COLUNA:FALANDO DE FAMÍLIA. "DA PARTILHA DE DIREITOS POSSESSÓRIOS SOBRE IMÓVEIS NÃO ESCRITURADOS"
AUTORA. Lívia Pacheco de Freitas Juliasz. Mestra em Teoria do Direito e do Estado pelo UNIVEM (2019-2021); Presidente da Comissão de Família e Sucessões da 31ª Subseção de Marília-SP (2022); Membro da Comissão Integração Profissional da 31ª Subseção de Marília-SP (2022); Membro da Comissão da Valorização da Advocacia da 31ª Subseção de Marília-SP (2020); Conselheira Seccional da 36ª Subseção da OAB/MG (2016-2017); Pós Graduada em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti e FEAD (2016); Presidente da Comissão da OAB Cidadã da 36ª Subseção da OAB/MG (2013-2015); 1ª Secretária da Comissão da OAB Cidadã da 36ª Subseção da OAB/MG (2010-2012); Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Uniderp (2010); Graduada pelo Centro Universitário UNIFAMINAS (2008); Advogada (2008).
I – INTRODUÇÃO
A sucessão mortis causa é a decorrente do falecimento, do fim da pessoa natural.
O Direito das Sucessões é o conjunto de normas que regulam a transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em consequência de sua morte (MAXIMILIANO, 1952, v. 1, p. 21).
O alinhamento do Direito Sucessório ao direito de propriedade é indispensável para a continuidade patrimonial, bem como para proteção e perpetuidade da família (HIRONAKA, 2007, p.5).
Todavia, embora sejam obrigatórios a escrituração e o registro, a fim de comprovar a titularidade da propriedade de um bem, no decorrer da vida muitos acumulam patrimônio não constituídos formalmente, e desde que ausente a má-fé dos possuidores, será possível a partilhas destes direitos, sendo este o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
II – DA TRANSMISSIBILIDADE DE HERANÇA
O princípio da saisine, consagrado no Código Civil brasileiro no art. 1.784, prevê a transmissibilidade da posse da herança aos herdeiros desde o falecimento do autor desta. Assim, o patrimônio deixado, denominado por herança, tanto o ativo quanto o passivo, redireciona a titularidade das relações patrimoniais do “de cujus” aos seus herdeiros legítimos ou testamentários.
Nas palavras de Rolf Madaleno (2020, p.23):
"A morte do titular do patrimônio provoca igualmente o fenômeno da sucessão ou transferência de suas relações jurídicas, que agora e de imediato subsistem e continuam através de seus sucessores, de forma distinta da sucessão singular verificada nos negócios entre vivos, pois, na sucessão pela causa da morte, o falecido transmite o conjunto ou o universo da titularidade de seus direitos e de suas obrigações, não se confinando a um determinado bem, como acontece na sucessão particular dos negócios jurídicos travados entre vivos".
Advindo, portanto, a extinção dos direitos da personalidade com a morte, subsistem-se, ainda, as relações jurídicas firmadas pelo autor da herança, às quais darão continuidade ou transcendência os seus familiares.
II.I – DA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.984.847, decidiu no sentido de possibilitar a partilha de direitos possessórios sobre imóveis que não estão escriturados ao tempo da morte do autor da herança. Não obstante, condiciona tal possibilidade à ausência de má-fé dos possuidores.
Neste diapasão, salientou o Tribunal Superior que o rol de bens adquiridos pelo autor da herança não é composto apenas de propriedades formalmente constituídas. Há bens e direitos, dotados de indiscutível expressão econômica, que por diversos vícios, não se encontram sob a titularidade do “de cujus”, isto é, não estão regularizados formalmente.
Destarte, afasta a discussão acerca da propriedade para um momento posterior, reconhecendo a autonomia entre os direitos de posse e de propriedade, possibilitando a partilha pelos herdeiros dos direitos possessórios sem adentrar na discussão com relação à propriedade formal do bem.
III – CONCLUSÃO
O fato é que a regularização dos imóveis no Brasil esbarra no pagamento de impostos e custos cartorários, motivo pelo qual muitos não conseguem obter a escrituração de seus bens juntamente com a aquisição destes.
A lavratura do documento, contudo, pode ser feita após a morte do titular dos direitos até então, passando aos seus herdeiros, o que, inclusive, geralmente consta da previsão dos contratos de venda e compra firmados entre as partes para comprovar a aquisição do bem imóvel.
Dessa forma, mesmo que no tempo da morte do Autor da herança não tenha sido realizada a escrituração do bem, este pode constar do inventário, seja este judicial ou extrajudicial, a fim de que todos os direitos sobre o imóvel seja transmitido a seus herdeiros, os quais, por sua vez, poderão regularizar a situação posteriormente. O que importa é o reconhecimento dos direitos daqueles que não conseguiram a regularização do imóvel até o momento da morte de seu titular, mas que, de boa fé o possuem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. Coordenação de Antonio Junqueira de Azevedo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 20.
MADALENO, Rolf. Sucessão legítima. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
MAXIMILIANO, Carlos. Direito das Sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1952. v. 1.
STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp Nº 1.984.847 - MG (2022/0034249-0). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJ: 21/06/2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2189491&num_registro=202200342490&data=20220624&formato=PDF. Acesso em: 03 out. 2022.