E-5.222/2019


ADVOGADO QUE OCUPA CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA – INCOMPATIBILIDADE E IMPEDIMENTOS RELATIVOS AO EXERCÍCIO CONCOMITANTE COM A ADVOCACIA – RELEVÂNCIA DA DENOMINAÇÃO DO CARGO PARA ANÁLISE – COMPETÊNCIA PARA ANÁLISE CONCRETA DO IMPEDIMENTO OU INCOMPATIBILIDADE - MANDATOS.

A denominação dada ao cargo é uma importante forma de externar a terceiros o nível de poder que o titular do cargo possui em relação ao órgão que atua e, consequentemente, o poder que o titular pode exercer em relação aos interesses de terceiros. Assim, a denominação dada ao cargo deve sim ser levada em conta para determinação da aplicabilidade das regras contidas nos artigos 27 a 30 do Estatuto dos Advogados, principalmente se a denominação do cargo denotar poder de direção. Entretanto, a denominação do cargo público não deve ser o único fator para aferição de “impedimento” e “incompatibilidade”, nem o mais importante. Por exemplo, se apesar da denominação do cargo fazer presumir a existência de poder de direção, ficar claramente evidenciado que efetivamente o titular não detém poderes de direção e que não detém poder relevante sobre interesses de terceiros, deve-se aplicar a exceção à regra do Artigo 28, III, contida no Parágrafo Segundo do mesmo artigo. Por outro lado, se a denominação de um certo cargo público não denotar poder de direção, mas, na realidade, conferir ao seu titular poder de direção e de decisão relevante sobre interesses de terceiros, haveria a incompatibilidade do titular do cargo para o exercício da advocacia, apesar da denominação não indicar um poder de decisão. O advogado nomeado para cargo ou função pública deverá comunicar sobre sua nomeação a Comissão de Seleção e Inscrição da OAB - que pelo artigo 63, letra ‘c’ do Regimento Interno da Seccional Paulista é a quem compete a análise de caso concretos relativos a impedimentos e incompatibilidade, apresentando ofício de sua nomeação, assim como a legislação e normas que tratam das atribuições do seu cargo, para que aquela Comissão delibere sobre o caso concreto do Consulente e proceda as anotações que entenda pertinentes (impedimento ou incompatibilidade) na Carteira da OAB do referido advogado. Sendo determinado pela Comissão de Seleção e Inscrição da OAB ser caso de incompatibilidade, o advogado deverá proceder a renúncia de todos os mandatos em vigor. PRECEDENTES: E-3.727/2009; E-3959/2010; E-4.832/2017 e E-5.164/2019. Proc. E-5.222/2019 - v.m., em 14/08/2019, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEAES FILHO, Rev. Dr. SYLAS KOK RIBEIRO- Presidente Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE.

 Relatório:

O Consulente, Dr. (...), inscrito na OAB/SP sob o nº (...), residente e domiciliado no município de (...), Estado de São Paulo, apresenta questão relativa a impedimento para atuação na advocacia, tendo em vista sua nomeação para função de Secretário de Administração do município de (...).

Diligente, o Consulente juntou o Decreto do Prefeito que, em abril de 2019, o nomeou para o cargo de Secretário Municipal de Administração, assim como a Lei municipal nº (...), que criou a Secretaria Municipal de Administração, com as seguintes atribuições:

II – Secretaria Municipal de Administração

a)            elaborar normas e definir diretrizes para realização de compras e contratações, propondo as modalidades e formas legais e administrativas que melhor atendam ao interesse da administração pública;

b)            atender as solicitações da Câmara Municipal do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas da União;

c)            implantar normas e procedimentos para o processamento de licitações e contratos;

d)            elaborar editais de contratação de projetos, obras, serviços e compra de material permanente e de consumo para as Secretarias;

e)            processar licitações;

f)             elaborar minutas de contratos referente à execução de projetos obras e fornecimento de materiais de serviços;

g)            gerenciar o trabalho das comissões de licitações;

h)            garantir o abastecimento das unidades da Prefeitura;

i)             elaborar e implantar normas e controles referentes à administração do material e do patrimônio. 

A mesma lei municipal criou o cargo de Secretário Municipal de Administração, incumbido de:

I-             supervisionar e coordenar as atividades dos departamentos, divisões e núcleos integrantes da secretária, 

II-           supervisionar as atividades da administração de pessoal, material patrimônio e serviços  gerais no âmbito da secretaria.

Segundo entende o Consulente, “pela leitura das atribuições legais do citado cargo de Secretário, estas funções se amoldam perfeitamente às funções que se excepcionam do impedimento”, baseado no disposto no Parágrafo Segundo, do Artigo 28, do Estatuto da Advocacia e da OAB, que diz que “não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB”.

