ARTIGO: Despesas dedutíveis-pessoas jurídicas no Novo Regulamento do Imposto de Renda
AUTOR: Dr Renato Confolonieri, membro da Comissão de Direito Tributário
Despesas podem ser encaradas como o consumo de determinados bens ou serviços que, direta ou indiretamente, ajudam a produzir receitas; são uma espécie de “sacrifícios necessários” a uma entidade para a obtenção de suas receitas.
Sérgio de Iudicibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke ensinam que, diminuindo o ativo ou aumentando o passivo, uma despesa é realizada com a finalidade de se obter uma receita cujo valor se espera que seja superior à diminuição que provoca no patrimônio líquido (Contabilidade Introdutória, 9ª edição, São Paulo: Atlas, 1998, pág. 66).
Do conceito de despesas se parte inevitavelmente para o de custos, assim como a diferenciação entre esses dois elementos, eis que do ponto de vista contábil há análises importantes a serem feitas, no que se refere à aplicação das normas de Direito Tributário.
É que para fins tributários o Direito Positivo coloca os custos e as despesas em categorias distintas, quanto à dedução – o enquadramento de determinados gastos como custo ou despesa, dependerá dos critérios que a empresa venha a empregar, sempre tendo como pressuposto que custos operacionais são os gastos que a entidade incorre para adquirir, produzir e vender os bens e serviços objetos de suas operações; ao contrário, as despesas operacionais são os gastos não computados nos custos, mas que se apresentam como necessários à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora (Ricardo Mariz de Oliveira, Fundamentos do Imposto de Renda, São Paulo: RT, 1977, pág. 165).
Além disso, e ainda quanto à questão contábil, os custos dos produtos vendidos são registrados em contas do Ativo, somente sendo imputados ao Resultado com a realização da venda. Já as despesas são imediatamente registradas nesse grupo de contas. Assim, as despesas possuem efeito imediato na composição do lucro da pessoa jurídica, enquanto os custos possuem efeito mediato, pois antes de passar pelo Resultado deverão ser registrados no Ativo – apenas quando ocorrer a realização da operação é que os custos deverão ser incorporados às já citadas contas de Resultado.
Seja como for, as normas tributárias, especialmente as que dispõem sobre o lucro real, estabelecem alguns requisitos de dedutibilidade das despesas para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. De fato, há casos em que a dedução não é permitida, ou deve ser feita em momento posterior ao do registro contábil.
De acordo com a legislação, são operacionais as despesas – não computadas nos custos – necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (artigo 47 da Lei nº 4.506/1964; artigo 311 do Decreto nº 9.580/2018 – RIR/2018), assim como as usuais ou normais nos tipos de transações, operações ou atividades da pessoa jurídica (artigo 47, § 2º da Lei nº 4.506/1964; artigo 311, § 2º do RIR/2018).
No (antigo) Parecer Normativo CST nº 32/1981, a então Secretaria da Receita Federal – hoje Receita Federal do Brasil – afirma que o gasto é necessário quando essencial a qualquer transação ou operação exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que estejam vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos. Por outro lado, despesa normal é aquela que se verifica comumente no tipo de operação ou transação efetuada e que, na realização do negócio, se apresenta de forma usual, costumeira ou ordinária. O requisito de usualidade deve ser interpretado na acepção de habitual na espécie de negócio.
Diante do até aqui apresentado, e por óbvio, as despesas que não satisfizerem os requisitos de dedutibilidade não podem ser abatidas para fins de cálculo do IRPJ e CSLL.
Sendo assim, há um conceito oposto de despesas dedutíveis, que é o das despesas indedutíveis: podem ser estabelecidas pelo legislador, desde que não deformem o conceito constitucional de renda, sob pena de converter o imposto sobre acréscimo patrimonial em “imposto sobre a receita”.
Quanto a isso, o artigo 13 da Lei nº 9.249/1995 traz extenso rol de despesas cuja dedução é vedada, para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, independentemente do disposto no antes referido artigo 47 da Lei nº 4.506/1964, como é o caso das despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo, conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços, das despesas com alimentação de sócios, acionistas e administradores, das despesas com brindes, dentre tantas outras.
