E-4.703/2016


SIGILO PROFISSIONAL - PATROCÍNIO DE CLIENTE CONTRA EX-EMPREGADORA - A EXIGÊNCIA QUANTO A MANTER O SIGILO PERPÉTUO E A RESTRIÇÃO À LIBERDADE DA DEFESA DOS INTERESSES DO NOVO CLIENTE RECOMENDAM AO ADVOGADO RECUSAR A CAUSA

O advogado deverá manter sigilo perpétuo das informações confidenciais, que tenha anteriormente tomado conhecimento, ao atuar contra sua ex-empregadora. Ao aceitar o patrocínio do cliente contra a ex-empregadora, o consulente correrá - ou não - o risco de ferir postulados éticos contidos nas seguintes questões: (i) os fatos conhecidos da ex-empregadora, enquanto fora seu advogado, contribuem para uma situação de vantagem no patrocínio do novo cliente? (ii) há risco de invocarem-se fatos expostos pela ex-empregadora, na defesa do novo cliente? E, enfim, (iii) ao advogar para o novo cliente, o consulente trairá seu próprio julgamento da causa, e negará validade aos conceitos factuais e à orientação inicial que construiu para atender às audiências que atendeu? A resposta positiva, ou apenas a dúvida acerca do próprio comportamento, somadas às potenciais limitações inerentes ao sigilo perpétuo, limitarão sua liberdade de usar todos os meios legítimos na defesa do novo cliente. Tudo isso recomenda que o consulente recuse o patrocínio de causas contra a ex-empregadora. Se, de foro íntimo, o advogado concluir, convicto e isento, que a causa em questão não o coloca em situação suspeita de violar os preceitos contidos nos artigos 20, 21 e 22 (sigilo, isonomia de forças e honestidade intelectual), então poderia aceitá-la. Mesmo assim, deve o advogado, igualmente, considerar que a suspeita sempre pesará sobre ele, quanto à violação ética, tendo como contraponto o fato de que a confiança da clientela é seu principal ativo profissional.
Proc. E-4.703/2016 - v.m., em 09/12/2016, do parecer e ementa da Julgadora Dra. BEATRIZ M. A. CAMARGO KESTENER vencido o Rel. Dr. ALUISIO CABIANCA BEREZOWSKI, com declaração de voto Dr. EDUARDO PEREZ SALUSSE - Rev. Dra. MARCIA DUTRA LOPES MATRONE, Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI.

VOTO VENCEDOR DA JULGADORA DRA. BEATRIZ M. A. CAMARGO KESTENER

Parecer em pedido de vista 

1. Em primeiro lugar, adoto o relatório já apresentado pelo I. Relator Aluisio Cabianca Berezowski, manifestando a minha divergência, em sede de pedido de vista, a ambos votos.

2. Restou claro, em suma, que o Consulente atuou para a sua ex-empregadora, na qualidade de advogado em aproximadamente 30 audiências. O fato de ter recebido substabelecimento apenas não altera, quer na substancia, quer na forma, os poderes outorgados, seja aos advogados substabelecentes, seja ao substabelecido.

3. Como bem salientou o I. Relator, tanto o profissional que consta da procuração quanto aquele que consta do substabelecimento, advogados que são, devem zelar por todos os deveres e princípios inerentes ao exercício que lhes se afigura comum: o patrocínio dos interesses do cliente, a advocacia.

4. É certo, como afirma o voto-vista, que o Consulente exerceu papel de representação da ex-empregadora, em nome de quem agiu perante o Poder Judiciário, participando efetivamente da defesa dos seus interesses. Tomou conhecimento de informações e segredos de ordem privada e estratégica, tal como muito bem exposto pelo I. Relator.

5. Nesta seara, concluiu o I. Relator no sentido de que estaria impedido de contra ela advogar por dois anos, bem assim de respeitar o sigilo profissional perpetuamente. Já o Voto-vista entendeu que o impedimento deve ser temporalmente balanceado em decorrência de algumas possíveis as situações, sob pena invadir a esfera de outros direitos igualmente garantidos a todos os cidadãos.

6. Segundo o voto-vista, esta “percepção parte da premissa de que a restrição ética ora sugerida objetiva, de um lado, tutelar os bens jurídicos materializados pelo segredo de informações e dados protegidos por sigilo, seja pelo advogado, seja pelo ex-empregado que a eles teve acesso no exercício das suas funções laborativas. E, de outro lado, deve-se ponderar a medida exata das restrições impostas, de modo que não violem desnecessariamente os postulados da dignidade (art. 1º, III da CF/88), valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV da CF/88) e da liberdade no exercício da profissão (art. 5º, XIII, da CF/88)”.