Ante ao exposto o Consulente questiona:

(a) Se diante da nomeação para o carto de Secretário estaria o Consulente impedido do exercício da advocacia;

(b) Se estiver impedido, quais providências deve o Consulente tomar no que toca a carteira de advogados, e ainda se

(c) Havendo o impedimento, as procurações outorgadas ao Consulente devem ser renunciadas ou apenas deve o Consulente abster-se da prática de atos privativos de advogado?

Embora o Consulente empregue a expressão “impedimento”, ele cita exceção contida no Estatuto do Advogado e da OAB, que se refere a casos de “incompatibilidade”.

Desse modo, ao que parece, o Consulente deseja esclarecer se a nomeação dele para o cargo de Secretário Municipal de Administração implica no seu impedimento ou na sua incompatibilidade para o exercício da advocacia.

Parecer e Voto:

A questão apresentada é relevante e entendo que a consulta deve ser admitida para análise e resposta, em tese, embora baseado nas informações fornecidas pelo Consulente.

Nos termos do inciso I, do Artigo 7º do Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho Seccional de São Paulo da OAB, de 13 de março de 2019, a resposta da presente consulta tem a finalidade de orientar e aconselhar os inscritos na OAB e estabelecer diretrizes e parâmetros a serem observados pela Classe, mas é importante ressaltar que como se trata de resposta em tese, conforme preveem o artigo 71, II do Código de Ética e Disciplina da OAB, o artigo 136, § 3º, inciso I do Regimento Interno da OAB/SP, e a Resolução nº 7/95 dessa 1ª Turma, de modo que a orientação e o aconselhamento ético proferidos por este E. Tribunal não possam ser utilizados como se direcionados fossem ao caso concreto apresentado pelo Consulente.

O tema das Incompatibilidade e Impedimentos é tratado pelo Capítulo VII do Estatuto dos Advogados e da OAB, nos artigos 27 a 30. O Artigo 27 diz que “A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia”.

O Artigo 28 do Estatuto do Advogado e da OAB diz:

“Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;

II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; (Vide ADIN 1127-8)

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;

V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;

VI - militares de qualquer natureza, na ativa;

VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;

VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.

§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.

§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.” (grifo nosso)

Já de início, devo adiantar que discordo da afirmação do Consulente, que entende ser claro que as suas atribuições como Secretário Municipal da Administração “se amoldam perfeitamente as funções que excepcionam [da incompatibilidade]”.

Não me parece claro que exista uma falta de poder de decisão relevante sobre interesses de terceiros na atuação de titular de Pasta que detém atribuições tão relevantes sobre interesses de terceiros (principalmente os munícipes da Prefeitura da Secretaria), considerando as importantes atribuições da Secretaria em questão.

As atribuições de (i) supervisionar e coordenar as atividades dos departamentos e núcleos integrantes da Secretaria e (ii) supervisionar as atividades da administração de pessoal, material, patrimônio e serviços gerais no âmbito da Secretaria, conferidas pelo artigo 3º da já citada Lei Municipal ao Secretário Municipal da Administração, também não têm o condão de caracterizar a atuação do referido Secretário como sem poder de decisão relevante sobre interesses de terceiros, como advoga o Consulente.

O exercício do cargo de Secretário Municipal de Administração faz presumir que o titular é ocupante de cargo de direção da administração pública direta, cuja atividade é incompatível com o exercício da advocacia, segundo o já citado inciso III, do Artigo 28 do Estatuto dos Advogados e da OAB.

A jurisprudência desse Tribunal é no sentido considerar irrelevante a denominação do cargo público para fins de determinação sobre a incompatibilidade ou impedimento do advogado que assume um cargo ou função de direção em órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público. Eu não considero que a denominação do cargo público seja totalmente irrelevante para fins da determinação de incompatibilidade ou impedimento, principalmente quando a denominação dada ao cargo evidencia poder de direção, conforme veremos mais adiante.

Ainda segundo a jurisprudência desse Tribunal, independente da denominação do cargo, a característica essencial a ser analisada para tal aferição é a existência de poder de decisão relevante sobre interesses de terceiros. Para tanto deve-se atentar se o ocupante do cargo possui competência para apreciar e decidir sobre pleitos ou processos que lhe sejam direcionados, pois simples despachos administrativos de encaminhamento ou emissões de opiniões não têm o condão de caracterizar a incompatibilidade prevista no artigo 28, inciso III do Estatuto da OAB.

A jurisprudência desse Tribunal também estabelece que detém poder relevante sobre interesses de terceiros aquele que exerce o ato decisório final, mesmo que ainda caiba recurso à instância superior, e não aqueles que estejam apenas assessorando, mas sem poder decisório.

