E-4.172/2012
CADASTRO DE CLIENTES MAUS PAGADORES EM SITE ELETRÔNICO DA OAB - CRIAÇÃO DE FERRAMENTA CAPAZ DE FORNECER INFORMAÇÕES PARA TODO O PAÍS A RESPEITO DE CLIENTES MAUS PAGADORES DISPONÍVEL AOS ADVOGADOS NÃO IMPEDIDOS DE ADVOGAR - CUMPRIDA A SATISFAÇÃO DO DÉBITO COM O ADVOGADO PRECEDENTE O CLIENTE MAU PAGADOR SAIRIA DO SISTEMA NEGATIVO - TAL CRIAÇÃO POSSIBILITARIA AO ADVOGADO O DIREITO DE OPÇÃO NA REPRESENTAÇÃO DO CLIENTE CONSTANTE NO CADASTRO - IMPOSSIBILIDADE - ADVOCACIA NÃO É ATIVIDADE MERCANTIL E NEM COM ELA SE CONFUNDE.
Nas relações financeiras e comerciais do mundo moderno, surgiram empresas que centralizam em seus bancos de dados informações sigilosas sobre maus pagadores e que servem de parâmetros para negócios futuros de quem as consulta, mas antes de ter o nome incluído em cadastro de maus pagadores o consumidor deve ser previamente avisado. Esta comunicação ao consumidor está diretamente relacionada à boa-fé objetiva e ao equilíbrio das relações entre fornecedor e consumidor e ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Por outro lado, alem de prestar um serviço publico e exercer uma função social preconizado no art.2º da lei 9.906 /1994 e art.133 da Constituição Federal, o advogado destaca-se pela natureza pessoal e especialíssima da relação com seu cliente. Esta atividade tem como consequência a descaracterização de consumidor para aquele que aufere a proteção exclusiva do profissional do direito, numa atuação de meios especialmente aplicados aos interesses envolvidos. Não se pode aplicar a relação de consumo na pratica da advocacia e a inserção qualificativa de clientes maus pagadores para consulta em site da OAB fere os princípios da sigilosidade abrindo possibilidade de armar os menos escrupulosos de um instrumento a serviço do mal. Isto sem contar com inúmeras situações decorrentes que podem gerar discriminações odiosas e inverídicas. A advocacia, além de ser regido por uma norma específica (Lei 8.906/94), o trabalho advocatício não é uma atividade fornecida no mercado de consumo não incidindo o Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas ações que tratam de trabalho advocatício. Não sendo regido pelo CDC- Código de Defesa do Consumidor, dele o advogado não pode se utilizar para praticar qualquer medida que ofenda o livre exercício da profissão e sua pratica dentro dos regramentos legais e éticos. Este dispositivo legal, expressa uma fundamental manifestação do Estado Democrático de Direito, que é a garantia do direito de defesa, que se traduz na bilateralidade dos atos e termos do processo, para que se possa formar a livre convicção do magistrado. Verifica-se que a inclusão de clientes maus pagadores em sites eletrônicos da OAB para consulta por advogados de todo o país, sugerida pelo consulente, não permitirá ao cidadão ou a uma empresa o direito ao contraditório e a ampla defesa, princípios garantidos pela Carta Magna, que devem ser respeitados mesmo em relação àqueles que se encontre em situação de inadimplência. Isto porque a qualquer um deve ser dado o direito de se defender, seja para mostrar os motivos pelo qual a obrigação não foi cumprida, seja para comprovar não possuir nenhum débito com a empresa que realizou o apontamento que prejudica deliberadamente. Precedentes: E-1.783/98; E-1.765/98. Proc. E-4.172/2012 - v.u., em 18/10/2012, do parecer e ementa do Rel. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF - Rev. Dr. FLÁVIO PEREIRA LIMA - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
RELATÓRIO – A consulta está registrada em nome do Dr. (...), OAB. SP (...) (fls. 06 dos autos) dirigida ao DD. Presidente da OAB Federal, Dr. Ophir Filqueiras Cavalcanti Junior, pela qual sugere, em síntese, a criação de uma “SPC/ SERASA Interno da OAB”, num sistema único e integrado, com acesso permitido e de fácil consulta a todos os advogados regularmente inscritos e que não estejam impedidos de exercer da profissão.
