Os Direitos Fundamentais formam o bloco de constitucionalidade dos ordenamentos jurídicos modernos, sendo, de maneira endógena, irredutíveis, conforme o § 4º do artigo 60 da Constituição Federal de 1988, e, de maneira exógena, limitadores do Poder Constituinte Originário.
O bloco de constitucionalidade tem natureza multidisciplinar, tocando o Direito, a Sociologia e a Política. Quando se apresenta como pauta inafastável ao criador da Constituição, ilustra característica metajurídica relacionada à Sociologia e à Política. Após a vigência da Carta Maior, transforma-se em conjunto irredutível de normas jurídicas.
Louis Favoreu, na sua obra Les cours constitutionnelles, Paris, P.U.F., Coll. «Que sais-je?», 1986, ao utilizar a expressão bloc de constitutionnalité, consagrou verdadeira proibição de retrocesso e máxima eficácia em relação aos Direitos Fundamentais, apresentando elemento de compulsoriedade inédito ao pacto social dos Estados Constitucionais.
A força valorativa daqueles direitos é embasamento maior para a existência estável de qualquer sociedade e ratifica a concepção de que o ser humano é um fim em si mesmo, dispensando os formalismos autopoiéticos do ordenamento jurídico. Sem dúvida, a pauta legislativa e a atuação do gestor público também estão adstritas ao bloco de constitucionalidade.
Dessa forma, o legislador deve criar normas com, ao menos, dois objetivos: a) garantir o exercício dos Direitos Fundamentais prestacionais aos cidadãos; e b) impedir que a hipertrofia estatal afaste imperativos de isonomia entre o Poder Público e o particular.
As leis devem estabelecer ritos que possibilitem o exercício do rol de direitos descritos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o que não acontece em diversos casos concretos nos quais a Administração Pública apresenta-se como interessada.
A falha legislativa na efetivação dos Direitos e Garantias Fundamentais - seja através da omissão ou através da criação de normas violadoras - é a única hipótese autorizativa do gestor público a agir de maneira contrária à lei, apesar dos doutrinadores clássicos entenderem que, independentemente da urgência existente, somente o chefe supremo da Administração Pública poderá questionar a constitucionalidade de ato normativo.
Em alguns casos urgentes, o servidor público deve atuar com presteza para assegurar a observância dos valores fundamentais em detrimento da lei inconstitucional. Uma dessas hipóteses será tratada a seguir.
O inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 estabelece como princípios reitores e absolutamente indispensáveis aos processos judiciais e administrativos o do contraditório e o da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Dessa maneira, ainda que não haja etapa procedimental de proteção aos princípios citados, tanto a autoridade judicial quanto a autoridade administrativa podem inovar para evitar mácula e garantir tais direitos ao cidadão.
O poder disciplinar, que se mostra instrumento da subfunção administrativa disciplinar, deve ser exercido sob o prisma acima descrito, ou seja, a aplicação de sanção funcional somente será válida se, em todo o processo, for garantido ao acusado ou indiciado o direito amplo e irrestrito de defesa.
Tal direito não precisa adequar-se à conveniência, à oportunidade, à economicidade ou à eficiência na Administração Pública, visto que todos os princípios e regras encontram-se submetidos ao império dos Direitos Fundamentais como comandos supraconstitucionais e de hierarquia endoconstitucional superior.
Feitas tais considerações, vislumbra-se, no processo administrativo disciplinar estabelecido pela Lei n. 8.112/90, grave violação aos princípios incrustados no inciso LV do artigo. 5º da Constituição Federal de 1988: a ausência de previsão de reabertura do prazo para defesa na hipótese do parágrafo único do artigo 168 daquela lei.
Eis a literalidade da norma: "Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade."
Apesar de o indiciado se defender dos fatos imputados, a busca pela máxima efetividade dos Direitos Fundamentais, ainda que não haja previsão legal, exige, nos casos de agravamento da penalidade sugerida pela Comissão do Processo Administrativo Disciplinar ou Sindicância Punitiva, que seja reaberto o prazo para a defesa.
Adotada tal opção, não somente o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal será observado, mas também o princípio da boa-fé, sob a modalidade confiança, descrito no inciso IV do parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 9.784/99, impedindo, inclusive, o venire contra factum proprium, ou seja, a conduta contraditória da Administração Pública.
Os puristas afirmarão que, em virtude da unicidade do ato da autoridade julgadora, não será possível, sob o aspecto fático, tal providência. Entretanto, é sabido que o agente público aplicador da sanção, normalmente, submete o relatório final da Comissão à análise jurídica antes da sua decisão final.
Assim, antes do julgamento e após a análise jurídica, impõe-se a reabertura do prazo para defesa. Ainda que o ato seja único e que seja dispensada a análise jurídica, poderá a autoridade, vislumbrando a possibilidade de agravamento da sanção, converter o feito em diligência com as razões que ensejarão a majoração, a fim de assegurar a manifestação do indiciado sobre tal possibilidade.
Certamente, não há previsão legal para essa manifestação e o princípio da economicidade será afastado, mas a ponderação de valores mostrará a prevalência dos princípios do contraditório e da ampla defesa sobre os demais, com base na hierarquia decorrente da simples aferição valorativa.
Por fim, deve ser lembrado que não se pode afastar o dever dos estudiosos do Direito de esgrimir na esfera da política legislativa. O vício sistêmico apresentado pode ser facilmente sanado através da ação dos grupos socialmente organizados, por exemplo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, junto ao Poder Legislativo. Apesar da omissão da norma sobre a reabertura do prazo para defesa e da possibilidade de a autoridade julgadora, independentemente de expressa disposição legal, fazê-lo, seria salutar a previsão deste ato em lei, a fim de afastar a incompletude na efetivação dos Direitos Fundamentais ao contraditório e à ampla defesa nos Processos Administrativos Disciplinares e nas Sindicâncias Punitivas.
Fonte: Jornal Carta Forense, quinta-feira, 3 de maio de 2012