E-4.494/2015
ASSOCIAÇÃO CIVIL NÃO INSCRITA NA OAB - OFERECIMENTO DE SERVIÇO ADVOCATÍCIO AOS ASSOCIADOS POR MEIO DE CONVÊNIO COM ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA - IMPOSSIBILIDADE - INFRAÇÃO DISCIPLINAR DOS ADVOGADOS CONTRATADOS POR CAPTAÇÃO DE CAUSA E CLIENTELA E CONCORRÊNCIA DESLEAL - HONORÁRIOS - COBRANÇA COM DESCONTO SOBRE OS VALORES MÍNIMOS DA TABELA DA OAB/SP - INFRAÇÃO ÉTICA - AVILTAMENTO DOS HONORÁRIOS
Associação civil não inscrita na OAB não pode ofertar a seus associados assistência jurídica ou serviços jurídicos, sob pena de exercício irregular da profissão. Os advogados que prestam tais serviços comentem infração ética, em vista da prática de concorrência desleal, captação de causas e clientes, mercantilização da profissão, além de infringirem o disposto no artigo 34, inciso I, do Estatuto da Advocacia. Por outro lado, a cobrança de honorários com descontos sobre os valores mínimos previstos na Tabela da OAB/SP não observa os critérios do artigo 36 do Código de Ética e Disciplina, aviltando os honorários e a profissão do advogado. Recomendação, nos termos do artigo 48 do CED, de expedição de ofício à Associação para que cesse imediatamente tais convênios e parcerias, sob pena de instauração de procedimento ético contra os advogados que prestam serviços a seus associados, bem como expedição de ofício ao Ministério Público, denunciado o exercício irregular da profissão.
Proc. E-4.494/2015 - v.u., em 16/04/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO PLANTULLI - Rev. Dra. MARCIA DUTRA LOPES MATRONE - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
RELATÓRIO - Fomos honrados com a presente consulta, elaborada pelo (...), que nos solicita parecer sobre denúncia elaborada pelo Dr. (...), da comarca de (...), denúncia esta que trata de conteúdo divulgado no site da Associação de Defesa dos Policiais Militares do Estado (...), que, no ícone “jurídico”, esclarece quais são os benefícios aos associados nessa área.
Segundo o advogado denunciante, tal site estaria divulgando parcerias com advogados e escritórios de advocacia. Ademais, há expressa menção a desconto de 30% nos honorários sobre o valor estabelecido na Tabela da OAB.
Tais fatos, na concepção de supra mencionado advogado, atentam contra a dignidade do advogado, “desprestigiando e sucateando a profissão”.
VOTO - Trata-se de evidente caso concreto. Entretanto, o tema é de extrema relevância para a classe dos advogados, além da consulta ter sido elaborada pelo (...). Por tais razões, conheço da consulta.
No mérito, para elaborar o parecer, evidente que necessária consulta ao sítio eletrônico da (...).
O que primeiro nos chama a atenção é que, ao dar publicidade sobre a descentralização do seu Departamento Jurídico, a (...) esclarece que “o atendimento continua nos mesmos moldes que o realizado anteriormente na (...), gratuitamente para o associado e dependentes, onde o associado só paga as custas e despesas processuais. Há ainda algumas ações que são pagas, que é o caso de ação trabalhista, danos morais e aquelas que trazem vantagens para o associado”.
