E-5.112/2018
INCOMPATIBILIDADE OU IMPEDIMENTO - ADVOGADO QUE EXERCE CARGO DE AUDITOR CHEFE DE PREFEITURA - EXISTÊNCIA OU NÃO DE PODER DECISÓRIO SOBRE INTERESSES DE TERCEIROS - QUESTÃO DE FAT
A denominação do cargo não é, em si mesma, decisiva para ensejar a incompatibilidade com a advocacia prevista no art. 28, III, do EAOAB. Ausente poder relevante de decisão sobre interesses de terceiros, haverá mero impedimento de advogar contra o órgão público que remunera o funcionário público (art. 30, I, do EAOAB). Presente que venha se caracterizar referido poder, o caso será então de incompatibilidade (art. 28, III, do EAOAB). A mera descrição em abstrato da norma municipal que estabelece as funções do auditor chefe não permite concluir, prima facie e em tese, pela existência de poderes relevantes sobre interesses de terceiros. No entanto, se de fato houver poder decisório, exercido por interpretação mais larga dos referidos dispositivos ou delegação ao auditor chefe de qualquer poder decisório, o caso será de incompatibilidade, isto é, proibição total de advogar. A análise concreta e fática da existência de relevante poder de decisão sobre interesses de terceiros cabe à Comissão de Seleção e Inscrição (art. 63, "c", do RI da OAB/SP), cabendo ao TED I abordar a questão em tese (Deliberação 001/2016 da referida Comissão). Proc. E-5.112/2018 - v.m., em 22/11/2018, do parecer e ementa do julgador Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI, vencido o Rel. Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE, Rev. Dra. RENATA MANGUEIRA DE SOUZA, Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI.
VOTO VENCEDOR DO JULGADOR DR. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI.
RELATÓRIO - Adota-se, por preciso, o relatório que antecede o prudente voto do ilustre relator que não conhecia da consulta.
Após divergência que instauramos, o plenário decidiu, por maioria de votos, conhecer parcialmente da consulta para, sem exame de quaisquer fatos relacionados ao procedimento preparatório de inquérito civil, instaurado em razão de representação de determinada Vereadora, cuidar exclusivamente da questão de impedimento ou incompatibilidade do cargo exercido pelo consulente com advocacia.
Coube-nos, assim, o exame do mérito da consulta, que se limitará a verificar, sempre em tese, eventuais impedimentos ou incompatibilidades decorrentes do cargo público exercido pelo consulente.
PARECER - O consulente exerce o cargo de Auditor Chefe da Prefeitura Municipal de (...), cujas funções estão listadas no art. 5º do Anexo ao Decreto Municipal nº (...).
Sustenta ele que o referido cargo não ostenta em sua competência funcional relevante poder de decisão sobre interesses de terceiros, ensejando, assim, mero impedimento (art. 30, I, do EAOAB), que enseja proibição meramente parcial de advogar contra a Fazenda Pública que o remunera, e não incompatibilidade (proibição total).
De fato, a denominação do cargo não é, em si mesma, decisiva para ensejar a incompatibilidade com a advocacia prevista no art. 28, III, do EAOAB.
Ou seja, ausente poder relevante de decisão sobre interesses de terceiros, haverá mero impedimento de advogar contra o órgão público que remunera o funcionário público (art. 30, I, do EAOAB).
Presente que venha se fazer o referido poder, o caso será então de incompatibilidade (art. 28, III, do EAOAB).
Veja-se, nesse sentido, elucidativa ementa de excelente parecer da lavra do Relator EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, cujas palavras, dada sua clareza, falam por si sós:
ADVOGADO QUE OCUPA CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA – PREMISSAS QUE CONDUZEM A INCOMPATIBILIDADE OU IMPEDIMENTO AO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. É irrelevante a denominação do cargo público que venha a ser eventualmente ocupado por um advogado para verificar se está diante de um caso de impedimento ou incompatibilidade. Alguns dos pontos balizadores da incompatibilidade prevista no art. 28, III, do Estatuto são: 1. O que importa não é a denominação ou tipo dos cargos, mas sim o fato do poder de decisão que tenha o detentor daquele, especialmente em relação a terceiros; 2. É relevante quem exerça o ato decisório final, mesmo que caiba recurso à instância superior, e não aqueles que estejam apenas assessorando, mas sem poder decisório; 3 – Cargos de natureza burocrática ou interna, ainda que tenham grau de influência e/ou destaque, mas sem poder de decisão, incidiriam na hipótese de impedimento – vedação parcial à prática da advocacia – e não de incompatibilidade. Ou seja, não sendo caso de incompatibilidade, enquanto o advogado ocupar o cargo público haverá vedação parcial à prática da advocacia, restrita à Fazenda Pública que o remunera, abrangendo todos os órgãos da administração direta e indireta, vinculados à mesma. (Precedentes: E-3.927/2010, E-4.625/2016 e E-4.624/2016).
