
1. Contextualização
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1236 foi ajuizada pela Advocacia-Geral da União (AGU) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de enfrentar a crescente judicialização relacionada aos descontos indevidos realizados em aposentadorias e outros benefícios previdenciários pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Desde o ano de 2020, o país vem registrando um número expressivo de reclamações e ações judiciais relativas a descontos irregulares efetuados diretamente nos benefícios previdenciários de milhões de segurados, o que já resultou em prejuízos financeiros estimados em quase R$ 1 bilhão, afetando aproximadamente 9 milhões de benefícios.
Atualmente, mais de 65 mil processos tramitam no Poder Judiciário com questionamentos sobre tais descontos. Esse cenário tem gerado um quadro de risco financeiro ao sistema previdenciário nacional, além de causar sobrecarga processual nos tribunais e criar uma grave situação de insegurança jurídica, com decisões conflitantes em diferentes instâncias e regiões do país, conforme mencionado na própria ADPF n. 1236.
2. Objetivo da ADPF 1236
A AGU, por meio desta ADPF, requer ao STF uma medida de caráter excepcional e urgente: a suspensão nacional de todas as ações judiciais em curso relacionadas ao tema, até que haja uma solução administrativa efetiva ou uma uniformização da jurisprudência pelo próprio STF.
O pedido de suspensão, caso deferido, terá efeitos erga omnes (abrangência nacional), alcançando todas as instâncias do Judiciário, com a finalidade de:
- Evitar decisões divergentes, que possam criar disparidades de tratamento entre segurados em situações idênticas;
- Proteger o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário;
- Prevenir um colapso administrativo e judicial, em razão do volume excessivo de processos e dos altos custos envolvidos.
3. Iniciativas Administrativas: Portal de Desconto de Mensalidades Associativas (PDMA)
Em maio de 2025, numa tentativa de responder administrativamente à crise, o INSS lançou o Portal de Desconto de Mensalidades Associativas (PDMA), uma plataforma digital criada para permitir que aposentados, pensionistas e demais beneficiários possam contestar e pleitear a restituição de valores descontados de forma indevida.
Contudo, a AGU reconhece na própria petição da ADPF 1236 que o PDMA, embora seja um avanço, não foi suficiente para conter a judicialização em massa, tampouco para garantir uma solução célere e efetiva para os segurados prejudicados. A persistência de decisões judiciais divergentes e a multiplicação de ações individuais e coletivas reforçam o argumento governamental sobre a necessidade da medida excepcional pleiteada.
4. Riscos Institucionais e Precedentes Potencialmente Perigosos
Há uma preocupação jurídica relevante quanto ao alcance e às consequências institucionais de uma eventual decisão favorável ao pedido da AGU.
Caso o STF acolha integralmente a ADPF 1236, existe o risco de se criar um precedente perigoso, no sentido de afastar a responsabilidade objetiva do INSS por atos lesivos praticados pela própria autarquia ou por terceiros, que ela tenha intermediado, como o caso dos descontos indevidos e não autorizados.
Isso significaria, na prática, admitir que o INSS não poderia ser responsabilizado judicialmente por descontos indevidos praticados por seus sistemas, mesmo quando configurado evidente abuso, falha administrativa ou conduta ilícita.
Tal entendimento poderia impactar negativamente outros processos semelhantes, em que se discute a responsabilização do INSS por condutas irregulares, inclusive em ADPFs conexas ou tematicamente semelhantes, como a ADPF 1224 e a ADPF 1234, nas quais se busca exatamente o reconhecimento da obrigação da autarquia em reparar danos aos segurados.
5. Posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
A Ordem dos Advogados do Brasil da Subsecção São Paulo, através da comissão Especial de Direito Previdenciário, tem expressado grande preocupação com os potenciais impactos da ADPF 1236 na preservação de garantias constitucionais fundamentais, como:
- O direito de acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88);
- O devido processo legal e o contraditório (art. 5º, inciso LIV e LV);
- A proteção dos direitos adquiridos e a efetividade das decisões judiciais já proferidas;
- A vedação ao retrocesso social e à exclusão de responsabilidade do Estado por danos causados a seus administrados.
- A OAB SP alerta que a concessão da medida pleiteada pela AGU poderia representar grave violação às garantias constitucionais das partes envolvidas, além de enfraquecer a confiança da população no sistema de justiça e na própria Administração Pública.
6. Conclusão
A ADPF 1236 apresenta ao Supremo Tribunal Federal um desafio institucional de grande envergadura, que envolve o equilíbrio entre a proteção à sustentabilidade do sistema previdenciário e a salvaguarda dos direitos fundamentais dos segurados da Previdência Social.
Embora seja legítima a preocupação da AGU com os impactos financeiros e administrativos provocados pela judicialização em massa, não se pode ignorar o caráter excepcional e delicado da medida pleiteada, que, se acolhida em sua totalidade, pode representar grave restrição ao direito de acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Além disso, há riscos reais de se abrir um precedente perigoso ao afastar a responsabilidade objetiva do INSS por atos ilícitos praticados pela própria autarquia, o que poderá gerar repercussões em diversas outras ações futuras e afetar o princípio da responsabilização do Estado por danos causados aos cidadãos.
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB SP), em consonância com a posição da Comissão Especial de Direito Previdenciário, manifesta preocupação com os impactos constitucionais da suspensão nacional das ações. Destaca-se a necessidade de proteção dos direitos das partes envolvidas e o respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.
A OAB SP ressalta que a suspensão indiscriminada de milhares de processos pode configurar uma violação de direitos fundamentais, criar um ambiente de insegurança jurídica ainda maior e fragilizar a confiança social na efetividade do sistema de justiça. Ademais, a possibilidade de "blindagem judicial" de um ente estatal que praticou atos ilegais merece análise criteriosa, à luz dos princípios constitucionais da responsabilidade objetiva da Administração Pública e da proteção aos direitos individuais.
Diante disso, a OAB SP defende que qualquer decisão do STF sobre a ADPF 1236 seja pautada por critérios de absoluta excepcionalidade, com preservação das garantias constitucionais e dos direitos legítimos dos segurados prejudicados, evitando soluções que possam consolidar retrocessos sociais ou criar zonas de impunidade administrativa, bem como a participação da sociedade por entidades de representação que podem atuar como amicus cury e acompanhar o deslindo do processo com lisura necessária.
SÃO PAULO, 17/06/2025.
Leonardo Sica
PRESIDENTE
Daniela Magalhães
VICE-PRESIDENTE
Joseane Zanardi Parodi
PRESIDENTE DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO