A Questão Religiosa
(Advogados Zacarias de Góes e Vasconcelos, Cândido Mendes de Almeida e Antônio Ferreira Viana)
A Questão Religiosa foi um reflexo no Brasil da confrontação que se verificava na Europa entre a Maçonaria e a Igreja Católica Romana. Além disso, envolveu a autonomia da Igreja diante do poder civil, direito que foi tenazmente defendido por D. Romualdo de Seixas, da Bahia, e D. Antônio Viçoso, de Mariana, e, posteriormente, por D. Macedo Costa, do Pará, e outros bispos.
O primeiro incidente ocorreu quando o bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, lembrou ao padre Almeida Martins os cânones católicos contra a Maçonaria e suspendeu o uso de ordens sacras por ter o sacerdote proferido um discurso em homenagem ao Visconde de Rio Branco, em regozijo pela Lei do Ventre Livre, em março de 1872.
Posteriormente, D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, bispo de Olinda, e D. Antônio de Macedo Costa, bispo do Pará, determinaram que as Ordens Terceiras e Irmandades excluíssem os seus membros que também pertencessem à Maçonaria.
Acostumadas à autonomia, elas desobedeceram, francamente, às determinações, e D. Vital não teve dúvidas: lançou o interdito canônico sobre as capelas ligadas àquelas entidades, as quais, inconformadas, apelaram ao Imperador, alegando abuso de poder por parte do bispo. O Imperador acolheu o recurso das irmandades.
D. Vital e, pouco depois, D. Macedo receberam aviso oficial do ministro do Império, João Alfredo, como infratores das leis, pois o apelo das irmandades fundamentava-se no Decreto nº 1.911, de 28 de março de 1857.
Deveriam os bispos declarar sem efeito os seus atos, pois a constituição das Ordens Terceiras e Irmandades do Brasil era de exclusiva competência do poder civil e a atitude dos bispos constituía uma usurpação da jurisdição do poder temporal.
Os bispos reagiram. D. Vital declarou que o beneplácito imperial não passava de uma aberração, pois o recurso contra as decisões dos bispos configurava-se absurdo e herético. D. Macedo Costa foi mais rigoroso: reconhecer no poder civil autoridade para dirigir as funções religiosas equivalia a uma apostasia.
Logo o presidente do Supremo Tribunal de Justiça expediu mandado de prisão contra os dois bispos, dando-os como incursos no artigo 96 do Código Criminal.
D. Vital foi preso em janeiro e D. Macedo em abril de 1874.
O julgamento foi rápido e os bispos se recusaram a defender-se, pois não reconheciam a competência do Supremo Tribunal de Justiça para julgar matéria de alçada exclusiva da Igreja.
Era presidente do Tribunal em 1874 o conselheiro Joaquim Marcelino de Brito e como representante do governo funcionou o procurador da Coroa, Fazenda e Soberania Nacional, Francisco Baltazar da Silveira.
Assumiram a defesa de D. Vital, como advogados, políticos católicos de grande importância, Zacarias de Goés e Vasconcelos e Cândido Mendes de Almeida. Os advogados de defesa apresentaram exemplares peças oratórias, especialmente Cândido Mendes de Almeida, que assim perorou:
“Se, pondo os olhos em Deus, na lei, na ciência, absolverdes o paciente, os vossos nomes serão inscritos no livro da imortalidade e vossa memória atravessará séculos, bendita não só pelos homens de nossa crença, mas também por todos os homens de coração; se, porém, infelizmente, seguirdes outro caminho, tereis os aplausos de momento, dados por aqueles que querem sacrificar este mártir – apontando para D. Vital -, mas não podereis contar senão com a severidade da história neste mundo e implorar a infinita Misericórdia Divina no outro”.
D. Vital foi condenado à pena de quatro anos de prisão com trabalhos, grau médio do artigo 96 do Código Criminal, sendo a mesma comutada em prisão simples por D. Pedro II. O condenado foi recolhido à fortaleza de São João, onde permaneceu um ano e sete meses, quando, em 7 de setembro de 1875, gozou o benefício da anistia, decretada por Duque de Caxias, presidente do Ministério.
D. Antônio de Macedo Costa foi julgado em 24 de junho de 1874, sendo seu advogado o conselheiro do Império, Antônio Ferreira Viana. Bela foi a peroração de Ferreira Viana em favor do bispo do Grão-Pará:
“Em vós, Senhor, deve fulgurar sobre as gemas de Vossa Coroa o poder com que sabeis dominar as paixões, que, mais uma vez, exigem o sacrifício do inocente.
Quantas bênçãos não cairiam sobre vós se, iluminados pela justiça, permitísseis que celebrássemos com transportes de alegria e júbilo a festa santa da libertação do heróico bispo do Grão-Pará.
Restituí, Senhor, a cabeça ao corpo, o pastor às ovelhas, o mestre aos discípulos, aos órfãos pobres, que choram sua ausência e seu cativeiro, o benfeitor infatigável, o grande sacerdote aos sacerdotes e a lâmpada ao santuário!”
D. Macedo Costa também foi condenado a quatro anos, parte dos quais cumpriu na fortaleza da Ilha das Cobras. Também foi anistiado como D. Vital.
O vocativo “Senhor” não era dirigido nem ao presidente nem ao relator do caso. É que o alvará de 1768 mandava atribuir aos Tribunais Superiores o tratamento referido, juntamente com o de “Majestade”, os quais foram abolidos pelo Decreto nº 25, de 1890, no despertar do República, que manteve, contudo, o tratamento de “Egrégio Tribunal”.
D. Vital, por si mesmo, não se defendeu. O prelado declarou apenas:
“O Senhor Jesus autem tacebat!”
Nos bastidores da diplomacia, a condenação refletiu intensamente. O Barão de Penedo foi enviado, em missão especial, a Roma, para pedir ao Papa Pio IX que repreendesse ambos os bispos.
Depois de 18 meses de prisão, o Imperador decretou a anistia em setembro de 1875.
D. Macedo Costa voltou à sua diocese e ainda pôde assistir à queda de D. Pedro II, vindo a falecer em 1890.
D. Vital esteve de passagem em sua diocese, mas não reassumiu as suas funções, pois, doente, renunciou ao episcopado e voltou à Europa, em busca de tratamento de saúde, onde faleceu em 1878.
Apesar de seu aparente fracasso, D. Vital passou a ser um símbolo para o episcopado e para os católicos brasileiros. Eram ambos ilustres prelados.
D. Vital, pernambucano de Itambé, fora educado na Europa e lecionara Teologia e Escritura Sagrada no Seminário de São Paulo. As suas orações sacras eram aplaudidíssimas na capital paulista, onde viveu três anos, para ir ocupar o cargo de bispo de Olinda.
D. Macedo Costa, natural do Pará, possuía sólida cultura e era orador de arrebatar as massas, tendo deixado várias obras publicadas.
Escreveu Raimundo de Menezes que o governo nada tinha que se imiscuir em assuntos de alçada interna da Igreja. “Daí nasceu a grande tempestade. Acabaram, por fim, martirizando dois inocentes, cujos nomes foram lançados, pela sua coragem invulgar e pelo estoicismo das suas atitudes heróicas.”