7. Comungo dos conceitos mencionados tanto do voto-relator quanto do voto vista, no sentido de que é preciso “evitar que o advogado Consulente – outrora advogado da empregadora - utilize-se de tais dados e informações para, de alguma forma, obter vantagem ilegal, imoral ou antiética quando da assunção da defesa dos interesses de determinado cliente em face da sua ex-empregadora. Na medida em que inexistir exposição dos direitos da ex-empregadora a risco, a restrição do impedimento coloca-se em patamar não razoável e, portanto, desnecessário.”

8. Mas a partir daí ouso divergir. Não parece conveniente estabelecer critérios específicos para cada caso em concreto, como sugeriu o voto-vista, nem se trata de estabelecer uma quarentena de 2 anos, como sugere o I. Relator.

9. Trata a consulta de harmonizar os dispositivos relativos a sigilo, conflito de interesses e honestidade intelectual, cujo comando ético está exposto, com clareza, nos seguintes dispositivos do CED:

Art. 20. Sobrevindo conflito de interesses entre seus constituintes e não conseguindo o advogado harmonizá-los, caber-lhe-á optar, com prudência e discrição, por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado sempre o sigilo profissional. 

Art. 21. O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou ex-empregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o sigilo profissional.

Art. 22. Ao advogado cumpre abster-se de patrocinar causa contrária à validade ou legitimidade de ato jurídico em cuja formação haja colaborado ou intervindo de qualquer maneira; da mesma forma, deve declinar seu impedimento ou o da sociedade que integre quando houver conflito de interesses motivado por intervenção anterior no trato de assunto que se prenda ao patrocínio solicitado. 

10. O Código de Ética e Disciplina não impede que o advogado escolha um de seus dois potenciais clientes, abrindo mão do outro. É o que expressamente consta do artigo 20 acima transcrito. Assim, EM TESE, o Consulente, que deixou de trabalhar para a ex-empregadora, poderia, repita-se EM TESE, advogar contra ela.

11. Mas mesmo nesse caso, é certo que deverá manter total sigilo – em caráter perpétuo - das informações que obteve enquanto trabalhava para a ex-empregadora, na forma do artigo 21: as razões lógicas desse comando ético são de duas naturezas: (i) sigilo perpétuo sobre esses mesmos fatos de que teve conhecimento enquanto foi seu advogado; e (ii) isonomia de forças dos patronos e das partes.

12. Seria obviamente antiético permitir que o advogado tirasse vantagem da situação de conhecer, melhor que qualquer outro advogado, de temas que, não fosse o patrocínio inicial, não teria conhecimento, e é infiel aquele que usa do seu saber específico contra aquele que lhe confiou seus segredos e intimidade.

13. A jurisprudência desta casa é pacífica nesse sentido:

MANDATO - SEPARAÇÃO CONSENSUAL COM PATRONO COMUM - PATROCÍNIO EM AÇÕES POSTERIORES EM NOME DE UM CONTRA O OUTRO. Ultimada a ação de separação consensual, o advogado que tenha recebido mandato dos cônjuges para nela patrociná-los, não está eticamente impedido de patrocinar a ação de conversão da separação consensual em divórcio em nome de um deles, contra outro, bem como a ação de revisão da pensão alimentícia acordada, em nome dos filhos, contra o mesmo. No caso, o advogado já cumpriu a obrigação assumida no mandato juntado nos autos da ação de separação consensual, cujos poderes, então, também já se exauriram (arts. 1.136, inciso IV, do Código Civil e 10 do Código de Ética e Disciplina). Contudo, como em qualquer outra situação, deve ele resguardar o sigilo sobre segredos e informações privilegiadas (art. 26 do Código de Ética e Disciplina) e abster-se de patrocinar causa contrária à validade de ato jurídico em que tenha colaborado (art. 20 do mesmo Código) - Precedentes. Proc. E - 1.478 - V.U. - Rel. Dr. JOSÉ URBANO PRATES - Rev. Dr. GERALDO JOSÉ GUIMARÃES DA SILVA - Presidente Dr. ROBISON BARONI.

