E-4.498/2015


CESSÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS NA FASE DE CONHECIMENTO PARA TERCEIROS ESTRANHOS A RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL - VALORES INDEFINIDOS - INADEQUAÇÃO LEGAL E ANTIJURIDICIDADE - POSSIBILIDADE LEGAL DESTA AQUISIÇÃO DE DIREITOS POR TERCEIROS ESTRANHOS A RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL NA FASE DE EXECUÇÃO COM VALORES DEFINIDOS - PERDA DE BENEFÍCIOS CONCEDIDOS AOS EMPREGADOS NA ESFERA FISCAL, TRIBUTARIA E LEGAL - EXCEÇÃO AOS CRÉDITOS DE HERDEIROS POR FALECIMENTO DO EMPREGADO - AQUISIÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR ADVOGADOS DA CAUSA, EMBORA LEGAL, É MANIFESTAMENTE ANTIÉTICA E ADENTRA NO VASTO CAMPO DA IMORALIDADE. PRECEDENTE: E-3.397/2006

a) Não se opera a cessão de créditos trabalhistas na fase cognitiva por afrontar a legalidade e a juridicidade do processo. b) A cessão de crédito é um negócio bilateral e comutativo onde o cedente transfere os direitos que tem sobre um crédito ao cessionário, que o adquire, independentemente do consenso do devedor cedido, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional ocorrido anteriormente; c) A parte reclamante pode ceder seus créditos a terceiros estranhos a relação jurídica processual e, assim como os salários são impenhoráveis, mas não inalienáveis, podem também ceder os créditos de natureza trabalhista com valores já liquidados, sem que os direitos atribuídos ao empregado na esfera fiscal, legal e tributária sejam transmitidos ao cessionário; d) Quando se tratar de direitos do "de cujus" todos eles serão cedidos aos herdeiros, sem prejuízo dos benefícios legais que são concedidos aos empregados na relação contratual trabalhista; e) Advogado de uma causa que "compra" direitos trabalhistas do reclamante em valores já liquidados por sentença não adentra no campo da ilegalidade, mas adentra no da imoralidade e no vasto campo da atitude antiética. Proc. E-4.498/2015 - v.u., em 18/06/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF - Rev. Dr. FÁBIO GUIMARÃES CORRÊA MEYER - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.

RELATÓRIO - A consulente, inscrita na OAB/SP com o número (...) consulta essa turma a respeito da possibilidade de compra de direitos trabalhistas em fase de conhecimento, sem que haja liquidação no processo.

Eis o breve relato, passando ao parecer.

Da competência:

Conheço da consulta por envolver matéria ética de competência desta Turma.

Do rito processual:

No direito processual do trabalho existe o processo de conhecimento e o processo de execução. O processo de conhecimento é a fase em que ocorre toda a produção de provas, a oitiva das partes e testemunhas, dando conhecimento dos fatos ao juiz responsável, a fim de que este possa aplicar corretamente o direito ao caso concreto com a sentença proferida.

O processo segue ou o rito sumário (art. 851, parágrafo primeiro das CLT e lei 5584/70) ou sumaríssimo ( art.852 letra A da CLT) ou o rito ordinário, dependendo do valor atribuído à causa: se for até dois salários mínimos (rito sumario), mais de dois até quarenta salários mínimos (rito sumaríssimo) e de quarenta salários mínimos em diante rito ordinário).

Durante a fase de conhecimento é que o Juiz da causa avaliará os pontos de fato e de direito para sua decisão final.

Como poderá o Juiz ou uma das partes sequenciar um processo dentro de uma relação jurídica processual onde a outra parte foi alterada na fase cognitiva? Como poderá o Juiz determinar a oitiva da parte em qualquer fase se ela foi alterada pela cessão de direitos a terceiros (art. 843 e seguintes da CLT)? 

PARECER - Duas situações devem ser colocadas: a primeira é a cessão de direitos trabalhistas para terceiros a relação jurídica processual e outra é a aquisição de direitos trabalhistas por advogados da causa e, portanto componente da relação jurídica processual.

a). Dispõe o artigo 286, do Código Civil que:

"O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser à natureza da obrigação, à lei ou à convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação".