Tal dispositivo seria criado por meio de uma ferramenta para consulta de cliente que está em débito com o advogado anteriormente contratado.
Seria uma lista de maus pagadores e o advogado decide se celebra ou não um “contrato de prestação de serviços com este cliente devedor, o qual somente “sairia do sistema”, caso pagasse a dívida contraída com o advogado que contratara” anteriormente.
Tal ferramenta seria inserida nos sítios eletrônicos da OAB, nos âmbitos federais (sic), distrital, estaduais e subsecionais (sic).
Faz outras considerações que repetem a pretensão acima e menciona o fato de que já foi “vitimado por isso e conhece muitos advogados que também já o foram, sejam eles dos mais renomados ou iniciantes”.
O DD. Presidente da OAB Federal, por meio de oficio, remeteu esta consulta para a seccional de São Paulo (fls.03 dos autos) em face da consulta que foi encaminhada pelo DD. Presidente da Subsecção de Campinas.
O documento de fls.10 contem informações não coincidentes quanto ao número de inscrição do consulente, declinado neste documento como sendo (...) (ficha de inscrição da OAB. SP) enquanto o número digitado pelo consulente, tanto na consulta quanto no impresso abaixo de seu nome, como sendo (...). Prevalece este ultimo.
Eis o relatório. Passo à consulta.
PARECER – A competência deste tribunal é exclusiva para tratar de questões éticas, conforme dispõem os artigos 134, 136, § 3º, do Regimento Interno da OAB/SP e artigos 3º e 4º do Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.
Seria muito mais cômodo para este relator enviar esta consulta para o campo da incompetência desta Turma, mas perderíamos a oportunidade de avaliar este assunto, diante de mudanças tão radicais e imprevisíveis da vida social, psico- social política e militar que envolvem a todos.
Vislumbro, no vertente caso, elementos que refletem no comportamento ético do advogado, possibilitando arma-lo com uma ferramenta perigosa, cujo uso, ao negativar uma pessoa física ou jurídica, sendo verdadeira ou não suas alegações, poderá ser antagonizado pela parte prejudicada perante órgão judicial e, portanto, de competência desta Turma.
Ressalte-se, por ultimo, o ineditismo desta consulta perante a Primeira Turma, justificando ainda mais seu conhecimento vez que a intrepidez intelectual é uma das condições da independência do caráter.
Quanto ao mérito da consulta:
a)Banco de Dados.
A criação e manutenção de bancos de dados sobre pessoas físicas e jurídicas não é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Neste sentido existem diversas menções, mesmo em nível constitucional, sobre atividade desta natureza.
A norma constitucional na alínea ‘a’ do inciso LXXII do artigo 5º, ao prever a concessão de habeas data1 para assegurar ao impetrante o conhecimento de informações relativas à sua pessoa, reconhece, expressamente, a possibilidade de se criar e manter registros ou bancos de dados, por entidades governamentais ou de caráter público.
Nesta linha, há de se ressaltar a existência de diversos dispositivos infraconstitucionais que autorizam e regulamentam a manutenção de bancos de dados por órgãos públicos e também pela iniciativa privada.
De se ressaltar as leis que disciplinam a respeito:
I–Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 9.492/1997 (que define competência regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências);
II–Lei nº 9.507/1999 (que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito do habeas data);
III –Lei nº 12.414/2011 (que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito).
Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1790, reconheceu que “a convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de consumo, mantidos pelos próprios fornecedores de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massa: de viabilizá-la cuidou o CDC, segundo o molde das legislações mais avançadas (...). É o bastante a tornar duvidosa a densidade jurídica do apelo da arguição à garantia da privacidade, que há de harmonizar-se à existência de bancos de dados pessoais, cuja realidade a própria Constituição reconhece (art. 5º, LXXII, in fine) e entre os quais os arquivos de consumo são um dado inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de crédito.2
Feitas essas considerações iniciais, passa-se à análise da consulta formulada, a qual diz respeito à adequação da criação de um “Serasa interno da OAB” aos ditames previstos no Código de Ética e Estatuto da OAB.
