ARTIGO. A POLÍTICA RENOVABIO E SUA TRIBUTAÇÃO – Parte 1
Autor: Dr Renato Confolonieri, membro da Comissão de Direito Tributário
A Política Nacional de Biocombustíveis-RenovaBio foi criada pela Lei nº 13.576/2017, visando colaborar decisivamente com os esforços brasileiros em prol do meio ambiente. Segundo o artigo 1º dessa norma, um dos objetivos, dentre outros, é o de contribuir para o atendimento aos compromissos do Brasil no âmbito do Acordo de Paris, bem como a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. exemplo dos princípios da política estão a previsibilidade e a eficácia dos biocombustíveis em contribuir para a mitigação efetiva de emissões de gases causadores do efeito estufa e de poluentes locais, o avanço da eficiência energética, assim como tantos outros previstos nos incisos do artigo 3º dessa norma.
Esses objetivos e princípios devem ser obtidos por meio de um mecanismo inteligente, como explica a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis-ANP no seu sítio na internet ao dizer que o Conselho Nacional de Política Energética-CNPM estabelece as metas nacionais de redução de emissões para a matriz de combustíveis, as quais serão desdobradas em metas individuais compulsórias para os distribuidores de combustíveis. Esses deverão comprovar o cumprimento de suas metas por meio da compra de créditos de descarbonização-CBIOs, os quais são conceituados na Lei nº 13.576/2017 como o “instrumento registrado sob a forma escritural, para fins de comprovação da meta individual do distribuidor de combustíveis de que trata o artigo 7º dessa lei” (artigo 5º, inciso V).
Trata-se, pois, de um ativo financeiro, eis que negociável em mercados organizados, inclusive em leilões (artigo 15 da Lei nº 13.576/2017).
Explicando um pouco mais a fundo, os CBIOs são gerados em favor dos produtores e importadores de biocombustíveis (artigo 13 da Lei nº 13.576/2017) com notas distintas para cada um, em valor inversamente proporcional à intensidade de carbono do biocombustível produzido (artigo 18 da Lei em estudo). Logo, quem produz mais com menos emissão de carbono gera mais CBIOs, quem produz com alta emissão de carbono obtém menor quantidade do ativo. Assim, não só se aumenta o custo da comercialização de combustíveis fósseis, como também se incentiva os produtores de biocombustíveis a terem um processo de produção com menor emissão de carbono, pois isso aumentará sua quantidade de CBIOs.
Face a esse cenário, é preciso identificar os efeitos tributários do Certificado, eis que a legislação não os disciplina, como explica Fábio Pallaretti Calcini ao lecionar que “o primeiro ponto a se esclarecer é o fato de a legislação não disciplinar os reflexos tributários de referida política com os biocombustíveis, notadamente, quanto à CBIO. Em virtude de referida ausência de expressa disciplina dos aspectos tributários, surge uma enorme insegurança jurídica. Isto porque, caberá interpretar e reconhecer, diante de todo o nosso sistema jurídico, qual a natureza jurídica de tais certificados e sua negociação e, por conseguinte, imputar as leis fiscais” (in Os aspectos tributários da política energética RenovaBio. Revista Consultor Jurídico, 3 de janeiro de 2020).
I. A Natureza Jurídica dos CBIOs
A busca da natureza jurídica dos CBIOs é de suma importância, uma vez que só assim será possível encontrar o regime tributário aplicável ao “instituto”, se é onerado pelo ICMS ou pelo IOF-Títulos e Valores Mobiliários, dentre outras implicações.
Aventou-se a possibilidade de os CBIOs serem qualificados como mercadoria, título ou valor mobiliário, commodity, subvenção, ou um simples bem incorpóreo.
Após análises profundas em tais conceitos, que serão omitidas aqui por não ser o objetivo do texto, é possível se chegar à conclusão de que os CBIOs são bens intangíveis, incorpóreos, representativos de cada situação (produção de biocombustíveis com certa emissão de carbono) e, frente à obrigação de distribuidores de combustíveis de adquiri-los, são dotados de valor pecuniário.
Os CBIOs têm semelhanças com os antigos créditos de carbono, decorrentes do Protocolo de Kyoto. Também esses, segundo manifestações da Receita Federal do Brasil, configuravam bens intangíveis e incorpóreos (Solução de Consulta da SRRF 06 nº 193/2009).
Feitas essas afirmações, tendo por base análises profundas, porém não exatamente enfáticas – o objetivo não é escrever em pedra aqui –, é possível analisar o tratamento tributário aplicável aos CBIOs.
II. Imposto sobre a Renda e Contribuição Social sobre o Lucro relativos ao emissor primário de CBIOs (produtor ou importador de biocombustíveis)
De acordo com o artigo 15-A da Lei nº 13.576/2017, incluído pela Lei nº 13.986/2020, há um tratamento tributário específico para o IRPJ em relação às receitas obtidas com a venda dos CBIOs pelo produtor ou importador de biocombustíveis.
Dessa forma, a receita derivada da negociação dos CBIOs nos mercados organizados, auferida até 31.12.2030, ficará submetida à incidência do IR exclusivamente na fonte à alíquota de 15%. Por decorrência e nos termos do § 1º do artigo indigitado, essa receita seria excluída da determinação do lucro real ou presumido, mas, de outro lado, eventuais perdas apuradas nessas operações não serão dedutíveis na determinação do lucro real, podendo sê-lo na determinação da CSLL, já que esse tributo seguirá sua sistemática normal.
Nos termos do § 2 desse citado artigo 15-A, a tributação no formato de exclusivamente na fonte não impede que sejam aproveitadas, como redutora do lucro real, as despesas administrativas ou financeiras necessárias à emissão, ao registro e à negociação dos créditos.
Por fim, estatui o § 3º que todas as demais pessoas físicas ou jurídicas que realizarem, sucessivamente, operações de aquisição e alienação dos CBIOs nos mercados organizados, terão direito a esse regime tributário, com exceção dos distribuidores de combustíveis.
De todo o exposto, constata-se que o tratamento tributário instituído representará uma redução da carga tributária equivalente ao adicional de 10% do IRPJ, com a vantagem de ser possível deduzir as despesas incorridas para gerar essa receita. Incentiva-se, com isso, um programa favorável ao princípio da ordem econômica, qual seja, a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e seus processos de elaboração e prestação” (artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal/88).
Quanto à CSLL, como já dito, aplica-se o regime normal desse tributo, ou seja, as despesas para a geração com os CBIOs e perdas em suas operações inicialmente serão dedutíveis e as receitas obtidas serão normalmente incluídas na sua base de cálculo.
Após todas essas considerações acerca da natureza jurídica dos CBIOs e o seu tratamento tributário relacionado ao IRPJ e à CSLL, será dada continuidade às análises numa segunda parte deste material (contribuições PIS/PASEP e Cofins relativas ao emissor primário dos CBIOs, a contribuição sobre a receita bruta, substitutiva da sobre a folha, para tais emissores, e a tributação sobre o distribuidor – PIS/Cofins e o direito de crédito), com o objetivo de não cansar os eventuais leitores.