A cessão de crédito é um negócio bilateral e comutativo onde o cedente transfere os direitos que tem sobre um crédito ao cessionário que o adquire, independentemente do consenso do devedor cedido, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional ocorrido anteriormente.

Portanto, as partes podem ceder seus créditos a terceiros. E, assim como os salários são impenhoráveis, mas não inalienáveis, podem também ceder os créditos de natureza trabalhista.

Na esfera civil a regra geral é que a cessão de crédito não necessita da anuência do devedor, mas há exceções para o caso de cessão do direito litigioso (atual art. 42, 1º do CPC).

Nas ações de cunho trabalhista há uma ação de conhecimento que gera uma execução de título líquido, certo e exigível. Este título pode ser cedido a terceiros que portará um título exequível, somente na  fase de execução onde há valores matemáticos definidos.

O artigo 878 da Legislação Consolidada permite que "qualquer interessado" possa promover a execução. Como não há por parte da CLT identificação de quem seriam esses interessados, por força do art. 769 desta, remete-se à legislação adjetiva (atual art. 567, II, CPC).

As situações criadas pelas incessantes mudanças econômicas e pela lentidão na prestação jurisdicional do Estado fazem surgir novos contratos, novos tipos de acordos de vontade, novas tratativas legais a fim de alcançar mais rapidamente o direito social.

Pode-se vislumbrar atualmente esta ocorrência de cessão de créditos na Justiça Especializada das Varas do Trabalho do País, de cunho eminentemente trabalhistas, após a apuração dos valores definidos na sentença tornando o crédito liquido e certo. Alguns magistrados relutam em aceitar.

O crédito trabalhista tem natureza jurídica própria, traz em seu bojo o caráter alimentar, tem privilégios em relação a outros créditos.

b). A respeito do privilégio desfrutado pelos créditos trabalhistas, o jurista Francisco Antônio de Oliveira (A Execução na Justiça do Trabalho, Doutrina, Jurisprudência, Enunciados e Súmulas, 4ª edição, editora Revista dos Tribunais, 1999, pág. 226/227), preconiza o seguinte ensinamento:

“É bem de ver que os créditos trabalhistas gozam de proteção especial, chamados por alguns até de super privilegiados, sobrepondo-se até mesmo aos créditos hipotecários”. Estão garantidos, em primeiro lugar, pelo conjunto de bens móveis e imóveis que formam o patrimônio da empresa e/ou do empregador (art. 2º da CLT).”

Essa natureza jurídica tem sua origem na celebração de um contrato de vínculo laboral e a uma correspondente ação trabalhista que ao final é liquidada. É aqui que está criada a obrigação de vínculo obrigacional laboral que possui privilégios falimentares, fiscais, alimentares, de penhora etc., porém com sua cessão ao terceiro interessado (não se trata de herdeiro sucessório) essa característica desaparece, se desnatura.

O herdeiro sucessório herda também o patrimônio do “de cujus” , portanto já faz parte do seu patrimônio também o crédito que não perde a sua natureza jurídica de crédito trabalhista. A entidade familiar permanece íntegra. O crédito trabalhista não é cedido, continua o mesmo, e a titularidade permanece a mesma, agora em forma de sucessão do empregado, que apenas é substituído. Diferente da cessão a estranhos da entidade familiar.

Há a possibilidade de cessão de direitos hereditários, mas aí o crédito que veio do “de cujus” continua de propriedade da entidade familiar que pode ceder (aí sim há cessão) para terceiros, quando a natureza jurídica do crédito passa a ser outra, de crédito civil, privado sem o caráter alimentar decorrente da relação de emprego.

A Emenda Constitucional n. 30, de 13/09/00, acrescentou ao art 100 da Constituição Federal o parágrafo 10.-A, cuja redação é a seguinte:

"Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado."

Não restam dúvidas de que o crédito trabalhista tem caráter alimentar que perde esta natureza se cedido a terceiros estranho a entidade familiar.

Antes do julgamento de uma ação trabalhista não é possível ceder-se os créditos da ação, uma vez que o crédito ainda não existe, é um direito futuro e incerto sem valor, carece de liquidez e até mesmo pode ser igual ao valor zero ou negativo em caso de insucesso na ação ou eventual reconvenção patronal inserida na resposta da parte empregadora.

Desta forma, temos que o crédito só existe a partir do trânsito em julgado da liquidação dos cálculos em processo trabalhista, da matematização da sentença proferida pelo Juízo competente.