SIGILO PROFISSIONAL – PATROCÍNIO DE AÇÃO PARA ALTERAÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITA PARA EX-CLIENTE – ADVOGADO QUE ATUOU PARA O CASAL EM SEPARAÇÃO ENCERRADA HÁ APROXIMADAMENTE TRÊS ANOS – POSSIBILIDADE, SE MANTIDO O SIGILO – CASO CONCRETO – RESPOSTA EM TESE. Nos termos do art. 20 do Código de Ética e Disciplina de 1995, o advogado deverá manter sigilo das informações confidenciais que tomou conhecimento ao atuar para o casal em ação de separação, guarda de menor e alimentos. Procurado pela ex-cliente (mãe do menor) para que proceda à revisão das visitas contra o ex-companheiro e ex-cliente, poderá atuar desde que mantido o sigilo das informações confidenciais a que teve acesso por intermédio da outra parte. Havendo necessidade de se revelar fatos sigilosos para uma defesa eficiente e rigorosa dos interesses de sua cliente, deverá o advogado recusar o patrocínio da ação. Proc. E-4.6702016 - v.m., em 16/06/2016, do parecer e ementa do Rel. Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE - Rev. Dr. FÁBIO GUIMARÃES CORRÊA MEYER - Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI.

EXERCÍCIO PROFISSIONAL – ADVOCACIA CONTRA EX-CLIENTE – EX-PROCURADORA DO MUNICÍPIO – ENCERRAMENTO DO VÍNCULO E DA PROCURAÇÃO OUTORGADA PELA MUNICIPALIDADE – REGRAMENTO ÉTICO – PRETENSÃO DE ADVOGAR CONTRA O EX-CLIENTE – POSSIBILIDADE - LAPSO TEMPORAL - RESGUARDO DE SIGILO PARA SEMPRE. Sob aspecto ético, não há impedimento para o exercício da advocacia contra ex-cliente, não havendo qualquer proibição pelo EAOAB. Ao contrário, ela é permitida tanto pelo seu art. 18, na existência de conflito superveniente, podendo o advogado optar por um dos clientes, quanto pelo art. 19, quando findo o caso, rescindido o contrato ou nas hipóteses de renúncia, revogação ou extinção do mandato, e, ainda, no caso de encerramento de vínculo e da procuração outorgada a ex-procurador do município, impondo ao advogado e, no caso, ao ex-procurador, a obrigação de resguardar o sigilo profissional para sempre. O sigilo profissional é que impede advocacia contra o antigo cliente. A advocacia contra ex-cliente somente é possível em causas diferentes daquelas patrocinadas pelo advogado ao antigo cliente e, mesmo assim, se não houver necessidade ou risco de uso de qualquer dado revestido pelo sigilo profissional e, ainda, se inexistir o risco de vantagens ilegítimas, decorrentes da advocacia anteriormente exercida em favor do antigo cliente, independentemente do lapso temporal decorrido. As ações diversas não poderão ter qualquer relação fática ou jurídica com aquelas em que tenha atuado, nem tampouco conexão, entendida esta em sentido amplo. Precedentes: E-4.204/2012, E-4.187/2012, E-4.042/2012, E-4.276/2013, E-4.133/2012, E-4.409/2014. Proc. E-4.519/2015 - v.m., em 20/08/2015, do parecer e ementa da Rel. Dra. CÉLIA MARIA NICOLAU RODRIGUES - Rev. Dr. FÁBIO GUIMARÃES CORRÊA MEYER – Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.

14. Enfim, chega-se ao ponto central para a solução dessa consulta, que trata da sua intervenção em 30 audiências, de substabelecimento e do prazo de quarentena de 2 anos.

15. Primeiro: o fato de ter recebido substabelecimento e não procuração não altera a circunstância: tanto o instrumento de mandato quanto o substabelecimento representam a contratação do advogado como patrono do cliente.

16. O consulente exerceu seu múnus como patrono dos interesses da ex-empregadora, e o seu desligamento não apaga a sua intervenção nem o seu conhecimento sobre as questões que dizem respeito a ela. O sigilo sobre esse conhecimento não está sujeito a qualquer prazo, porque é perpétuo. E em que pese se reconheça que uns 2 anos depauperam memórias, ainda assim, o sigilo do que se lembrar permanece perpétuo. Isso justifica as razões pela qual o CED não estabelece prazo, mas apenas o conceito.