Este sistema consistirá na existência de uma lista de clientes tidos como “maus pagadores”, em razão do inadimplemento praticado em face do advogado, o qual levaria este fato ao conhecimento da OAB, para registro e publicidade perante os colegas de profissão.
Ou seja, trata-se de sistema semelhante aos cadastros de proteção ao crédito existentes pelos quais os comerciantes e instituições financeiras podem inscrever o nome de consumidores inadimplentes.
Inserem-se nos cadastros desta natureza registros do inadimplemento de pessoas físicas e jurídicas, decorrentes de relações de consumo ou mercantis. Segundo os dispositivos das normas infraconstitucionais acima citadas, tais informações serviriam à análise de risco de crédito ou para subsidiar a concessão e extensão de crédito e a realização de transações que impliquem risco financeiro ao consulente.
Somado aos argumentos acima, além das questões relacionadas às prerrogativas e obrigações atribuídas aos advogados, há no Estatuto da Advocacia e da OAB previsão expressa no sentido de que as sociedades de advogado são sociedades civis (artigos 15 e 16), diferenciando-se das sociedades empresárias3 e o advogado exerce um múnus público 4.
Cumpre ressaltar que o art. 42 do Código de Ética e Disciplina regulamenta o crédito que o advogado pode pretender de seu cliente e os meios que dispõe para tanto, inclusive levando ao protesto e ao endosso, querendo, os cheques e notas promissórias, títulos de crédito emitidos pelo devedor5.
Levado seu titulo de crédito a protesto, já tem o credor alcançada a prova de inadimplência e descumprimento da obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida (artigo 1º da Lei 9.492/1997); o protesto do título proporciona o conhecimento de
Os propósitos das entidades consultivas de proteção ao crédito.
Os sistemas de proteção ao crédito existentes no Brasil foram criados com o propósito de fornecer informações seguras aos comerciantes e a entidades a estes vinculadas a respeito da idoneidade financeira de um utilizante ao crédito.
O associado de tais sistemas, mediante contribuição, utiliza-se das informações neles contidas e catalogadas e registradas, procurando proteção contra eventual possibilidade de sofrer um "cano” ou “calote” aplicado por consumidores que constam, como inadimplentes, referentes a atos comerciais realizadas anteriormente.
O rotulo de “mau, pagador”, em que pese à atuação destas entidades de proteção ao crédito ao promover atos restritivos, pode gerar consequências assegurados aos cidadãos e empresas.
Este poder, concedido a estas entidades, não seria de competência dos órgãos promovidos pelo Estado, como nação politicamente organizada, pois ignoram princípios garantidos pela norma constitucional garantida a todos os cidadãos?
Inserir dados sobre pessoas e empresas, com o propósito de repassa-los a terceiros, porquanto o conteúdo dessas informações indica o possível "mau pagador" e sugere ao possível credor a não realizar negócio jurídico com este, sob pena de "sofrer prejuízo" não seria uma violação pessoal antes da defesa da parte mais interessada?
Com a globalização, a informação, elemento fundamental dentro desta nova dinâmica social/econômico- política, sofreu mudanças em virtude de novas tecnologias que surgiram, dando lugar às redes eletrônicas, de fácil acesso e manuseio.
Diante disso, nas relações financeiras e comerciais do mundo moderno, surgiram empresas que centralizam em seus bancos de dados informações sigilosas sobre maus pagadores e que servem de parâmetros para negócios futuros de quem as consulta.
Tornou-se um hábito a prática comercial no sentido de desobrigar o fornecedor de avaliar pessoalmente os riscos na concessão de crédito e desta forma da relação de consumo com o cliente.
A simples consulta aos arquivos de consumo já poderá fornecer os elementos necessários à celebração do contrato pretendido, sobretudo a respeito da idoneidade financeira do comprador do bem ou serviço. Em vários casos, esta verificação toma corpo de caráter compulsório, e a positividade de qualquer apontamento, seja verdadeiro ou não, sendo a razão primordial para a conclusão do negócio.
