E-5.176/2019


CONFLITO DE INTERESSES – AJUIZAMENTO DE MEDIDA JUDICIAL EM FACE DE ESPÓLIO PARA COBRANÇA DE HONORÁRIOS – PROCURADOR DE HERDEIRO –RENÚNCIA AO MANDATO.

Ainda que o espólio não se confunda com a pessoa dos herdeiros, mantendo, cada qual, autonomia de direitos e obrigações, os herdeiros, enquanto titulares de direitos hereditários sobre a universalidade de bens reunidos em espólio, têm interesse na preservação destes bens e na defesa dos interesses do espólio, razão pela qual, em observância aos princípios decorrentes dos arts. 10 e 20 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, o ajuizamento de medidas judiciais em face do espólio para a cobrança de honorários, por advogado que tenha mandato outorgado por herdeiros, deve ser precedido da renúncia dos poderes conferidos pelos herdeiros. Vedado o uso de informações privilegiadas obtidas em razão da relação Proc. E-5.176/2019 - v.u., em 27/03/2019, do parecer e ementa do Rel. Dr. EDUARDO DE OLIVEIRA LIMA, Rev. Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI - Presidente Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE.

RELATÓRIO - Trata-se de consulta submetida pela Doutora (...), inscrita na OAB/SP sob o n.°(...), pela qual questiona a necessidade de renunciar, ou substabelecer sem reservas de iguais poderes, a mandatos outorgados por determinados herdeiros, tendo em vista a intenção de ajuizar medidas judiciais em face do Espólio dos bens deixados por ascendente dos referidos herdeiros.

Relata a Consulente que, em 1990, foi contratada para patrocinar processo de inventário que tramita desde 1977. Na ocasião, tornou-se advogada não só da inventariante, como também de parte dos herdeiros.

Não obstante tenha ocorrido a mudança de inventariante nos autos do inventário em 1999, informa a Consulente que continuou a representar o Espólio. Diante disso, em 2006, celebrou novo contrato de honorários advocatícios, pelo qual fora ajustado o valor de 6% (seis por cento) do valor real dos bens inventariados.

A Consulente narra que, com o decorrer do inventário, ajuizou diversas ações representando o espólio, tendo celebrado com a inventariante contratos de honorários advocatícios “ad exitum”, com previsão de um percentual sobre o proveito econômico obtido. Ademais, relata que adiantou despesas processuais e custas judiciais para reembolso ao final do inventário, mediante prestação de contas.

Aduz ainda que, recentemente, por ocasião da expedição de alvarás nos autos do inventário para venda dos imóveis inventariados, fora determinada a substituição da inventariante por herdeiro não representado pela Consulente.

Tendo patrocinado o inventário por 28 anos, pretende a Consulente ajuizar medidas judiciais em face do Espólio, a fim de cobrar honorários advocatícios, bem assim despesas processuais e custas judiciais adiantadas.

Face ao acima relatado, questiona se deve renunciar ou substabelecer, sem reservas, os poderes conferidos por herdeiros que representa nos autos do inventário.

PARECER - Nos termos do art. 20 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (“CED”), “sobrevindo conflito de interesses entre seus constituintes e não conseguindo o advogado harmonizá-los, caber-lhe-á optar, com prudência e discrição, por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado sempre o sigilo profissional”.

Ademais, estabelece o art. 10 do CED “a relações entre advogado e cliente baseiam-se na confiança recíproca. Sentindo o advogado que essa confiança lhe falta, é recomendável que externe ao cliente sua impressão e, não se dissipando as dúvidas existentes, promova, em seguida, o substabelecimento do mandato ou a ele renuncie”.

A comunhão dos princípios estampados nos dispositivos acima indicados impõe ao advogado condutas que eliminem situações de conflito de interesses e resguardem, não apenas a independência do profissional, mas também a defesa dos interesses dos representados.

Nessa medida, não se coaduna com os princípios acima invocados o ajuizamento, por advogado, de medidas judiciais contra aqueles que representam em juízo, sem que antes renuncie os poderes conferidos, ou substabeleça sem reservas de poderes para advogado independente, vedado, em qualquer hipótese, uso de informações privilegiadas obtidas em razão da relação advogado/cliente.

Dito isto, ainda que espólio não se confunda com a pessoa dos herdeiros, mantendo, cada qual, autonomia em seus direitos e obrigações, os herdeiros, enquanto titulares de direitos hereditários sobre a universalidade de bens reunidos em espólio, têm interesse na preservação destes bens e na defesa dos interesses do espólio.

Em decorrência do exposto, previamente ao ajuizamento de medidas judiciais para a cobrança de honorários em face do Espólio, a Consulente deverá renunciar aos poderes conferidos pelos herdeiros e pelo Espólio. Substabelecimentos, sem reservas de iguais poderes, poderão ser adotados, exclusivamente no caso dos representados indicarem à Consulente novos patronos.  Em qualquer hipótese, há que se prestigiar o comando do art. 5º, §3º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.

Destarte, recomenda-se à Consulente que (i) previamente ao ajuizamento de medidas judiciais em face do Espólio, renuncie aos poderes que lhe foram concedidos pelos herdeiros e pelo Espólio; (ii) resguarde o dever de sigilo profissional; e (iii) não utilize informações privilegiadas obtidas em razão da relação advogado/cliente.

Este o Parecer, que submeto ao melhor Juízo deste Egrégio Colegiado.