Tribunal de Ética e Disciplina

19 de novembro de 2025 - quarta

A instrução no Processo Ético-Disciplinar da OAB: Funções, limites e Relevância

Entenda como a fase de instrução assegura as garantias de defesa dos advogados e preserva a credibilidade da profissão

Camila Belio Felberg 

Relatora Presidente da 23ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB SP, Advogada 

 

Simone Cristina Oliveira Assumpção 

                                                                     Relatora Instrutora da 23ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB SP, Advogada 


 

Introdução 

O Estatuto da Advocacia da OAB estabelece, em seu artigo 70, que compete à Ordem dos Advogados do Brasil apurar infrações disciplinares e aplicar sanções aos advogados que violarem os deveres éticos da profissão1. Tal função, portanto, trata de competência exclusiva do Tribunal de Ética e Disciplina, órgão que orienta a conduta e exercício profissional dos advogados, e que também tem como principal atribuição a condução e julgamento de processos de natureza disciplinar. 

Nesse sentido, o processo ético-disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil é instrumento de tutela da ética profissional visando a preservação da confiança social na advocacia.  

E em se tratando da condução de tal processo, regido pela Lei nº 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB, pelo Código de Ética e Disciplina - CED e pelo Regulamento Geral da OAB, a instrução processual opera como ponte entre a representação e a decisão, entre a imputação e a sanção, preservando a isonomia processual. Ela possui relevância indiscutível e que fornece elementos fundamentais para um julgamento que, independentemente do resultado, se revesta de uma decisão fundamentada, proporcional e legitima, garantindo-se a efetividade da justiça.  


Relevância da instrução e garantias no Processo Disciplinar 

A instrução no processo disciplinar, assim como nos demais processos, não procura a “verdade absoluta”, mas a verdade processual suficiente para o embasamento da decisão consubstanciada em princípios norteadores essenciais. 

A ética profissional na advocacia, como dito, é equalizada por meio dos processos ético-disciplinares onde as garantias de direitos e segurança jurídica se concretizam não somente na decisão, mas também na forma de condução do processo. Nesse sentido, a instrução, fase desse rito processual, possui a finalidade precípua de garantia dos princípios da ampla defesa e contraditório.  

Ambos os princípios, direitos fundamentais essenciais ao devido processo legal, representam a essência das garantias constitucionais cabíveis a todo processo e especialmente na esfera disciplinar, onde se discute a conduta no exercício profissional limitando, assim, o jus puniendi, como bem asseverou o Prof. Egberto Maia Luiz “No tocante ao jus puniendi, que é intrinsicamente elemento fundamental do Direito Administrativo Disciplinar, deve-se constatar que seu exercício não é ilimitado e que quando extravasa da previsão legal e da admissibilidade moral, fica perfeitamente configurada a arbitrariedade, a violência ou o abuso de poder”2.  

O contraditório, que é meio pelo qual a ampla defesa é exercida, assegura o pleno conhecimento e possibilidade de atuação das partes, já a ampla defesa engloba todos os instrumentos e meios para sua construção de forma eficaz. Assim, quando omisso o direito de defesa, constitui-se uma nulidade processual insanável. Sob essa ótica, a nomeação de defensor dativo em caso de revelia e a designação de assistente para o representante leigo visam o aperfeiçoamento do contraditório exercida por meio de manifestação técnica adequada para garantir o exercício ilimitado de defesa e a legalidade processual. 

Por outro lado, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, norteadores da pena, também o são em relação a toda instrução do processo disciplinar, vez que tais princípios, não escritos mas inerentes ao estado de direito em sua própria natureza, decorrem do quanto expressa o Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal3 e,  conforme asseverou Oriana Piske em artigo publicado para o TJDFT “Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são cânones do Estado de Direito, bem como regras que tolhem toda ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. A eles não poderia ficar estranho o Direito Constitucional brasileiro. Sendo, como são, princípios que embargam o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força cogente de sua normatividade”4.  

Dessa forma, em sua metodologia, os limites da instrução processual, decorrem de tais princípios de forma que diligências devem ser idôneas, necessárias e proporcionais. Toda prova, quando recusada, deve ter fundamentação, já seu acolhimento, deve possuir delimitação clara quanto ao meio e prazo, evitando instrução excessiva, onerosa ou deficiente, o que fragiliza as decisões e objetivam a procrastinação processual, como estratégia de defesa. 

O processo ético-disciplinar não tutela apenas interesses corporativos, mas se projeta sobre o interesse público ao assegurar que a advocacia seja exercida em conformidade com padrões éticos e, nesse sentido, a instrução disciplinar transcende a dimensão punitiva e assume caráter pedagógico, preventivo e simbólico, reafirmando a advocacia como função essencial à justiça e fortalecendo sua legitimidade social. 


