E-5.126/2018
SIGILO PROFISSIONAL - TESTEMUNHO EM INQUÉRITO POLICIAL ENVOLVENDO CLIENTE - INVOCAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL.
É vedado ao Advogado, ainda que autorizado ou solicitado por seu cliente, prestar depoimento em processo ou procedimento judicial, administrativo ou arbitral, sobre fatos confidenciais relativos a seus clientes, dos quais tenha conhecimento por força do exercício da profissão, devendo recusar-se a depor. O sigilo profissional só cederá em face de circunstâncias excepcionais que configurem justa causa, como nos casos de grave ameaça ao direito à vida e ou que envolvam defesa própria, nos termos do art. 37 do Código de Ética. Não há qualquer óbice em depoimento por advogado no processo em que figure como parte cliente ou ex-cliente, desde que não guarde relação com as causas que foram patrocinadas pelo profissional. Inteligência dos artigos 35, 36, e 38, § 1º do Código de Ética e Disciplina. Precedentes: E-4.037/2011 e E-4.452/2014. Proc. E-5.126/2018 - v.u., em 20/09/2018, do parecer e ementa da Rel. Dra. CÉLIA MARIA NICOLAU RODRIGUES, Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI - Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI.
RELATÓRIO - A Consulente apresenta consulta a essa Turma de Ética, com a finalidade de obter esclarecimentos relativos à seguinte questão:
1. Patrocinou ação trabalhista em que testemunha ouvida na audiência foi acusada de falso testemunho por suas declarações divergirem do que constatava da inicial e do depoimento do reclamante;
2. Na época, a testemunha informou à consulente que havia falado apenas o que teria visto;
3. A testemunha é cliente da consulente em dois outros processos trabalhistas em andamento;
4. A cliente, acusada de falso testemunho, procurou o escritório da consulente para defendê-la na Justiça Federal;
5. Ao aceitar o caso, o sócio da consulente (que atua na área criminal) a informou de que ela havia sido indicada pelo Ministério Público como testemunha de acusação;
6. A consulente não se sente confortável em ser testemunha de acusação contra sua cliente, em que pese a cliente ter comparecido à delegacia desacompanhada de advogado e ter feito declarações desconexas.
Indaga a consulente: caso o MP insista na sua oitiva, qual o procedimento a ser adotado, diante dos fatos narrados?
Este é o relatório.
PARECER - Essa Relatora conhece da consulta, com fundamento no artigo art. 71 do CED e Resolução nº 7/95 desta Turma de Ética, mesmo porque tratando-se de Sigilo Profissional é recomendável sempre o aconselhamento aos consulentes, ainda que a consulta envolva questão de fato.
O sigilo das informações disponibilizadas pelos clientes a seus advogados é um dos princípios básicos da advocacia, inerente ao exercício da profissão. Da mesma forma que o Advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos termos do art. 133 da Constituição Federal, as informações confidenciais de seus clientes também são invioláveis.
O sigilo profissional não é só um dos direitos do Advogado, é um dever instituído pelos art. 7º, XIX, do Estatuto da Advocacia, ao impedi-lo de prestar depoimentos como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.
Por sua vez, dispõem os artigos 35, 36, e 38, § 1º, do CED:
“Artigo 35 - O advogado tem o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão”.
“Artigo 36 – O sigilo profissional é de ordem pública, independente de solicitação de reserva que lhe seja feita pelo cliente”.
“Artigo 38 – O advogado não é obrigado a depor, em processo ou procedimento judicial, administrativo ou arbitral, sobre fatos a cujo respeito deva guardar sigilo profissional”
§ “1º - Presumem-se confidenciais as comunicações de qualquer natureza entre advogado e cliente”
Ora, além da Consulente já ser advogada do cliente em ações trabalhista foi, recentemente, procurado pela cliente para defendê-la em ação criminal perante a Justiça Federal, tendo aceitado a causa.
Não há dúvidas de que ao atender o cliente o advogado precisa ter ciência todos os detalhes que envolvem o caso, informações essas que serão confidenciadas pelo cliente, apenas, se este estiver seguro de que tais informações terão a proteção do sigilo profissional. Se não houvesse essa proteção, com certeza o cliente não se sentiria seguro para detalhar tudo o que sabe.
Portanto, poderá o advogado, recursar-se a depor se tiver que expor as informações confidenciais, declarando-se, então, impedido de testemunhar.
Desta forma, do ponto de vista ético-profissional, é vedado ao Advogado, ainda que autorizado ou solicitado por seu cliente, prestar depoimento sobre fatos confidenciais relativos a seus clientes, dos quais tenha conhecimento por força do exercício da profissão.
Por outro lado, o Código de Processo Penal estabelece, em seu art. 207, que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar seu testemunho”. Verifica-se, portanto, que na lei processual penal o Advogado não perde a qualidade de testemunha, podendo, autorizado por seu cliente, depor em seu favor.
Sobre esta exceção e o procedimento para sua implementação, a Resolução nº 17/2000 do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP dispõe:
“Art. 6º - No caso das confidências feitas ao advogado pelo cliente para instrução da causa, poderão elas ser utilizadas nos limites da defesa, convindo ao advogado obter a autorização do confidente, por escrito, em documento próprio ou no petitório judicial.
Parágrafo único – A medida do limite da defesa fica a critério do advogado, que não está, em princípio, na dependência de autorização da Ordem, mas responde pelo excesso praticado”.
Em outra sorte de consideração, a divulgação de segredo profissional é permitida por lei em casos limitados. Nos termos do art. 37 do Código de Ética, o sigilo profissional cederá em face de circunstâncias excepcionais que configurem justa causa, como nos casos de grave ameaça ao direito à vida e ou que envolvam defesa própria.
