26 de dezembro de 2008 - sexta
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - POSSIBILIDADE DE PREVISÃO DE CLÁUSULA PENAL PARA AS HIPÓTESES DE INADIMPLEMENTO OU MORA - MODERAÇÃO - POSSIBILIDADE, TAMBÉM, DE PREVISÃO CONTRATUAL PARA CONCESSÃO DE DESCONTOS VISANDO FOMENTAR A PONTUALIDADE
Se o contrato de prestação de serviços advocatícios pode prever multa (cláusula penal) para a hipótese de mora ou inadimplemento, desde que seu montante seja fixado com moderação, não se vê, no CED, óbice absoluto à concessão de descontos nos honorários. A prática forense demonstra que é comum a aplicação de descontos por volume, dependendo da quantidade de causas postas aos cuidados de um mesmo advogado ou sociedade de advogados. A concessão de descontos, tal como a multa, devem ser fixados, em contrato escrito, com a mesma moderação, atendidos os demais preceitos que regem a fixação dos honorários, notadamente aqueles que vedam o aviltamento da atividade profissional.
Proc. E-3.578/2008 - v.m., em 17/04/2008, do parecer e ementa da Rel.ª Dr.ª BEATRIZ MESQUITA DE ARRUDA CAMARGO KESTENER, com declaração de voto divergente do julgador Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI - Rev. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF - Presidente Dr. CARLOS ROBERTO F. MATEUCCI.
RELATÓRIO – Advogado devidamente inscrito nesta Secção de São Paulo, louvando a posição deste tribunal acerca da possibilidade de emissão de boletos bancários para facilitar o pagamento de honorários, indaga a possibilidade de o advogado ou a sociedade de advogados conceder descontos para pagamento antes da data de vencimento, com vistas a fomentar o pagamento pontual. O próprio consulente sugere prós e contras para a hipótese em estudo, lembrando que o desconto pode ser visto como uma manifestação de desconfiança do advogado por uma potencial mora do cliente, de um lado, e como um benefício voluntário do advogado ao cliente, de outro.
PARECER – No objetivo de buscar elementos conceituais para responder à questão, deparei-me com uma dificuldade: conceituar o termo “advocacia” e “mercantilização”, como meios de identificar a melhor resposta à seguinte pergunta: a oferta de desconto nos honorários pagos com pontualidade constitui, ou não, mercantilização da profissão, vedada por nosso CED?
Na pesquisa, encontrei um artigo, denominado “Conceito e Características da Advocacia”, da lavra do Dr. Thiago Cássio D'Ávila¹, Procurador Federal, que oferece uma bela sistematização do termo, e que vale a pena reproduzir:
“‘2. Conceito.
A advocacia não é uma mera atividade profissional. Por outro lado, não é tarefa fácil definir a advocacia, pois a tentativa de definição isenta invariavelmente frustra-se pelas influências humanísticas e políticas do conceituador que, inserido em uma determinada ordem jurídica, será tentado a ver a advocacia sob a ótica das leis que regem a atividade em seu país. Por isso, proponho diferentes critérios de conceituação, a depender do aspecto teleológico desta.
Sob o critério filosófico-liberal, advocacia é a atividade jurídica exercida pelos guardiães das liberdades humanitárias, políticas e filosóficas, e que visa à manutenção e aplicação da ordem jurídica aos casos concretos em sociedade, pugnando pelo Estado de Direito.
Sob o critério político, advocacia é a atividade que propicia a defesa de interesses de pessoas envolvidas em conflitos sociais, perante o Poder Judiciário ou órgãos administrativos, de acordo com normas e princípios jurídicos pré-estabelecidos (Estado de Direito) pela linha de poder dominante em uma dada sociedade, escolhida pelo povo e que o representa (Estado Democrático).
Sob o critério constitucional-positivo, advocacia é uma das funções essenciais à justiça, sendo o advogado indispensável à administração desta, e inviolável por atos e manifestações no exercício de sua atividade, na forma da lei.
Sob o critério formal (ou legalista), advocacia é a atividade privativa de bacharel em Direito, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
Sob o critério formal-funcional, advocacia é a atividade privativa de bacharel em Direito, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, desde que, subjetivamente, se verifiquem ausentes: causas legais de impedimento, incompatibilidade ou licença obrigatória, e ainda, sanção disciplinar ou ordem judicial que impeça, limite ou proíba seu exercício.
Sob o critério material, advocacia pode ser: a atividade de provocação da jurisdição em favor do jurisdicionado pelo exercício da capacidade postulatória (aspecto processual); a mediação de conflitos entre os homens em sociedade por métodos de conciliação (aspecto negocial); a consultoria e assessoria em matéria jurídica (aspecto auxiliar); a fiscalização de regularidade de contratos constitutivos de pessoas jurídicas sujeitas a registro no órgão competente (aspecto burocrático).