Essas entidades de proteção ao crédito costumam estabelecer normas internas que exigem o transcurso de determinado prazo após o vencimento da obrigação para proceder ao cadastramento.
Fundamental somente mencionar que aqueles que concordam com este tipo de serviço, alegam que o mesmo representa uma proteção ao crédito, com o objetivo de informar as instituições vinculadas (financeiras ou comerciais), que a pessoa consultada descumpriu obrigação anteriormente contraída, e, em face disto, tem potencial de descumprir também as obrigações de um contrato novo sendo um direito liquido e certo.
De outro lado, opostamente, na outra vertente doutrinária, pessoas que defendem a existência destes sistemas não conferem adequada atenção aos direitos que supostamente possam ser violados.
Inúmeros são os casos de reclamações de cunho nos Juizados Especiais Cíveis em todo o país, no qual se busca uma tutela imediata para que seja retirado o nome de tais bancos de dados, já que esses apontamentos provocaram um leque de transtornos nas relações pessoais e profissionais e ainda familiares dos indivíduos. A quantidade dessas ações judiciais é enorme e chegam a abarrotar estes Juizados e as Varas Especializadas do Consumidor, o que evidencia a efetiva insatisfação dos consumidores frente aos abusos que lhe são praticados neste seguimento.
Não é sem razão que a lei estabelece que o credor por título extrajudicial com força executiva, diante da inadimplência, tem a seu dispor a ação executiva, ou, a ação monitória, quando o título não tiver força executiva, podendo, ainda, se for o caso, adentrar com ação de cobrança pelo rito ordinário.
Caso contrário, se não fosse a via correta estabelecida pelo legislador, estas medidas judiciais seriam somente atos dispensáveis, aos quais aqueles que têm um crédito em mora ou inadimplido poderiam simplesmente dispensar a apreciação judiciária em detrimento da coação ao restringir o crédito de alguém, o que seria mais cômodo, mais ágil e menos oneroso em que pesem os danos que iriam causar.
Verifica-se que o fato de ter o nome incluso nos cadastros de restrição ao crédito constitui uma grave sanção para aqueles que, por motivos muitas vezes alheios a suas vontades, deixaram de honrar as obrigações contraídas, sendo, por isso, sentenciados pelos órgãos da chamada “ditadura do crédito”, já implantada neste país.
Os adeptos desta ordem invocam a ferida lançada no principio do contraditório, o qual vem disciplinado na Constituição Federal pátria no art. 5º, LV, juntamente à garantia da ampla defesa, no seguinte sentido:
"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Este dispositivo legal expressa uma fundamental manifestação do Estado Democrático de Direito, que é a garantia do direito de defesa, que se traduz na bilateralidade dos atos e termos do processo, para que se possa formar a livre convicção do magistrado.
O sagrado direito ao contraditório e ampla defesa devem ser respeitados mesmo em relação àqueles que se encontrem em situação de inadimplência, pois a qualquer um deve ser dado o direito de se defender, seja para mostrar os motivos pelo qual a obrigação não foi cumprida, seja para comprovar não possuir nenhum débito com a empresa que realizou o apontamento que prejudica deliberadamente.
RELAÇÃO DE CONSUMO
Por relação de consumo é de se entender toda relação jurídico-obrigacional que liga um consumidor a um fornecedor qualquer tendo como objeto principal o fornecimento de um produto ou da prestação de um serviço.
Quase sempre as duas figuras acontecem: há uma cumulação de prestação de serviço com fornecimento de produto.
Desta forma, para se determinar qual o regime jurídico a ser aplicado ao caso, é necessário averiguar qual é o elemento principal do vínculo obrigacional: se é uma obrigação de dar ou é uma obrigação de fazer. Tratando-se da primeira, a hipótese é de produto; quando for o segundo caso o objeto é um serviço.
II- O Exercício da Advocacia e sua definição como “bem de consumo”
O exercício da advocacia, no que se refere a ética nos exatos termos do artigo 1º do Código de Ética e Disciplina da OAB, se caracteriza da seguinte forma:
"O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional."