Como se vê, e para serem dedutíveis, as despesas devem possuir as características de necessidade, normalidade e usualidade à atividade exercida pela empresa e à manutenção da fonte produtora, e não constarem na relação de rubricas expostas no artigo 13 da Lei nº 9.249/1995, por exemplo. Mas não é só. Também devem estar vinculadas aos princípios da transparência e da causalidade.
Sobre esse respeito, há relevantes contribuições doutrinárias do professor Ricardo Lobo Torres acerca das características das despesas dedutíveis. Além das três expressões utilizadas no RIR/2018 (necessária, usual e normal), o saudoso mestre inclui mais duas que complementam as primeiras, ensinando que “várias são as características que as despesas devem exibir para que se tornem dedutíveis. Algumas se estabelecem nas leis do Imposto de Renda; outras ainda não se positivaram no direito brasileiro, incluindo-se apenas no discurso da doutrina ou no direito comparado. Interessam-nos, aqui, a necessidade, a usualidade, a causalidade e a transparência” (Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, 2ª edição, Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2007, volume IV, págs. 130-132).
Especificamente quanto à causalidade, e de acordo com o autor fluminense, ela “deixa uma certa margem de apreciação ao contribuinte sobre o direito à dedução”, que pode não ficar presa aos critérios de necessidade e usualidade, o que se compagina com os fundamentos éticos da aplicação do direito tributário e com a própria racionalidade do mercado. Daí não se deve concluir que o conceito de dedução se torne meramente subjetivo. Segundo notícia o douto mestre, o Tribunal Financeiro Federal da Alemanha (op. cit., pág. 132) tem aplicado a teoria da causalidade em inúmeros acórdãos, reconhecendo ao contribuinte um espaço para decidir sobre os gastos que deseja realizar em prol do desenvolvimento futuro do seu negócio.
Com relação à transparência, Ricardo Lobo Torres nos diz que se trata de um aspecto formal, relativo à segurança jurídica, e está ligado à contabilidade e a escrituração das despesas.
Por fim, e no que se refere à prova da efetiva ocorrência da despesa, Heleno Taveira Torres faz importante alerta, eis que a compreensão dos critérios estabelecidos pela lei para autorizar a dedução de despesas em geral depende da identificação da causa jurídica dos contratos que dão origem às despesas em cada caso. Assim, afirma que “despesas suportadas por documentação hábil, corretamente escrituradas pela pessoa jurídica, não podem ser glosadas, exceto se a fiscalização provar, de modo contundente, a desnecessidade da despesa, a ausência de correlação com a fonte produtora de rendimentos, ou a ausência de causa jurídica dos contratos geradores” (Regime tributário de despesas operacionais de juros em operações coligadas. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais nº 46, São Paulo: RT, 2009, pág. 54).
Há casos em que a lei não estabelece um modo de realizar a prova. Em tais circunstâncias, parece certo que a ela pode ser feita de todas as formas e meios admitidos em Direito – artigo 369 da Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil). Assim, cabe ao contribuinte comprovar que as despesas foram incorridas, fazendo-o por qualquer meio e prova admitidos, de sorte que cabe ao Fisco demonstrar o contrário, não cabendo a glosa de despesa necessária pelo simples motivo denominado “desconfiança da autoridade lançadora”.
Ante todo o exposto, pode-se concluir que as despesas, para serem dedutíveis, devem ser necessárias, usuais e normais – como prescrito no artigo 311 do RIR/2018 –, e estar vinculadas aos princípios da transparência e da causalidade.
Quanto às provas da efetividade da ocorrência do gasto, os custos e as despesas deverão ser obrigatoriamente comprovados por meio de informações hábeis. Se houver “desconforto” por parte do Fisco quanto a esse material, o ônus contrário da prova pertence ao agente fiscal de rendas, no caso de desconsideração dos documentos eventualmente juntados nos hipotéticos autos de eventual processo administrativo fiscal.