Há, ainda, um “Manual de Procedimentos”, no qual, para nossa análise, se destacam os seguintes pontos:
“Fica a critério do associado a escolha do escritório de advocacia conveniado para orientá-lo e/ou patrociná-lo judicialmente”;
“Consultas e orientações são totalmente gratuitas, devendo, entretanto, ser previamente agendadas pelo associado junto ao escritório de advocacia;”
No item “ação judiciais não cobertas pela assistência jurídica”, observamos as seguintes orientações:
“a) Atendimento a agregado do Associado (Pai, Mãe, Irmão, Sobrinho, Sogro) em qualquer tipo de ação, arcará o associado com o pagamento dos honorários advocatícios, equivalente ao valor mínimo da Tabela de Honorários da OAB/SP, com 30% (trinta por cento) de desconto;”
b) Ações de reparação de danos morais para qualquer das pessoas aqui previstas que figurarem como parte AUTORA, arcará o associado com o pagamento de 01 (um) salário mínimo mais 20% (vinte por cento) sobre o valor bruto da condenação;
c) Reclamações Trabalhistas em que o Associado seja o Reclamante, arcará o mesmo com os honorários advocatícios no montante de 20% (vinte por cento) sobre o total da condenação;
d) Reclamações Trabalhistas em que o Associado seja o Reclamado, arcará o mesmo com os honorários advocatícios equivalente à 01 (um) salário mínimo (exceto se for pessoa física – que não será cobrado, exemplo, reclamação de empregada doméstica);
e) Qualquer ação em favor de empresa de Associado, seja o associado parte ou não, ainda que não registrada ou que não haja proveito econômico, arcará o mesmo com os honorários advocatícios, incidindo o valor mínimo constante da Tabela da OAB, com desconto de 30% (trinta por cento) de total responsabilidade do associado, agregado, pensionistas e seus dependentes;
f) Inventário ou Arrolamento, valor constante da Tabela OAB, com 30% desconto;
g) Qualquer tipo de ação que gere proveito econômico, lucro, plus ou demandas em geral nas quais o associado figure no pólo ativo, aplica-se o valor mínimo da Tabela da OAB/SP com desconto de 30% a ser pago pelo associado;”
É de se louvar a constituição de uma associação cujo escopo é a defesa dos policiais militares do Estado (...), categoria que, a par das más condições de trabalho, exerce em sua grande maioria, seu ofício com dedicação e honradez.
Entretanto, não podemos fechar os olhos para infrações aos nossos Estatuto e Código de Ética. É nosso dever zelar pelo seu cumprimento.
A associação oferece serviços jurídicos a seus associados através de “escritórios de advocacia conveniados”, com quem faz “parcerias”.
Verifica-se que, apesar do profissional ser de livre escolha do associado, desde que dentro dos escritórios conveniados, a Associação pré-estabelece regras, em seu “Manual de Procedimentos”, no qual estão, inclusive, determinados os valores dos honorários.
Ou seja, parece-nos que se trata de mais do que mera indicação de advogados, mas sim de prestação de serviços jurídicos pela associação aos seus associados, através de escritórios conveniados. Aliás, é o que divulga a própria (...).
Ora, tal oferecimento de serviços por associação não inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil é antiética, conforme reiteradas decisões de nossa Turma.
Ressalte-se que os advogados que prestam os serviços jurídicos oferecidos pela associação acabam por infringir o disposto no artigo 34, inciso I, do Estatuto da Advocacia.
Ademais, os convênios de tal natureza afrontam a livre concorrência, além de se constituir em captação de causa e clientela. Evidente, ademais, a mercantilização da profissão.
Observa-se, nesse sentido, recente decisão de nossa Turma:
CONVÊNIO JURÍDICO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ADVOCATÍCIO OFERECIDO POR MEIO DE ASSOCIAÇÃO NÃO REGISTRÁVEL NA OAB – IMPOSSIBILIDADE – INFRAÇÃO DISCIPLINAR DOS ADVOGADOS CONTRATADOS POR CAPTAÇÃO DE CAUSA E CLIENTELA – CONCORRÊNCIA DESLEAL. Mesmo sem competência para analisar casos que se referem a conduta de terceiros, pela natureza da consulta que traz dúvida sobre a prestação de serviços advocatícios e relevância para a classe dos advogados, é possível seu conhecimento. Precedentes desse Tribunal (cf. Proc. E-3.718/2008). De conformidade com as reiteradas decisões deste Tribunal (E-2.481/01 , E-1.520/97, E-2.409/01, E¬2.605/02, E-2.807/03, E-4213/2013), não pode a associação ofertar a seus associados assistência jurídica ou serviços jurídicos, especialmente as que visam a defesa de associados em ações a serem propostas contra os mesmos em decorrência de suas atividades profissionais. Inteligência dos artigos 34, I, 11, 111, IV, combinado com artigos 1° § 3° e 3°,do Estatuto da Advocacia e ainda artigos 5°, 7°, 28, 31 § 1° e 2° e 39 do Código de Ética, Provimento 94/2000 do Conselho Federal da OAB .. Oferta de prestação de serviços por sociedade estranha à advocacia implica mercantilização da profissão. Prejuízo, de outra parte, à livre concorrência ou à livre iniciativa. Incidência dos artigos 5°, LXI LXX e 8°, 111 da Constituição Federal, artigo 20 da Lei 8884/94 e, em tese, artigo 47 da Lei de Contravenções Penais. Proc. E-4.381/2014 - v.u., em 24/04/2014, do parecer e ementa do Rel. Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI - Rev. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF- Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
Não se pode esquecer que a relação entre advogado-cliente é baseada na confiança e a escolha do cliente não pode ser restrita por convênios e parcerias, sob pena de se desvirtuar tão fundamental característica.
