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DIREITOS DAS MULHERES E A EFICÁCIA SOCIAL DAS LEIS

03/04/2019

Autora: Advogada Alessandra Guedes, integrante da Comissão da Mulher Advogada da OAB Marília

Muitos anos após as primeiras conquistas femininas no Brasil na busca por proteção e igualdade há motivos para comemorar?

 

É inegável que as mulheres ao longo dos anos e após muita luta conquistaram vários direitos, mas não o suficiente para garantir efetivamente o seu direito à integridade física, psicológica, moral, tampouco o seu direito à liberdade sexual.

 

Apesar das conquistas, casos de violência doméstica, feminicídio e abuso sexual colocam o Brasil em evidência, pois há dados que apontam, por exemplo, que a taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo e os casos de abuso sexual são alarmantes.

 

Os casos de violência e assédio perpetrados contra as mulheres noticiados nas mídias e nas redes sociais são recorrentes e revelam, apesar da intenção do legislador em regulamentar a situação, que a legislação protetiva da mulher carece de eficácia social.

 

Ou seja, embora exista lei regulamentando, por exemplo, os casos de violência doméstica e familiar, Lei 11.340/2006 conhecida como Maria da Penha, e a recente Lei nº 13.718/2018 que trata da importunação sexual, o fato é que os casos de violência, abuso sexual e violação dos direitos das mulheres aumentam significativamente, evidenciando que a proteção do Poder Público, apesar dos esforços, é claramente insuficiente e ineficiente.

 

Além disso, a ausência de eficácia social (efetividade) da lei desperta no cidadão a sensação de que a sua criação trata-se, na verdade, de mais um movimento do direito penal simbólico no qual o legislador, diante da repercussão de determinados casos que causam revolta, descontentamento e dos clamores da sociedade por segurança pública, cria uma lei com aparência de efetividade para dar uma rápida resposta aos anseios da sociedade, no entanto, a lei não atinge a realidade e acaba apenas cumprindo uma função simbólica.

 

Desse modo, a lei criada como forma de apresentar uma rápida resposta aos anseios da sociedade ao invés de proteger a mulher esbarra em outros aspectos legais e acaba beneficiando o agressor que muitas vezes se livra solto, respondendo ao processo em liberdade ou utilizando tornozeleira eletrônica, como já ocorreu em casos recentes já noticiados nas mídias.

 

Outro aspecto importante da eficácia social da legislação protetiva da mulher é que o legislador preocupou-se em estabelecer os crimes, as penas, entre outros aspectos legais, mas na prática as mulheres vítimas não conseguem desvencilhar-se de seus agressores ou abusadores. Não por opção, mas por falta de condições, pois as vítimas em sua maioria dependem econômica e financeiramente do agressor, há também a questão dos filhos e outras tantas situações que retiram das vítimas a coragem de deixar o agressor.

 

Sob esse prisma, há o Poder Público que não garante eficazmente os direitos dessas mulheres, já que na maioria dos casos não oferece o mínimo necessário para o acolhimento das vítimas e de seus filhos em estabelecimento adequado e atendimento multidisciplinar com psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais.

 

Igualmente, não oferece condições necessárias e adequadas para que mulheres em situação de violência ou abuso sexual possam ser incluídas programas ou inseridas no mercado de trabalho para adquirirem independência financeira e afastarem-se do agressor.

 

A questão cultural é outro fator que merece atenção. Vivemos em uma sociedade estruturalmente machista e preconceituosa na qual as mulheres, infelizmente, ainda são vistas e tratadas como inferiores, são vítimas do domínio masculino que cresce acreditando que possui direitos sobre a mulher. Situação que exige uma profunda e urgente mudança cultural.

 

Exemplo claro do desrespeito às mulheres em virtude dessa cultura machista que predomina na sociedade em geral é a importunação sexual que alcançou maior visibilidade após os vários casos ocorridos nos meios de transporte público, sendo necessário, inclusive, criar uma lei para regulamentar a situação, a Lei nº 13.718/2018 cujo bem jurídico protegido é exatamente a liberdade sexual, um direito que naturalmente deveria ser respeitado se vivêssemos em sua sociedade devidamente informada e preparada, mas que precisou de regulamentação legal para ser assegurado.

 

Diante dessa realidade, a conclusão a que se chega é que há motivos para comemorar os avanços até aqui alcançados pelas mulheres nessa luta incansável por respeito, inclusão e igualdade, afinal, de tanto insistir a mulher conseguiu ser vista e ouvida, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido para garantir a efetividade e concretização dos direitos, assim como há muitos outros direitos a serem conquistados.

 

E mais, é essencial que haja um engajamento da sociedade em geral, das instituições, bem como ações afirmativas do Poder Público para que as leis protetivas dos direitos das mulheres alcancem a desejada eficácia social que delas se espera.

 

 

 

Referências

 

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher "Convenção de Belém do Pará", 1994.

 

ONU Mulheres. Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres (feminicídios). 2016

 

Mapa da Violência. 2015

 

Garcia, Bruna Pinotti. Lazari, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. 2ª edição. Ed. Jus Podivm. 2018.

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