E-4.558/2015


TRABALHOS FORENSES - CÓPIA DE PETIÇÕES SEM AUTORIZAÇÃO - ANÁLISE EM TESE - INFRAÇÃO ÉTICA

Advogado que copia petição de outrem, ipsis literis, sem indicação da fonte e sem autorização, ainda que tácita ou decorrente de comportamentos concludentes, comete a infração ética prevista no art. 34, V, do CED e afronta princípios imemoriais do direito e da moral, quais sejam: honeste vivere, alterum non laedere e suum cuique tribuere. A reprodução parcial, se desbordar os limites análogos aos do direito de citação, também pode, em tese, ensejar o cometimento de infração disciplinar. Precedentes da Primeira Turma: E-2.391/01, E-3.075/04 e E-3.137/2005.
Proc. E-4.558/2015 - v.u., em 17/09/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI - Rev. Dr. GUILHERME FLORINDO FIGUEIREDO - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.

RELATÓRIO - O consulente indaga o seguinte: “a presente consulta tem a finalidade de saber se copiar, total ou parcialmente, a petição inicial feita por outro advogado em caso análogo fere o Código de Ética ou o Estatuto da Ordem”.

PARECER - Embora tenha sido formulada de forma por demais ampla, é possível o conhecimento da consulta, já que ausentes indícios de tratar-se de indagação acerca da conduta de terceiros. A resposta, porém, será lavrada em tese.

Independentemente das petições gozarem ou não da proteção típica dos direitos autorais1, o fato é que, do ponto de vista estritamente ético, quem copia a petição de outrem, ipsis literis, sem indicação da fonte e sem autorização, ainda que tácita ou decorrente de comportamentos concludentes, pode, mercê das situações a serem analisadas em cada caso concreto, cometer infração ética, nos termos do art. 34, V, do CED2.

A reprodução parcial, se desbordar dos limites análogos ao direito de citação, também pode ensejar o cometimento de infração, diga-se sempre em tese.

Em casos semelhantes, esta Turma já decidiu o seguinte:

TRABALHOS FORENSES - APROVEITAMENTO POR TERCEIROS - DIREITOS DE AUTOR - INEXISTÊNCIA - DEVER CONTUDO DE DECLINAR AUTORIA - REGRA ÉTICA VIOLADA 1. Os trabalhos forenses dos advogados não podem ser tidos por obra literária, artística ou cientifica, para efeitos de proteção de eventual direito autoral, configurando um meio, uma atividade meio, para o fim de concretização do direito. O seu aproveitamento, por terceiros, dado o seu caráter quase público, não pode ser tido como violação de autoria. 2. Tal como os textos legais, as sentenças, os acórdãos e demais decisões judiciais são res sine domino; assim têm o mesmo cariz os trabalhos dos advogados, desenvolvidos nos procedimentos donde aqueles exsurgiram, valendo lembrar que - tal como se faz às decisões - o seu aproveitamento ou repetição por terceiros deverá, por dever de ética e princípio mínimo de dignidade e honorabilidade profissional, declinar o autor e a fonte. 3. Viola a ética profissional o advogado que, sem declinar a origem, repete ou propicia e entrega a outro - para que o repita - trabalho de colega, omitindo ambos sobre a origem. 4. Nos termos do art. 49 do CED, ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB compete orientar sobre ética profissional, respondendo a consultas em tese. As consultas à Seção Deontológica só serão atendidas se versarem sobre atos próprios, não referidos a atos ou comportamentos de terceiros e se forem em tese (não caso concreto). É a disciplina da Resolução 07/95 e a pacífica jurisprudência desta Casa. Ademais, devem as consultas ser feitas uma para cada assunto, de modo a permitir ementa esclarecedora de sentido pedagógico. (Resolução 07/97 deste Tribunal). Precedentes: E-1555 - E-1567 - E-1571 - E-1571- a) Proc. E-2.391/01 - v.u. em 19/07/01 do parecer e ementa do Rel. Dr. ERNESTO LOPES RAMOS - Rev. Dr. JOSÉ ROBERTO BOTTINO - Presidente Dr. ROBISON BARONI.