De conformidade com o artigo 447, § 4º, III, do Código de Processo Civil o advogado que esteja assistindo ou tenha assistido as partes, está impedido de depor. Seu testemunho, nesse caso, só poderá ser dado caso haja necessidade de se esclarecer fato controverso na demanda. Nessa hipótese, entretanto, o testemunho será prestado independentemente de compromisso, funcionando o Advogado como informante do Juízo, devendo o juiz atribuir às suas declarações o valor que possa merecer (CPC, art. 448, § 5º).
De outra parte, há situações em que, mesmo no caso excepcional, o Advogado não poderá ser obrigado a depor. Em se tratando de prova testemunhal de fato que diga respeito à relação profissional do Advogado com uma das partes, aplica-se o disposto no art. 448, II, do CPC, segundo o qual a testemunha a não é obrigada a depor sobre fato a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Assim tem se manifestado essa Turma de Ética, conforme ementas a seguir transcritas:
SIGILO PROFISSIONAL – TESTEMUNHO JUDICIAL ENVOLVENDO CLIENTE OU EX-CLIENTE – INVOCAÇÃO DO SIGILO – LIBERAÇÃO DE TESTEMUNHAR É RELATIVO E LIMITADO – DEPOIMENTO LIBERADO SOBRE FATOS QUE NÃO TEM RELAÇÃO COM A CAUSA. qa) O sigilo profissional constitui-se em um direito do Advogado conferido pelo art. 7º, II e XIX, do Estatuto, ao impedi-lo de prestar depoimentos como testemunha em processo no qual representou ou ainda está representando cliente ou sobre fatos relacionados com pessoa que é ou foi seu cliente. b) Não pode o sigilo profissional ser quebrado, salvo grave ameaça ao direito, à vida, à honra, ou quando afrontado pelo próprio cliente, como preceitua o art. 25 ao artigo 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB, ainda que a pedido e com autorização de quebra do sigilo profissional pelo cliente ou ex-cliente. c) A norma legal abre exceção no caso de grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente, situação que se encaixa na dúvida do consulente. A norma estabelece, entretanto, que "a quebra do sigilo se restrinja ao interesse da causa"; d) O artigo 6º do Estatuto da Advocacia, em seu inciso XIX, já explicita como direito do advogado recusar-se a depor como testemunha referente aos interesses de ex-cliente sobre fatos de que tomara ciência no exercício da profissão, sob pena de quebra do sigilo profissional, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo cliente ou, ex-cliente; e) O Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu capítulo III, do art. 25 a 27, regula o sigilo profissional do Advogado. Reza o art. 25 que este sigilo é inerente à profissão e deve ser cumprido, salvo sob grave ameaça a direitos a vida, a honra, ou sob afronta de seu constituinte, onde deva revelar segredo profissional, ainda assim restringindo-se ao interesse da causa; Não há sigilo a ser mantido sobre fatos que não tenham relação com a causa patrocinada, podendo sobre eles depor em juízo. Estará, assim, cumprindo seu dever, como todo cidadão, de contribuir para a boa aplicação da justiça. f) No direito processual civil, caso ele concorde e entenda o Juiz ser pertinente, o Advogado poderá depor sobre fatos que conheça, mas, caso envolva seu exercício profissional, deverá o depoimento ser tomado como o de um "informante" (ao qual o juiz da causa poderá atribuir ao seu depoimento o valor probatório que julgar conveniente). No direito processual penal, o testemunho do advogado pode ser tomado sempre que houver autorização de seu cliente, de modo expresso, sem, contudo, perder este advogado a qualidade de testemunha. g) Caso o advogado, em qualquer circunstância, ao invocar o sigilo profissional e recusar-se a depor como testemunha, e o Juiz proceder a advertências verbais de sanções civis ou criminais, deve o advogado socorrer-se das prerrogativas que o Estatuto da Advocacia lhe confere, que é o instrumento garantidor destas prerrogativas (art.7º, inciso XVII- desagravo). Recusar-se a depor invocando o Estatuto da Advocacia é direito garantido em qualquer código de processo que diga respeito ao exercício da profissão. h) Precedentes:- 1.797; 2.345; 1.169; 1.431; 1.965; 2.070; 2.499; 2.531; 2.846; 2.969; 3.846. Proc. E-4.037/2011 - v.u., em 18/08/2011, do parecer e ementa do Rel. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF - Rev. Dra. BEATRIZ M. A. CAMARGO KESTENER, Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
SIGILO PROFISSIONAL – TESTEMUNHO EM INQUÉRITO POLICIAL ENVOLVENDO CLIENTE – INVOCAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL – PRECEDENTES. O advogado pode recusar-se a depor em inquérito policial ou processo relacionado com cliente ou ex-cliente. Somente poderá quebrar o sigilo em situações excepcionais, sempre restritas ao interesse da causa. Não há qualquer óbice em depoimento por advogado no processo em que figure como parte cliente ou ex-cliente, desde que não guarde relação com as causas que foram patrocinadas pelo profissional. Também é previsto, ainda, que o advogado possa depor a respeito das confidências trazidas pelo seu constituinte, exclusivamente nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado por este (artigo 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB). Precedentes: E-2.846; E-2.969; E-3.846 e E-4.037. Proc. E-4.452/2014 - v.u., em 11/12/2014, do parecer e ementa do Rel. Dr. SYLAS KOK RIBEIRO - Rev. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
Esse é o parecer que coloco à apreciação dos Srs. Relatores.