17. Assim, o que o consulente, como juiz de seus atos, deve refletir e indagar, íntima e profundamente: ao aceitar o patrocínio do cliente contra a ex-empregadora, o consulente correrá – ou não – o risco de ferir postulados éticos contidos nas seguintes questões: (i) os fatos conhecidos da ex-empregadora, enquanto seu advogado contribui para uma situação de vantagem no patrocínio do novo cliente? (ii) há risco de invocar-se os fatos expostos pela ex-empregadora na defesa do novo cliente? E, enfim, (iii) ao advogar para o novo cliente, o consulente trairá seu próprio julgamento da causa, e negará validade aos conceitos factuais e à orientação inicial que construiu para atender às audiências que atendeu?

18. A resposta positiva a qualquer uma (e apenas uma) dessas questões, ou apenas a dúvida acerca do próprio comportamento, e ainda, as potenciais limitações que o sigilo – repita-se - perpétuo, causará à sua liberdade de usar todos os meios legítimos na defesa do novo cliente, tudo isso recomenda ao consulente recusar o patrocínio de causas contra a ex-empregadora.

19. Do contrário: se, de foro íntimo, o consulente chegar à conclusão, convicta e isenta, de que não violará nenhum dos preceitos contidos nos artigos 20, 21 e 22 (sigilo, isonomia de forças e honestidade intelectual), então poderia aceita-la. Mesmo assim, deve o consulente refletir que a suspeita sempre pesará sobre ele, quanto à violação ética: essa reflexão também deve ser profunda, considerando que a confiança da clientela é seu principal ativo.

20. Este é o parecer e voto, que submeto a apreciação de meus pares.

VOTO VENCIDO DO RELATOR DR. ALUÍSIO CABIANCA BEREZOWSKI

RELATÓRIO - Narra o consulente que atuou como advogado de determinada empresa, sendo que sempre figurou em substabelecimento com reserva de poderes, outorgado pelos procuradores que figuravam em procuração pública dessa empresa.

Sendo assim, e tendo em vista que “não figurou na procuração”, mas “somente no substabelecimento com reserva de poderes”, indaga se poderia atuar contra seu ex-cliente.

PARECER - A consulta foi formulada em tese e, portanto, merece ser conhecida por esta Turma Deontológica.

O questionamento nela encerrado não enseja profunda reflexão e pode ser respondido em poucas linhas. Isso porque, como cediço, o substabelecimento outorga ao substabelecido os poderes que também foram outorgados pela procuração ad judicia, tendo eles, em última análise, o mesmo resultado prático: o patrocínio do cliente que outorgou o mandato.

Noutras palavras, tanto o profissional que consta da procuração quanto aquele que consta do substabelecimento, advogados que são, devem zelar por todos os deveres e princípios inerentes ao exercício que se lhes afigura comum: a advocacia.

Em sendo assim, conclui-se que os impedimentos de natureza ética impostos a um também o serão em relação a outro, independentemente da natureza do instrumento que lhes outorga os poderes de representação.

Trocando em miúdos, aplica-se a norma refletida no art. 19 do Código de Ética e Disciplina, cujo teor nunca é demais transcrever: “Art. 19. O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou ex-empregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o segredo profissional e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas”.

Ademais, caso o consulente tenha tido acesso a documentos estratégicos ou a informações confidencias do ex-cliente e também ex-empregador (hipótese bastante provável, aliás), fazer uso delas para contra ele advogar violaria o dever correlato e não menos relevante insculpido no art. 2º, parágrafo único, inciso I, do Código de Ética e Disciplina da OAB. Afinal, nesse caso, afrontaria a “honra, a nobreza e a dignidade da profissão”. O mesmo se aplica à utilização de tais informações para angariar causas e clientes, pois se trataria, pelo mesmo motivo, de captação ilícita de clientela.

A título de ilustração, recorra-se às judiciosas observações, de aplicação universal, constantes da obra Profession Avocat - Le Guide, segundo as quais “o segredo profissional sempre foi uma das mais fundamentais regras do exercício da profissão de advogado, e a jurisprudência, desde o fim do século XIX, reconhece nesse sigilo uma função social de ordem pública”1.

Entendo, assim, que a consulta formulada deve ser respondida no sentido de se consignar a imprescindibilidade de se observar o lapso temporal de dois anos para o patrocínio contra ex-cliente, bem assim de se respeitar o sigilo profissional a que, nos termos dos arts. 21 e 35 do CED, o advogado está perpetuamente obrigado. Precedentes: E-2.754/03, E-2.838/03, E-3.3481/07 e E-3.825/2009.