Este crédito revestido de cunho e natureza alimentar é tratado com privilégios sim, mas a cessão deste crédito a terceiros não transmite ao mesmo todos os privilégios de que é revestido, salvo se o titular da ação permanece ou sua sucessão hereditária, mas há uma exceção quando é caso de transferência de titularidade para um novo agente que não tem vínculo obrigacional laboral e não foi empregado da relação jurídica contratual.

Esta transferência do crédito, inicialmente trabalhista, passa a ter natureza essencialmente mercantil, civil, privada, e, portanto, obrigatoriamente não poderá contar com os privilégios que a legislação laboral lhe concede.

Entendo, ainda que, se um terceiro (não herdeiro do empregado falecido), adquire um crédito trabalhista, liquidado, sai da esfera da competência trabalhista e adentra na esfera civil em face da natureza da transação realizada, na forma do art. 87 do CPC ainda em vigência.

Não adentrarei no direito positivo material a fim de concluir se a competência para executar este credito trabalhista é da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho, pois não envolve matéria ética de competência desta Turma, mas o artigo 87 do atual CPC, assim determina:

"Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia."

A leitura que se faz é que a competência pode ser alterada em razão da matéria ou da hierarquia.

É certo que há alteração em razão da matéria, porquanto inicialmente havia um crédito de natureza laboral, decorrente de um contrato de trabalho e com privilégios legais que se esgotaram pela cessão. Cedido o crédito trabalhista a terceiro, o cessionário será incluído como quirografário sem ressalvas, na condição de credor comum.

Portanto na cessão de créditos trabalhistas temos um direito disponível que é o crédito e o direito indisponível que são os privilégios do titular do crédito.

A justiça deve atentar a possibilidade de fraudes que podem ocorrer por cessão de direitos por valor ínfimo em relação ao valor real do crédito a que teria direito o empregado, criando-se uma situação injusta para com este que deve ter a proteção que o Estado lhe concede por meio de várias legislações protecionistas.

Essa questão é posta de forma subjetiva, posto que, objetivamente a cessão de crédito trabalhista para terceiros é permitida por lei com valores definidos na sentença e liquidados, direito juridicamente impossível na fase cognitiva onde os valores são indefinidos.

Advogado que “compra” direitos trabalhistas em valores já liquidados por sentença não adentra no campo da ilegalidade, mas adentra no campo da imoralidade e este conceito é pessoal.  Pratica um ato legalmente possível, mas contra a moral do homem médio e adentra na antieticidade.

A moral é autônoma, pois é imposta pela consciência de cada um. No contexto filosófico, ética e moral possuem diferentes significados.

A ética está associada ao estudo fundamentado dos valores morais que orientam o comportamento humano em sociedade, enquanto a moral são os costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade.

Ética é um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano ao tentar explicar as regras morais de forma racional, fundamentada, científica e teórica. É uma reflexão sobre a moral. Código de ética profissional é o conjunto de normas éticas, que devem ser seguidas pelos profissionais no exercício de seu trabalho.

Moral é o conjunto de regras aplicadas no cotidiano e usadas continuamente por cada cidadão. Essas regras orientam cada indivíduo, norteando as suas ações e os seus julgamentos sobre o que é moral ou imoral, certo ou errado, bom ou mau. Moral é um conjunto de regras no convívio. O seu campo de aplicação é maior do que o campo do Direito. Nem todas as regras Morais são regras jurídicas. O campo da moral é mais amplo. A semelhança que o Direito tem com a Moral é que ambas são formas de controle social

No sentido prático, a finalidade da ética e da moral é muito semelhante. Ambas são responsáveis por construir as bases que vão guiar a conduta do homem, determinando o seu caráter, altruísmo e virtudes, e por ensinar a melhor forma de agir e de se comportar em sociedade.

Concluo que a cessão de créditos trabalhistas para terceiros somente será possível legalmente quando houver valores definidos na sentença, não sendo possível na fase de conhecimento, mas a aquisição destes direitos por advogados da causa, embora permitida legalmente, é manifestamente antiética.

Precedente - E- 3.397/2006 – do parecer e ementa do Rel. Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA – Rev. Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE

Eis meu voto que submeto aos demais membros da Turma.