Instrução Processual – Funções e limites 

Em uma estrutura processual que separa com nitidez instrução e julgamento, cabe ao instrutor a produção e ordenação epistêmica da prova; ao relator, o direcionamento e a validação dos atos e ao colegiado, a valoração e o veredito.   

O instrutor possui função garantista — deve transformar alegações em acervo probatório suficiente, pertinente, lícito e apto a possibilitar e embasar o convencimento do relator e do colegiado. Esse papel exige padrão técnico com domínio dos prazos processuais; atuação com imparcialidade operativa, urbanidade e diligência; compreensão das regras de notificação e publicidade de forma restrita; manejo de meios de prova; atenção às nulidades e especialmente aos princípios garantidores da defesa ampla e contraditório efetivo, contudo, sem afastar o controle do relator. O Código de Ética e Disciplina da OAB regula em seu artigo 58, parágrafo 1º, a atuação do instrutor limitando-o aos atos de instrução, sob supervisão direta do relator5. Nesse sentido, ele não indefere prova com caráter decisório definitivo, altera objeto da imputação ou interage com o colegiado para antecipar juízo de valor. 

Já o relator, por sua vez, exerce controle prévio de toda a instrução, vez que atua desde o recebimento e processamento da representação, determinando notificações, observando a aplicação do princípio do devido processo legal seja já na Defesa Prévia ou na instauração do processo disciplinar, convalidando ou invalidando os atos, sanando vícios, decidindo pelo deferimento ou não dos requerimentos e, por fim, saneando o processo. Cabe à figura do relator, ainda, a supervisão da conformidade de toda a instrução processual preliminarmente ao encaminhamento para enquadramento do caso concreto e posterior julgamento, o que garante não só a celeridade processual, mas a efetivação do devido processo legal. 

Assim, o instrutor propõe, executa e reporta; o relator revisa, corrige e avança. Essa cadência garante não apenas a imparcialidade durante a instrução processual, mas também a celeridade processual, mitigando risco de prescrição e de não materialização do poder disciplinar. 


Condução instrutória indispensável: Organização, diligências e cadeia documental 

O processo administrativo disciplinar, conforme já asseverou Egberto Maia Luiz “trata, essencialmente, da ordenação dos atos e dos termos necessários à caracterização de autos típicos para a desenvoltura da instrução probatória e outros, ulteriores, típicos do julgamento ou pertinentes à fase recursal”6. Nessa esteira, toda a instrução até o encaminhamento para ulterior julgamento, requer a cadência processual adequada.  

Para o conjunto probatório, é necessário observar a cadeia de custódia, ou seja, identificação da fonte, método de extração, armazenamento e formas de acesso às provas, especialmente nas hipóteses de prova eletrônica como e-mails, mensagens, metadados e gravações. O relator e o instrutor somente indeferirão a produção de algum meio de prova quando esse for ilícito, impertinente, desnecessário ou protelatório, o que farão justificadamente, evitando-se arguição de cerceamento de defesa, nos termos do disposto no parágrafo 6º do artigo 59 do Código de Ética e Disciplina da OAB7.  

Embora possam ser realizadas a qualquer tempo, inclusive, por ocasião do julgamento, cada diligência necessita de justificativa indicando o objetivo, pendências e resultados, o que viabiliza correções em tempo, reduzindo o risco de prescrição intercorrente8, vez que a instrução deve zelar pela celeridade processual. 

Já quanto a audiência instrutória, a oitiva de representante, representado, testemunhas e informantes produzem prova relevante à instrução. Neste momento, o instrutor deve: zelar pela representação e defesa do representado; preparar o roteiro objetivo, delimitando a temática e o que se deve elucidar; conduzir a audiência com isonomia e equidade, assegurando o contraditório efetivo, facultando reperguntas e esclarecendo dúvidas; e registrar o ato com identificação dos presentes, horários, advertências, deferimentos e indeferimentos e eventuais incidentes. A técnica de inquirição prioriza a legalidade com urbanidade. Em situações de vulnerabilidade como por exemplo de gênero, raça e idade, recomenda-se sensibilidade alinhada a protocolos institucionais como, por exemplo, de julgamento com perspectiva de gênero, reforçando a equidade, respeitando a dignidade e garantindo a segurança das pessoas envolvidas, vez que a advocacia exige julgamento justo preservando prerrogativas.  

