Especialistas debatem aspectos da origem da violência policial na OAB SP
16/06/2016
- A partir da esquerda, na mesa de abertura: Julio Cesar Fernandes Neves, ouvidor da polícia de São Paulo; Ivo Herzog, diretor do instituto Vladimir Herzog; Paulo Jose de Palma, promotor de justiça; e Martim de Almeida Sampaio, coordenador da comissão de direitos humanos da OAB SP
A violência policial pautou longa conversa, de quase quatro horas, na manhã desta quarta-feira (15/06), na sede da Secional paulista da Ordem. A audiência pública ocorreu no âmbito do Fórum de Segurança – um espaço político recém-criado e que reúne, além da OAB SP, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e o Instituto Vladimir Herzog. O mote do encontro é apenas um dos prismas de trabalho do grupo. A ideia é construir um diagnóstico dos problemas de violência e criminalidade de modo geral, para que soluções pragmáticas possam ser sugeridas.
“Os dados que se apresentam sobre violência e mortes em confrontos com policiais são alarmantes. Pesquisas apontam incidência maior entre jovens pobres e negros”, disse Martim Sampaio, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB SP, no início do encontro. O evento também contou com a presença do vice-presidente da Secional, Fábio Canton Romeu Filho. Sampaio chamou ainda atenção para fatores da realidade brasileira, como a concentração de renda e a exclusão social, que considera causas do triste cenário. “Todo esse quadro nos leva a propor uma reflexão que começa hoje e se estenderá a outros encontros”, continua. A ideia dos idealizadores do Fórum é realizar reuniões mensais.
Para Ivo Herzog, diretor do Instituto Vladimir Herzog, a violência histórica no Brasil ganha sustentação em “elementos da própria sociedade”. “Um deles é a questão da mídia. Existe um processo de encorajamento dessa violência policial promovida por alguns programas, tanto de televisão quanto de rádio”, avalia. Com o objetivo de reforçar a contribuição rumo à mudança dessa realidade, fora envolver-se com o Fórum e outras iniciativas de mobilização, ele disse que o Instituto passará a mover-se judicialmente. “Vamos consultar juristas e começaremos a propor ações contra aqueles que promovem a cultura de violência”, contou. Em outra frente da mesma questão, o Instituto articula para levar a cabo, em nível nacional - apesar do trabalho desenvolvido junto com a prefeitura da capital paulista -, um programa que pretende reduzir a violência na sala de aula. O foco será grupos de crianças que frequentam de creches até o ensino fundamental 1. “É preciso ensinar que existem diferenças, e a tolerância, para reduzir a violência na sala de aula. As coisas começam ali”.
Em exposição feita na sequência, o presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, Antonio Funari Filho, defendeu a ideia da retomada de atividades da comissão de controle da letalidade policial, desativada há alguns anos. O grupo era formado pela Ouvidoria das polícias e por entidades da sociedade civil. Segundo ele, para que se proponham mudanças é preciso conhecer a realidade do cenário. “A comissão deveria ser reformulada e ter maior participação das entidades civis”, opina.
- Para Martim Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB SP, os dados que se apresentam sobre violência e mortes em confrontos com policiais são alarmantes
Já o vice-presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Lima, por sua vez, apresentou, entre muitos dados, alguns que mostram, também, o outro lado da moeda: a realidade para muitos dos agentes públicos dentro das corporações policiais. Segundo pesquisa realizada pela instituição há dois anos, parcela de 40% de 21 mil policiais declararam ter sido vítimas de assédio moral ou sexual no ambiente de trabalho. “Que profissionais estamos pedindo para cuidar da segurança pública no Brasil? E que direitos estamos assegurando a eles?”, questiona. Lima disse, ainda, que a letalidade policial e as mortes de policiais “são duas faces de um mesmo processo que incentiva a violência, o crime e, entre aspas, o endurecimento penal e a demanda por ordem”. O especialista fez ressalva que o olhar amplo permitirá buscar soluções para alcançar um modelo de desenvolvimento que garanta a efetividade do artigo 6º da Constituição Federal. O dispositivo garante direitos sociais e fundamentais, entre eles o direito de todo o cidadão de ter segurança.
Em meio a longa lista de pontos abordados, Ana Lucia Schritzmeyer, coordenadora do Núcleo de Antropologia do Direito e Chefe do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), disse que o país ainda tem que cumprir muitos aspectos da Carta Magna de 1988. “Nossa Constituição está toda pautada em uma cultura de igualdade, de gênero, de raça e etnia, constituição sócio econômica, mas não plenamente implantada. E isso é fundamental para que haja realmente uma luta de quem acredita nos princípios da igualdade”, avaliou. Ela destacou o fato de haver choque, mesmo após 28 anos de Constituição Federal, entre o que estabelece a Lei Suprema brasileira e os estatutos, regimentos e portarias de várias instituições do próprio sistema de Justiça.
Também presente à audiência pública, o ouvidor das polícias Júlio César Neves, disse estar acompanhando de perto o caso do menino Ítalo, de apenas dez anos, cujas investigações que envolvem policiais militares seguem em curso. “A Ouvidoria está aí para que a sociedade civil venha saber de tudo, com a realidade absoluta do que acontece com a Polícia Militar de São Paulo, principalmente em casos desse perfil”, disse. Na ocasião, Neves fez um apelo ao promotor Paulo José de Paula, para que o Ministério Público também acompanhe o caso. No encontro o promotor representou o procurador-geral de Justiça paulista, Gianpaolo Smanio.