Embora a denominação do cargo não seja a única característica a ser levada em conta para caracterização de incompatibilidade, nem a mais importante, ela não é irrelevante, pois creio que a denominação dada ao cargo é uma importante forma de externar a terceiros o nível de poder que o titular do cargo possui em relação ao órgão que atua e, consequentemente, o poder que o titular pode exercer em relação aos interesses de terceiros.

Assim, na minha opinião, a denominação dada ao cargo deve sim ser levada em conta para determinação da aplicabilidade das regras contidas nos artigos 27 a 30 do Estatuto dos Advogados, principalmente nos casos em que a denominação dada ao cargo denota e faz presumir ser poder de direção. A denominação do cargo concede ao seu titular a aparência de detenção de poder no órgão que atua e, em consequência, frente a terceiros. Entretanto, se apesar da denominação do cargo, ficar claramente evidenciado que efetivamente o titular não detém poderes de direção e que não detém poder relevante sobre interesses de terceiro, deve-se aplicar a exceção à regra do Artigo 28, III, contida em seu Parágrafo Segundo.

Entendo que mesmo raciocínio pode ser aplicado de forma inversa. Pode haver um cargo público, cuja denominação não faça presumir a existência de poder de direção, mas cujas atribuições de fato confiram ao titular poder de decisão relevante sobre interesses de terceiros, o que implicaria na incompatibilidade do titular do cargo para o exercício da advocacia. Também nesse caso a denominação do cargo deve ser levada em conta para fins de se verificar possível incompatibilidade com o exercício da advocacia, porém o principal fator para determinação da incompatibilidade será o fato de existir ou não o mencionado poder de decisão.

Através da análise da Lei Municipal juntada pelo Consulente e que descreve as funções da Secretaria que o Consulente é titular, e da descrição das funções do Secretário dessa Pasta, não me parece claro que o Consulente, como Secretário da Administração Municipal, não detenha poder decisório relevante sobre interesses de terceiros. Pelo contrário.

A descrição das atribuições do Secretário Municipal da Administração indica poderes de supervisão das atividades dos departamentos, divisões e núcleos da Secretaria, assim como das atividades da administração de pessoal, material, patrimônio da Secretaria. Aquele que “supervisiona” as atividades de uma Secretaria, a “dirige”.

Segundo o Dicionário Aurélio[1], “Supervisar” é “Dirigir, orientar ou inspecionar em plano superior”. Portanto aquele que supervisiona as atividades de uma Secretaria, na realidade está dirigindo as atividades dessa Secretaria, que no caso em questão, tem poderes muito relevantes em relação a interesses de terceiros.

Assim, no caso apresentado pelo Consulente, analisado em tese, embora baseado nas normas e fatos que nos foram apresentados, concluo pela incompatibilidade da prática da advocacia com o exercício do cargo de Secretário Municipal de Administração que o Consulente assumiu, pois trata-se de cago de direção na administração pública direta, possuindo poderes relevantes sobre interesses de terceiros.

Sou da opinião de que advogados ocupantes de cargos ou funções de direção da Administração Pública, direta e indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionários de serviço público, cuja denominação do cargo indique poderes de direção do órgão que atua e que não se comprove que efetivamente não detêm poder de decisão relevante sobre interesses de terceiros deva estar sujeito às regras de incompatibilidade impostas pelo Artigo 28, III do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Deverá o Consulente comunicar a Comissão de Seleção e Inscrição da OAB sobre sua nomeação para o cargo de Secretário Municipal da Administração, apresentando o Decreto de sua nomeação, assim como a legislação que trata das atribuições da Secretaria que é titular e das atribuições do seu cargo, para que aquela comissão delibere sobre o caso concreto do Consulente e proceda as anotações que entenda pertinentes (impedimento ou incompatibilidade) na Carteira da OAB do Consulente.

Com relações às procurações outorgadas em favor do Consulente e ainda em vigor, sendo deliberado pela incompatibilidade do Consulente pela Comissão de Seleção e Inscrições da OAB, “pelos princípios, nos quais se fundamentam as incompatibilidades, a renúncia aos mandatos é de rigor e, pela competência atribuída pelo artigo 63, letra ‘c’ do Regimento Interno da Seccional Paulista, cabe à Douta Comissão de Inscrição e Seleção as anotações no prontuário do advogado”[2].

Este é o meu parecer e voto, que submeto à apreciação do Tribunal


[1] supervisar
[Do ingl. (tosupervise.] 
Verbo transitivo direto. 
1. Dirigir, orientar ou inspecionar em plano superior. [Sin., bras.: supervisionar.]

2. Ver precedente E-3.727/2009