Em princípio e em tese, as funções descritas nos incisos I, II, IV, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII e XV do art. 5º do anexo ao decreto citado pelo consulente não trazem atribuições que ensejem, por si sós, poder relevante de decisão sobre interesses de terceiros, salvo se os fatos desmentirem a norma.
Outros incisos, no entanto, geram maior dúvida.
O inciso III, por exemplo, trata de aplicação de recursos públicos. Mas a atividade do auditor chefe, em princípio, é avaliar e reportar os resultados à autoridade superior (auditor geral).
Os incisos XIII (acompanhar a adoção de medidas), XIV (avaliar desempenho de equipe) e XVIII (comunicar fatos), por sua vez, têm redação que não parece atribuir poderes decisórios ao cargo em questão.
Todavia, é preciso que, na prática ou na realidade dos fatos, não exsurja qualquer poder decisão relevante por parte do Auditor Chefe, ainda que sujeita à recurso.
Se houver esse poder decisão, cuja verificação fática desborda da competência do TED I, posto que dependeria de prova, impossível no restrito procedimento de consulta, restará caracterizada a incompatibilidade.
Do mesmo modo, a atividade de fiscalização da auditoria, prevista no inciso XIX, para não caracterizar incompatibilidade, depende da ausência de qualquer decisão própria do auditor chefe, autuação ou imposição de pena. Ou seja, deve haver na prática mera indicação de fatos à autoridade superior. Do contrário, haverá incompatibilidade.
Finalmente, quanto ao inciso XX, para que haja mero impedimento e não incompatibilidade, é fundamental que de fato não tenha havido e não haja qualquer delegação de atividade que enseje poder decisório ao Auditor Chefe pelo Auditor Geral.
Se houver essa delegação, caracterizada restará a incompatibilidade.
Em suma, a descrição das atribuições em norma municipal não permite, prima facie, concluir pela subsunção da função exercida pelo consulente à incompatibilidade prevista no art. 28, III, do EAOAB, o que apontaria para o mero impedimento do art. 30, I, do mesmo diploma legal.
Todavia, em havendo, no mundo dos fatos e na prática das atividades do consulente, poder decisório, ainda que sujeito a recurso, ou delegação de atividade decisória, estaremos diante de incompatibilidade.
A verificação desses fatos cabe à Comissão de Seleção e Inscrição (art. 63, “c”, do RI da OAB/SP), até porque, a teor da deliberação 001/2016, da referida douta Comissão, somente a abordagem em tese cabe ao TED I.
É o parecer.
VOTO VENCIDO DO RELATOR DR. GUILHERME MARTINS MALUFE.
RELATÓRIO - Trata-se de consulta encaminhada pelo Dr. (...), o qual pretende a manifestação desta Seção Deontológica do Tribunal de Ética e Disciplina acerca da existência ou não de incompatibilidade ou impedimento para o exercício da advocacia, uma vez que ocupa o cargo de Auditor Chefe na Prefeitura de (...).
Conforme informação prestada pelo consulente, está em andamento um Procedimento Preparatório de Inquérito Civil, instaurado por determinação da i. Promotoria de Justiça de (...), tendo em vista representação formulada por um dos vereadores daquela cidade, cujo procedimento tem por objetivo averiguar eventual infração cometida pelo consulente, uma vez que de acordo com a representação apresentada, este estaria advogando para o Prefeito Municipal, embora estivesse incompatibilizado pelo cargo ocupado.
PARECER - Nos termos do art. 71 do Código de Ética e Disciplina, a seção do Deontológica do Tribunal de Ética e Disciplina é competente para responder consultas formuladas em tese.
Conforme consta dos autos, o impedimento ou incompatibilidade do consulente para o exercício da advocacia está sendo apurado em procedimento instaurado pela 7ª Promotoria Pública de São José dos Campos.
Entende este relator que eventual conhecimento da consulta, envolveria análise do caso concreto que não pode ser apreciado por este Tribunal Deontológico, além de se tratar de caso em procedimento investigatório, podendo-se estabelecer entendimentos conflitantes entre eventual análise por este Tribunal e o resultado do inquérito civil.
Dessa forma, deixo de conhecer da presente consulta.
É o meu parecer.