Quanto aos honorários, ressalte-se, primeiro, que não se pode admitir a prática de serviços jurídicos gratuitos por advogados. Ora, tal prática, no âmbito privado, está restrita à advocacia pro bono, do que, certamente, não estamos tratando. Afora tal hipótese, evidente a captação de clientela e concorrência desleal.
Ademais, a cobrança de honorários com desconto de 20% a 30% dos valores mínimos previstos na Tabela de Honorários da OAB/SP, constitui-se em aviltamento dos honorários profissionais.
Certo é que a Tabela se constitui em mera recomendação, não sendo vinculativa. Mas, seus valores máximos e mínimos devem ser respeitados para que os honorários se adequem aos critérios previstos no artigo 36 do Código de Ética de Disciplina.
Sobre o tema, já decidiu nossa Turma:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - DIVÓRCIO - PRETENSÃO DE COBRANÇA ACIMA DO PERCENTUAL FIXADO NA TABELA DA SECCIONAL - IMODERAÇÃO - FALTA ÉTICA. Os valores fixos em moeda e os resultantes da aplicação dos percentuais previstos na Tabela de Honorários da Seccional de São Paulo constituem parâmetros éticos para a cobrança de honorários. Dessa forma, havendo na referida tabela previsão de percentual fixo de seis por cento para a ação de divórcio (o mesmo aplicável aos inventários e arrolamentos), esse o percentual máximo a ser aplicado sobre o valor dos bens que couberam ao cliente. Deve, pois, o advogado, ao contratar os honorários com o cliente, fixá-los com moderação e observar, como referência, os elementos elencados no artigo 36 do Código de Ética e Disciplina, a fim de evitar o aviltamento da honorária. Cobrança muito acima desse percentual - de 20%, no caso de divórcio ou de inventário, quando a tabela enuncia 6% do valor dos bens - se afiguraria, pois, eticamente imoderada, sendo o valor mínimo exigível de R$ 2.164,95. Por outro lado, a cobrança de honorários abaixo do mínimo previsto, além de se afigurar igualmente condenável sob o ponto de vista ético, também implica em concorrência desleal. Mas a cobrança de honorários acima do percentual recomendado não chega a caracterizar, por si, a infração disciplinar prevista no inciso XX do art. 34 do EAOAB, que se verifica em casos mais graves, como se extrai dos Julgados Disciplinares do Tribunal de Ética e Disciplina, p. ex., nas hipóteses em que o advogado recebe adiantadamente para promover ação e não o faz (PD 096/02 - TED XIII), ou levanta quantia de cliente e com ela permanece por vários anos sob justificativa indemonstrada de que não conseguiu contatá-la (PD 054/99 - TED VII); ou ainda, quando recebe valor integral de acordo firmado na Justiça do Trabalho sem repassar nenhuma quantia ao constituinte (PD 8107/98 - TED IV - Rel. Dr. Aroldo Joaquim Camillo Filho). Precedentes: Proc. E-1.223 e E-4.069/2011. Proc. E-4.104/2012 - v.u., em 31/05/2012, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO - Rev. Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA
Sendo assim, recomendo, nos termos do artigo 48 do CED, seja expedido ofício para a (...), para que cesse imediatamente tais convênios e parcerias, sob pena de instauração de procedimento ético contra os advogados que prestam serviços a seus associados, bem como expedição de ofício ao Ministério Público, denunciado o exercício irregular da profissão.
É o parecer.