O serviço profissional é bem de consumo e, para ser consumido, há de ser divulgado mediante publicidade. Em relação a pratica da advocacia, é necessária uma postura totalmente diferente, pois a contratação do causídico está sempre vinculada à ameaça ou efetiva lesão de um direito de seu cliente.
Este profissional está sujeito a normas proclamadas pelo Estatuto de Advocacia, do Código de Ética e Disciplina, regulamentos, provimentos e resoluções da OAB e ainda exercendo um múnus público pelo art. 133 da C.F.. A atividade profissional desenvolvida por advogado não caracteriza relação de consumo.
A conclusão unânime é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o ministro Cesar Asfor Rocha, relator do processo, além de ser regido por uma norma específica (Lei 8.906/94), o trabalho advocatício não é uma atividade fornecida no mercado de consumo.
Dessa forma, não incide o Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas ações que tratam de trabalho advocatício.
Os ministros da Quarta Turma rejeitaram o recurso interposto por Célia Maria Peixoto Araújo contra o advogado Gilberto Campos Tirado, do Rio de Janeiro. Célia Araújo e Gilberto Tirado firmaram um contrato, no dia 14 de julho de 1999, para que o advogado entrasse com uma ação solicitando uma autorização para que Célia Araújo pudesse alienar dois imóveis de sua propriedade. No contrato, eles estabeleceram como honorários advocatícios dez por cento do valor da avaliação judicial dos imóveis com um mínimo de R$ 5 mil, valor que foi pago no dia 30 de julho do mesmo ano. Gilberto Tirado entrou com a ação no dia 16 de julho (dois dias após o contrato). No entanto, no dia 30 de julho de 2000, o advogado foi surpreendido por um telegrama de sua cliente. Na correspondência, Célia Araújo destituiu Gilberto Tirado revogando a procuração conferida ao profissional sem justificativa. Gilberto Tirado procurou a excelente para receber o valor acordado, sem sucesso. Segundo o advogado, os dois lotes foram avaliados em um total de R$ 350 mil. Com isso, Célia Araújo deveria pagar a Gilberto Tirado R$ 35 mil, como estabelecido na cláusula sete do contrato, subtraindo-se desse valor R$ 5 mil, já quitados pela cliente. A cláusula previa o pagamento do valor total dos honorários em caso de revogação dos poderes outorgados ao advogado sem motivação. Gilberto Tirado também cobrou R$ 268,00 de custas judiciais. A dívida, portanto, totalizou R$ 30.268,00. Célia Araújo contestou a cobrança. Com isso, Gilberto Tirado entrou com uma ação contra a excelente exigindo o pagamento dos honorários advocatícios contratados. O Juízo de primeiro grau acolheu o pedido determinando à Célia Araújo o pagamento dos honorários a Gilberto Tirado com correção monetária e juros. A proprietária dos imóveis tentou modificar a sentença com embargos (tipo de recurso), que foram rejeitados. O julgamento que negou os embargos ainda aplicou multa de um por cento à Célia Araújo entendendo que o recurso seria protelatório. Diante da decisão, ela apelou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que acolheu apenas parte do apelo. O TJ-RJ excluiu a multa imposta pela primeira instância, mas manteve a sentença favorável ao advogado. O Tribunal de Justiça confirmou o entendimento da sentença de que a cobrança estaria correta, pois ele teria apresentado um título executivo para efetuar o pedido judicial. Além disso, segundo o TJ-RJ, não estaria comprovado qualquer prejuízo causado à devedora. Diante da decisão, Célia Araújo recorreu ao STJ. No recurso, ela afirmou que os julgamentos anteriores teriam violado os artigos 3º, 267, incisos III e VI, e 295 do Código de Processo Civil (CPC); 118 e 1.228 do Código Civil de 1916; 24 da Lei 8.906/94, e 3º e 51, parágrafo 1º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O ministro Cesar Asfor Rocha negou o recurso mantendo a decisão do TJ-RJ. Segundo o relator, "ainda que o exercício da nobre profissão de advogado possa importar, eventualmente e em certo aspecto, espécie do gênero prestação de serviço, é ele regido por norma especial, que regula a relação entre cliente e advogado, além de dispor sobre os respectivos honorários, afastando a incidência de norma geral". Cesar Rocha lembrou a conclusão do TJ-RJ de que "as prerrogativas e obrigações impostas aos advogados como a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo".