Assim, de forma geral, a instrução requer cadeia documental e rito eficazes, a fim de evitar nulidade processual que em nada contribui para a efetivação do processo justo, embora seja possível certa flexibilidade, a exemplo da juntada de documentos após a audiência de instrução, desde que por motivo relevante e garantindo-se o contraditório e ampla defesa. É importante ressaltar que “o processo disciplinar, embora obedeça a regras e formas preestabelecidas neste Estatuto, não é marcado por extremo formalismo e rigidez, quando comparado à via judicial, havendo certa flexibilidade com relação aos prazos de manifestações ou outras providências, que podem ser prorrogados havendo motivo relevante”9.   
 

Eficiência da instrução - nulidades e qualidade epistêmica 

A ineficiência instrutória pode produzir efeitos graves como nulidades e prescrição, seja ela intercorrente ou da pretensão punitiva, o que prejudica a efetividade do processo e até mesmo um julgamento justo.   

A jurisprudência constitucional não dá margem a “defesa aparente”, pois quando a condução processual contraria o artigo 5º, LV da Carta Magna10, há nulidade absoluta, frustrando a qualidade epistêmica do acervo probatório. E da mesma forma, a ausência de defesa também caracteriza nulidade absoluta, nos termos do entendimento do parágrafo 1º do Artigo 73 do Estatuto da Advocacia e da OAB11.  

Por sua vez, a defesa técnica se mostra irrenunciável, ou seja, a oportunidade de apresentar argumentos que vão além da autodefesa, muitas vezes desprovida da tecnicidade necessária, conforme mencionou Augusto Barbosa de Mello Souza na obra Tribunal de Ética e Disciplina da OAB - A visão dos julgadores “A defesa pessoal, em processos de forma geral, no direito pátrio, ressalvadas previsões especificas, somente é permitida àqueles que possuem capacidade técnica para tal, posto que a defesa técnica se trata de direito irrenunciável e indisponível”12.  

Em linhas gerais e de forma prática, caracteriza-se nulidade pelo cerceamento de defesa as notificações invalidas, vícios de oitivas ou na condução da própria audiência, bem como as provas ilícitas, sejam elas por seu objeto ou por seu meio de obtenção. Se o vício decorre de ato instrutório mal-conduzido, o processo pode ser anulado, resultando em alto custo temporal e reputacional e ineficácia da justiça. Daí decorre a necessidade da instrução ser operada com a validação dos atos, suficiência probatória (o que falta responder para a tipicidade, autoria e elemento subjetivo?) e linha do tempo, evitando-se estereótipos que afetem a colheita de provas e observando protocolos de isonomia e equidade, além de ambiente de oitiva seguro, registro fiel dos fatos e o essencial sigilo processual.  

Conclusão 

O processo ético-disciplinar diferencia-se de outros processos sancionadores porque protege bens jurídicos próprios como a dignidade da advocacia, a credibilidade e confiança da sociedade. Longe de ser simples rito sancionatório, possui natureza garantista, o que assegura ao representado ampla defesa, contraditório efetivo e revisão colegiada. A qualidade da instrução está intrinsicamente ligada ao acervo, ausência de contradições não justificadas e sanadas, acervo probatório idôneo e pertinente.  

Desta forma, a instrução processual adequada é o garantidor silencioso da legitimidade e legalidade do processo disciplinar e dela depende a qualidade epistêmica que sustenta o julgamento colegiado. Operando com proporcionalidade instrutória, rigor documental, sensibilidade às garantias, atenção às vulnerabilidades e compromisso com a celeridade, o processo disciplinar configura o rito em justiça aplicada, força pedagógica e autoridade perante a classe e a sociedade. 

Referências 

Constituição Federal do Brasil – disponível em   

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 

Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da OAB – disponível em 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm  

Código de Ética e Disciplina da OAB – disponível em 

https://www.oabsp.org.br/tribunal-de-etica-e-disciplina  

GONZAGA, Alvaro de Azevedo, NEVES Karina Penna, BEIJADO JUNIOR Roberto, Estatuto da Advocacia e Código de Ética e Disciplina da OAB Comentados, 8ª ed. – Rio de Janeiro, Método, 2023. 

LUZ Egberto Maia, Direito Administrativo Disciplinar: Teoria e Prática, 4ª ed. – Edipro – Bauru: Edipro, 2002. 

PISKE Oriana, TJDFT, publicado 16/11/2011 -  Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2011/proporcionalidade-e-razoabilidade-criterios-de-inteleccao-e-aplicacao-do-direito-juiza-oriana-piske  

VUOLO, José Eduardo et alii, Tribunal de Ética e Disciplina da OAB – A visão dos julgadores – São Paulo: Dia a dia Forense, 2021.


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