A apresentação dos diferentes critérios não significa a opção por um e exclusão dos demais. Os critérios para conceituação na verdade se conjugam, para que seja correto conceituar a advocacia, e de fato a conceituo, como: função essencial à justiça, que visa à garantia das liberdades humanitárias, políticas e filosóficas, e ao cumprimento da ordem jurídica vigente, solucionando conflitos com base em normas e princípios jurídicos pré-estabelecidos, através da mediação, ou por postulação perante os órgãos administrativos ou jurisdicionais, ou evitando-os, pela assessoria e consultoria jurídicas, seja na seara pública ou privada, sendo privativa de bacharel em ciências jurídicas, atendidas as demais qualificações exigidas em lei, que a desempenha com múnus público em atendimento a ministério conferido pela Constituição Federal.”
Como se vê das várias proposições acima transcritas, e da bela conclusão do seu autor, mesmo a moderna advocacia (a mais bela profissão do mundo, na definição de Voltaire) não se define como um serviço de prateleira, mercadoria na acepção mais pura do termo, na forma do art. 191 do nosso antigo Código Comercial: "mercadoria é aquilo que está à venda, que constitui objeto do comércio”. A advocacia não permite o comércio, como coisa posta à venda.
É atividade essencialmente personalíssima, aplicada caso a caso, segundo as circunstâncias próprias de cada cliente e de suas questões, na melhor definição do artigo 36 do CED, quando estabelece os critérios para fixação dos honorários:
Art. 36 - Os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, atendidos os elementos seguintes:
I - a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas;
II - o trabalho e o tempo necessários;
III - a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de se desavir com outros clientes ou terceiros;
IV - o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele
resultante do serviço profissional;
V - o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente avulso, habitual ou permanente;
VI - o lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado;
VII - a competência e o renome do profissional;
VIII - a praxe do foro sobre trabalhos análogos.
Todas essas circunstâncias servem de parâmetro para a fixação dos honorários, de modo que, à primeira vista, o desconto pelo pagamento por pontualidade aparentemente não se coadunaria com os preceitos que norteiam a fixação dos honorários e as peculiaridades dessa atividade personalíssima: o preço há que ser um, e apenas um, individual e personalizado, segundo a natureza da causa posta aos cuidados daquele determinado advogado.
Mas uma avaliação mais profunda do tema sugere a possibilidade de uma abordagem mais arejada, no sentido de permitir tais descontos por pontualidade. Vejamos.
As mesmas regras acima divisadas conjugadas com o artigo 35 do CED facultam a cobrança de multa por atraso no pagamento dos honorários, desde que previamente fixados no contrato de honorários. Não há qualquer impedimento para estipulação de pena contratual para a mora, quer do cliente, quer do advogado. Observe-se o disposto no artigo 35:
Art. 35. Os honorários advocatícios e sua eventual correção, bem como sua majoração decorrente do aumento dos atos judiciais que advierem como necessários, devem ser previstos em contrato escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do serviço profissional, contendo todas as especificações e forma de pagamento, inclusive no caso de acordo.
§1º Os honorários da sucumbência não excluem os contratados, porém devem ser levados em conta no acerto final com o cliente ou constituinte, tendo sempre presente o que foi ajustado na aceitação da causa.
§2º A compensação ou o desconto dos honorários contratados e de valores que devam ser entregues ao constituinte ou cliente só podem ocorrer se houver prévia autorização ou previsão contratual.
§3º A forma e as condições de resgate dos encargos gerais, judiciais e extrajudiciais, inclusive eventual remuneração de outro profissional, advogado ou não, para desempenho de serviço auxiliar ou complementar técnico e especializado, ou com incumbência pertinente fora da Comarca, devem integrar as condições gerais do contrato.
No mesmo sentido, há julgado deste tribunal que confirma a possibilidade de estipulação de multa moratória. Observe-se: E-2.894/2004.
Devemos evitar, no exercício da advocacia, um equívoco, usualmente praticado por aqueles que se dedicam à atividade comercial, quando focam seus “programas de fidelização” concedendo vantagens financeiras aos seus clientes. Já se disse alhures: “Não se compra um bom e fiel relacionamento. Conquista-se!”.
A excelência na prestação dos serviços jurídicos define-se, somado a outros tantos predicados que encantam um cliente, pela aplicação do melhor conteúdo técnico possível ao caso concreto, conjugado à apresentação de relatórios preliminares, do que se esperar da causa; e periódicos, da evolução da causa (e não apenas quando há necessidade de se promover a cobrança de honorários); de uma resposta rápida e eficiente ao cliente (lembrando que, aos nos procurar, certamente algo está a angustiá-lo); pela constante prestação de contas, e não menos importante: preço justo, previamente conhecido, sem surpresas posteriores: um cliente que tem a fidelidade do seu advogado costuma responder em igual moeda: é da natureza humana tal comportamento (e como tudo na vida, comporta exceções, naturalmente).
Não se vê, no CED, óbice à concessão de descontos. O próprio CED prevê a possibilidade de descontos no mesmo artigo 36, inciso V, e a prática forense demonstra que é comum a aplicação de descontos por volume, dependendo da quantidade de causas postas aos cuidados de um mesmo advogado ou sociedade de advogados. Se assim é, o desconto é permitido em sua natureza, como um estímulo à pontualidade.
Porém, tal como a multa, a pontualidade pode ser estimulada, desde que com a mesma moderação, atendidos os demais preceitos que regem a fixação dos honorários, notadamente aqueles que vedam o aviltamento da atividade profissional.
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¹ Jus Navegandi - www.jus.uol.com.br, Constitucional, Advocacia, edição 1032, 26.4.2006;
VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE DO JULGADOR DR. LUIZ ANTONIO GAMBELLI
VOTO – Os consulentes desejam saber se podem conceder desconto para pagamento de honorários, quando pagos pontualmente, e se a mensagem sobre o referido desconto, pode ser colocada no boleto bancário.
A discussão não diz respeito à cobrança feita por meio de boleto bancário, mas sobre desconto para pagamento por pontualidade.
A douta e ilustre relatora, em voto muito bem alinhavado, que nos trouxe um acurado estudo sobre o conceito de advocacia e mercantilização, além de substancioso conhecer jurídico, entendeu pela possibilidade, mas condicionado a previsão contratual.
O entendimento teve analogia em precedentes deste Tribunal, que permite a cobrança de multa pelo atraso no pagamento de honorários, também condicionado a previsão contratual. Assim, se a multa pelo atraso no pagamento precisa ter previsão contratual, o desconto por pontualidade deve também ter idêntica previsão.
Faz muito sentido o entendimento da douta relatora.
O meu voto é pela divergência parcial no sentido de que o desconto é permito apenas para casos eventuais ou esporádicos, e, portanto, não pode ser norma geral e não precisa de previsão contratual.
No meu entender, se houver previsão contratual para o desconto por pontualidade, aí sim é que estaremos caracterizando mercantilização da profissão.
Podemos dividir o desconto em “desconto mercantil” e “desconto financeiro”. O desconto mercantil é aquele que já vem anotado na etiqueta da mercadoria ou na tabela de preços, por exemplo, o desconto por quantidade, o desconto por tipo de cliente, o desconto promocional para liquidação de estoque. É, portanto, um desconto pré-contratual e prevê sempre o pagamento pontual. O desconto financeiro é aquele concedido para pagamento antecipado, e, portanto, não é o desconto por pontualidade. Tem a sua sustentação na necessidade de caixa da empresa, que é a mesma base usada para que o advogado possa conceder desconto no pagamento de honorários, dependendo da sua necessidade de numerário.
Todos nós conhecemos a técnica nada recomendável, mas muito usada nos contratos de locação, de se fixar um aluguel maior que o combinado e dar um desconto igual ao valor excedente para pagamento por pontualidade. Assim estará garantido o valor combinado para ser pago no dia do vencimento.
No meu modo de ver, o desconto para pagamento por pontualidade, previsto no contrato de honorários e colocado no boleto bancário, tem conotação de regra geral, é um desconto pré-contratual, assemelha-se ao desconto mercantil, induz o advogado a cobrar mais caro para receber o exato valor que entende lhe ser devido, e aproxima perigosamente nossos honorários como artigo de liquidação.
Faço minha as sábias e bonitas palavras da relatora:
“Como se vê das várias proposições acima transcritas, e da bela conclusão do seu autor, mesmo a moderna advocacia (a mais bela profissão do mundo, na definição de Voltaire) não se define como um serviço de prateleira, mercadoria na acepção mais pura do termo, na forma do art. 191 do nosso antigo Código Comercial: "mercadoria é aquilo que está à venda, que constitui objeto do comércio”. A advocacia não permite o comércio, como coisa posta à venda.
É atividade essencialmente personalíssima, aplicada caso a caso, segundo as circunstâncias próprias de cada cliente e de suas questões, na melhor definição do artigo 36 do CED, quando estabelece os critérios para fixação dos honorários.”
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“Todas essas circunstâncias servem de parâmetro para a fixação dos honorários, de modo que, à primeira vista, o desconto pelo pagamento por pontualidade aparentemente não se coadunaria com os preceitos que norteiam a fixação dos honorários e as peculiaridades dessa atividade personalíssima: o preço há que ser um, e apenas um, individual e personalizado, segundo a natureza da causa posta aos cuidados daquele determinado advogado.”
Minha divergência, portanto, é no sentido de que o desconto por pontualidade deve ser permitido apenas como norma excepcional, e não pode ser objeto de previsão contratual.
Deixo de oferecer proposta de ementa, por ter sido voto vencido.