Incabível a sugestão do consulente, pela criação de um Serasa para Maus Pagadores.
Destaque-se a natureza pessoal e especialíssima da relação advogado com seu cliente, com a consequente descaracterização do consumidor para aquele que aufere a proteção exclusiva do profissional do direito, numa atuação de meios especialmente aplicados aos interesses envolvidos. Não se pode aplicar a relação de consumo na pratica da advocacia. Isto sem contar com inúmeras situações decorrentes que podem gerar discriminações odiosas e inverídicas.
O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável às relações advogado/devedor por se tratar de típica atuação profissional regulada pelo EAOAB e CED. Ademais, a prestação de serviços advocatícios não se confunde com prestação de serviços mercantis, pois a advocacia não é atividade análoga ou assemelhada as atividades mercantis.
Existem vários julgados desta Turma descaracterizando a advocacia como de consumo mercantil, dentre eles: Proc. E-1. 783/98; Proc. E-1. 765/98.
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1– Habeas Data é um remédio jurídico (facultativo) na formação de uma ação constitucional que pode, ou não, ser impetrada por pessoa física ou jurídica (sujeito ativo) para tomar conhecimento ou retificar as informações a seu respeito, constantes nos registros e bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público (Art. 5º, LXXII,"a", Constituição Federal do Brasil de 1988). Pode-se também entrar com ação de Habeas Data com o intuito de adicionar, retirar ou retificar informações em cadastro existente, desde que a instituição seja pública ou de caráter público. É remédio constitucional considerado personalíssimo pela maior parte da doutrina, ou seja, só pode ser impetrado por aquele que é o titular dos dados questionados. Todavia, a jurisprudência admite que determinadas pessoas vinculadas ao indivíduo tenham legitimidade (cônjuge, ascendente, descendente e irmã/o).
2- STF – TP – ADIn 1790 MC/DF – re. Min. Sepúlveda Pertence – j. em 23.04.1998).
3– Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta lei e no regulamento geral.
4– Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
5– HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DUPLICATAS E LETRAS DE CÂMBIO SACADOS PELO CREDOR TEM VEDAÇÃO DE PROTESTO E ENDOSSO – INAPLICABILIDADE DESTA VEDAÇÃO QUANTO AO CHEQUES E NOTAS PROMISSÓRIAS DE EMISSÃO DO DEVEDOR – EMISSÃO DE FATURA E BOLETOS BANCÁRIOS PELO CREDOR SÃO PERMITIDOS ATENDIDAS AS CONDIÇÕES DO ART. 42 DO CED – VEDAÇÃO DE SEU PROTESTO – BOLETO BANCÁRIO NÃO É TÍTULO DE CRÉDITO E PODE SER LEVADO AO BANCO RECEBEDOR DESDE QUE AUTORIZADO PELO CLIENTE E SEM QUALQUER INSTRUÇÃO EM CASO DE SEU INADIMPLEMENTO – VEDAÇÃO DE SEU PROTESTO.
O artigo 42 do CED determina a vedação de saque de títulos de crédito pela sociedade de advogados ou escritório de advocacia para recebimento de honorários advocatícios, condições estas somente possíveis em se tratando de duplicata e letra de câmbio. Permite-se a emissão de fatura, mas se proíbe o seu protesto. Protesto e endosso são vedados nestes casos. Estas vedações não alcançam os cheques e notas promissórias, pois são títulos de crédito emitidos pelo devedor e não contemplados no artigo impeditivo. Não há qualquer restrição ético-legal para que o advogado ou sociedade de advogados utilizem de boleto bancário para recebimento de seus créditos, limitando-se a não outorgar ao banco recebedor qualquer procedimento contra o devedor em caso de inadimplemento, devendo constar que o “documento não é protestável”. Proc. E-3.543/2007 - v.u., em 22/11/2007, do parecer e ementa do Rel. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF – Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI – Presidente Dr. CARLOS ROBERTO F. MATEUCCI.