que se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado.
O parágrafo 1° do dispositivo acima mencionado determina que, na hipótese de concordância dos pais, esses serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando- se por termo as declarações.
Haverá, para os pais biológicos, um trabalho de orientação e esclarecimentos, que será realizado por equipe interprofissional da Justiça da Infância e Juventude, principalmente sobre a irrevogabilidade da medida.
É certo que alguns Juízes de Direito, oficiantes nos feitos de infância e Juventude, não aceitam tal dispositivo, ignorando sua aplicabilidade nos casos concretos, entendendo que o Cadastro Nacional de Adoção deve ser seguido à risca, conquanto o Superior Tribunal de Justiça já tenha pacificado o entendimento de que o CNA não é absoluto, prevalecendo os laços de afetividade e o vínculo formado entre a criança e o casal adotante, devendo ser levado em conta o melhor interesse do infante. Aliás, esse foi o voto do Ministro Massami Uyeda, no Recurso Especial de número 1172067 MG 2009/0052962-4 - que foi acompanhado pelos demais Ministros da Terceira Turma daquele sodalício.
Importa destacar que a adoção fora do cadastro não pode ser marginalizada com a descabida suposição generalizante de que todos que assim procedem estariam incorrendo na comercialização de crianças e tráfico de pessoas. Especialmente porque as equipes interprofissionais das Varas da Infância e Juventude são treinadas para detectar eventuais irregularidades.
Quanto à alegação de que a adoção fora do cadastro é um modelo injusto para com os candidatos em vantagem com relação aos que esperam na fila, não nos parece um argumento plausível, eis que esses poderão obter a sorte de se deparar com uma mãe prestes a dar à luz ou - já tendo ocorrido o parto - não querer continuar com a maternidade, por inúmeras razões, como:
· Gravidez indesejada, não apenas por falta de métodos contraceptivos, mas também por eventual falha neles ocorrida;
· Falta de condições financeiras e/ ou emocionais para exercer a maternidade;
· Falta de apoio do genitor da criança e da própria família;
· Gravidez decorrente de violência sexual.
Não podemos igualmente generalizar, afirmando que toda adoção consensual seja decorrente de fraude ou de má-fé. Ao contrário, entendemos que ambas as modalidades (cadastro e adoção intuitu personae) deverão trabalhar em conjunto, a fim de proteger os reais interesses dos menores, confiando-os as famílias substitutas que os aceitarem com amor, carinho e dedicação.
Logo, injusto é não permitir que uma criança que pode ser recebida por uma família substituta - com todos os elementos necessários e saudáveis para incorporá-la a um verdadeiro lar - seja preterida pelo Estado, apenas para cumprir uma formalidade, no caso em tela, a mecânica sequência do Cadastro Nacional de Adoção, retirando- a daquele seio familiar para, muitas vezes, depositá-la em um abrigo, à espera de que a sorte bata novamente à porta de sua vida. Vale lembrar aqui a assertiva do Mestre Jesus, segundo a qual a lei foi feita para o homem e não o homem para a lei.
O abrigo tem de ser a última solução para uma criança. Sim, porque por maior e melhor esforço que se faça, o trauma nunca será apagado de sua mente em formação. Em homenagem a isso, deve-se fazer o máximo para que o infante - que já sofreu a amargura de ser rejeitado pela mãe -, seja suavemente levado, sem mais delongas, a uma família substituta que realmente o quer!
Se para adoção o cadastro for o único meio, vamos nos ver frente a várias situações, tais como: clandestinidade, "adoção à brasileira" e crianças que alcancem idade tal que ninguém por elas tenha interesse. Nesse caso, como triste consequência, terá, ao completar 18 anos de idade, que deixar o abrigo, o que poderá gerar sentimentos de revolta, de frustração e outros traumas.
O disposto no artigo 166 do Eca dá aos pais, ou à mãe biológica, o direito de escolher quem vai adotar seu filho, até porque ela é a maior interessada pelo bem estar da criança e, muitas vezes, entregá-la para adoção, demonstra um ato de desprendimento e altruísmo, porque contraria a natureza humana. Também, porque em seu coração de mãe, ela vislumbrou um futuro melhor para seu filho.
O Estado não pode pretender dirigir a sorte de um ser humano - sujeito de direitos desde a condição de nascituro -, com a hipotética presunção de que algum interessado queira adotá-lo, com isso "coisificando- o" como mero produto exposto em uma vitrine!