No Tempo da Ditadura
Contou José Bonifácio Lafayette de Andrada que, em Barbacena, no tempo
do Estado Novo, o grupo político que estava no poder, fosse de um lado
ou de outro, era capaz de entrar na delegacia, esmurrar o delegado e
tirar lá de dentro um sujeiro inocente. .
“Nessa época, houve lá um crime e eu fui o advogado de defesa. .
Como foi um crime que teve grande repercussão na cidade, no dia do
Júri, até o comércio parou e foi todo o mundo assistir ao julgamento. .
Fui extremamente violento na minha atuação. .
Ataquei o Estado Novo e o Getúlio, mostrando as violências que ele gerava. .
Soube depois que, enquanto falava, alguém perguntou a um adversário
político nosso: “Por que você não manda prender o José Bonifácio?” .
Ao que a pessoa respondeu: “Não podemos prendê-lo, porque no Júri o advogado tem toda a imunidade”. (...).
Eu era advogado de maior clientela na região de Barbacena, que é
grande. Era um rapaz intrépido que não dava bolas para eles, fazia o
que tinha de fazer e atacava o governo. Punham na porta da minha casa
soldados passeando para lá e para cá, para ver se conseguiam reduzir a
minha advocacia. .
Os bobocas não percebiam que os clientes eram homens da roça, que não
ligavam para os soldados, achavam aquilo normal. Nunca perdi um cliente
por causa disso. .
Mas até cisas desse tipo faziam contra mim. .
Um dia estava no Fórum redigindo um testamento – numa situação como
essas, tinha que andar armado – e, quando fui abaixar-me para explicar
ao escrivão onde é que tinha de assinar, o delegado, que era primo do
Bias Fortes, veio por trás de mim, arrancou o revólver de minha cintura
e fez-me essa pergunta cínica: .
“Sr. José Bonifácio, quer que eu fique com o revólver e a coisa fica
por isso mesmo, ou vamos à delegacia fazer o auto de prisão em
flagrante?” .
Ao que respondi: .
“Não, o meu revólver custou muito dinheiro. Vamos lá para a delegacia fazer o auto de prisão em flagrante”. .
O delegado era meio atrasado, de forma que o auto de flagrante foi
muito malfeito, tudo errado, e eu, percebendo isso, sem dizer nada, é
claro. .
Foi feito um processo, ouvidas as testemunhas etc. .
Defendi-me e o processo foi para o juiz de Direito, que me absolveu, em vista das falhas nela existentes. .
Logo em seguida, fiz uma petição ao juiz dizendo que, uma vez que eu
estava absolvido, queria que tomasse providências para que o delegado
me devolvesse o revólver, com o que ele concordou. .
E o delegado foi obrigado a devolver a arma. .
A apreensão da arma fora um escândalo, e, na hora da devolução,
formou-se uma multidão na frente da delegacia para assistir à cena. .
Ninguém acreditava que isso fosse acontecer. .
Com todo aquele povo atrás de mim, querendo saber o que acontecera, sabem o que fiz? .
Só para irritar, amarrei o revólver num barbante e o pendurei na sacada
de minha casa, que fica no centro da cidade, na Praça dos Andradas. .
Vinha gente de longe, de outros municípios, só para ver a arma, constatar que ela fora mesmo devolvida!”