TRABALHOS FORENSES - REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE PETIÇÃO INICIAL - DIREITOS AUTORAIS - EXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO ÉTICA. As petições forenses, enquanto trabalho intelectual utilitário, não gozam da proteção do direito autoral, por lhes faltar a nota típica da originalidade. Sua reprodução desautorizada, contudo, caracteriza em tese infração ético-disciplinar prevista no art. 34, inciso V do EAOAB, desde que reiterada, por afrontar, ademais, os princípios éticos basilares do viver honesto, do não lesar ao próximo e de dar a cada um o que é seu. Se o ensino jurídico não preparou devidamente todos os advogados, abre-se um constante desafio aos mais experimentados para a elevação do nível geral de instrução e de consciência profissional, evitando-se, de outra parte, o enriquecimento sem causa daqueles que auferem honorários à custa do trabalho intelectual alheio. Proc. E-3.075/04 - v.u., em 18/11/04, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVÓLIO - Rev. Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI - Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE.

PETIÇÕES FORENSES - REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL - DIREITOS AUTORAIS – INEXISTÊNCIA - INFRAÇÃO ÉTICA - POSSIBILIDADE, EM TESE.  As petições forenses não gozam da proteção do direito autoral, segundo entendimento do TED-I3. A reprodução desautorizada, contudo, de peças forenses pode, mercê das circunstâncias a serem analisadas em cada caso, caracterizar a infração ético-disciplinar prevista no art. 34, inciso V, do EAOAB, sempre que reiterada. Possibilidade de afronta, ademais, dos “princípios éticos basilares do viver honesto, do não lesar ao próximo e de dar a cada um o que é seu”, conforme ementa constante do proc. E-3.075/04 - v.u., em 18/11/04, do parecer e ementa do rel. Dr. Luiz Francisco Torquato Avólio - rev. Dr. Luiz Antônio Gambelli - presidente Dr. João Teixeira Grande. Proc. E-3.137/2005 (ementa nº 3) – v.u., em 14/04/2005, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI – Revª. Drª. MARIA DO CARMO WHITAKER – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE.

Deste modo, em tese, a reprodução total ou parcial, independentemente de caracterizar ou não violação de direitos autorais, de peças jurídicas, pode configurar infração à Ética Profissional, dependendo das circunstâncias e peculiaridades de cada caso concreto, a serem examinadas pelas Turmas Disciplinares.

É o parecer, que submeto ao douto colegiado.

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[1] “O fato foi praticado no exercício de uma atividade profissional e, assim, com propósito nitidamente utilitário, hipótese em que se restringe a possibilidade de reconhecimento da criação literária, pois o redator está preso aos fatos, à doutrina e à jurisprudência, do que faz simples relato, seja porque elaborou a própria pesquisa, seja porque a encontrou feita por outrem, em livros, bancos de dados, revistas e outras fontes de informação hoje tão divulgadas. (STJ, REsp 351.358, 4ª Turma, Min. Ruy Rosado, j. 04/06/2002). Pessoalmente, penso que, em determinadas circunstâncias, em que a petição traz verdadeira criação intelectual, consistente em tese, talvez inédita, é possível cuidar-se da proteção típica dos direitos autorais. Mas este tema não será aqui desenvolvido, já que se trata de tema mais afeto à legalidade do que à ética profissional.

2 Art. 34. Constitui infração disciplinar: V – assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado.

3 Esta questão, no presente parecer, não será apreciada, por resultar de interpretação legal e não de questões puramente éticas. No entanto, em determinados casos, apesar do que já decidi, penso que é possível, em determinados casos, a caracterização da petição como criação suficiente a ensejar a proteção dos direitos autorais. Cf. nota 1 supra.