Esse, o parecer a que submeto meus ilustres pares.

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[1] Coord. Jean-Michel Braunschweig e Jack Demaison, nº 449, p. 257; nº452, p. 259, trad. livre.

DECLARAÇÃO DE VOTO DO JULGADOR DR. EDUARDO PEREZ SALUSSE

PARECER - Em primeiro lugar, adoto o relatório já apresentado pelo I. Relator Aluisio Cabianca Berezowski, manifestando a minha divergência, em sede de pedido de vista, apenas em relação a alguns limites materiais e temporais do impedimento acolhido no parecer exordial.

Restou claro, em suma, que o Consulente atuou para a sua ex-empregadora, na qualidade de advogado em aproximadamente 30 audiências, não figurando nas procurações, mas apenas nos substabelecimentos com reserva de poderes.

O presente caso guarda bastante similaridade àquele decidido no processo n. E. 4.616/2016 e, naquela oportunidade, alguns limites temporais foram fixados. E são naqueles limites que reside a minha parcial divergência com a posição assumida nestes autos.

Como bem salientou o I. Relator, tanto o profissional que consta da procuração quanto aquele que consta do substabelecimento, advogados que são, devem zelar por todos os deveres e princípios inerentes ao exercício que lhes se afigura comum: a advocacia.

É certo que o advogado exerceu papel de representação da ex-empregadora, em nome de quem agiu perante o Poder Judiciário, participando efetivamente da defesa dos seus interesses. Tomou conhecimento de informações e segredos de ordem privada e estratégica, tal como muito bem exposto pelo I. Relator.

Nesta seara, concluiu o I. Relator no sentido de que estaria impedido de contra ela advogar por dois anos, bem assim de respeitar o sigilo profissional perenemente.

Em linha com o que decidido no citado precedente e com a devida venia, penso que o impedimento deve ser temporalmente balanceado em decorrência de algumas possíveis as situações, sob pena invadir a esfera de outros direitos igualmente garantidos a todos os cidadãos.

Esta percepção parte da premissa de que a restrição ética ora sugerida objetiva, de um lado, tutelar o bem jurídico materializado pelo segredo de informações e dados protegidos por sigilo, seja pelo advogado, seja pelo ex-empregado que a eles teve acesso no exercício das suas funções laborativas. E, de outro lado, deve-se ponderar a medida exata das restrições impostas, de modo que não violem desnecessariamente os postulados da dignidade (art. 1º, III da CF/88), valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV da CF/88) e da liberdade no exercício da profissão (art. 5º, XIII, da CF/88).

Pretende-se, assim, evitar que o advogado – outrora advogado da empregadora - utilize-se de tais dados e informações para, de alguma forma, obter vantagem ilegal, imoral ou antiética quando da assunção da defesa dos interesses de determinado cliente em face da sua ex-empregadora.

Na medida em que inexistir exposição dos direitos da ex-empregadora a risco, a restrição do impedimento coloca-se em patamar não razoável e, portanto, desnecessário.

Em outras palavras, entendo que o impedimento deve imperar até a medida em que os bens jurídicos tutelados possam restar ameaçados, liberando o advogado de atuar em face da ex-empregadora quando houver a certeza de que tais bens jurídicos permanecerão intactos.

Temos, assim, algumas situações que merecem tratamento individualizado.

Nas ações nas quais o advogado Consulente tenha atuado na condição de advogado da empresa, o impedimento deve ser perenizado, restando inviável a sua atuação em qualquer tempo nas ações ainda pendentes ou naquelas que com ela guardem liames diretos ou indiretos, tais como ações rescisórias, querela nullitatis, execuções de sentença, dentre outras.

Nas ações ajuizadas após o prazo de desligamento do advogado Consulente dos quadros funcionais da sua ex-empregadora, mas que contenha reivindicação de direitos adquiridos pelo demandante em período anterior ao desligamento do advogado Consulente, entendo persistir o impedimento perene, na medida que em restará presente o risco de utilização de informações sigilosas ou privilegiadas obtidas durante a relação empregatícia.

Nas ações ajuizadas em face da empresa reivindicando direitos gerados posteriormente à saída do advogado dos seus quadros funcionais, entendo inexistir impedimento para a atuação. Deve-se apenas, nesta hipótese, respeitar o lapso temporal de 2 (dois) anos a contar da cessação da relação laborativa, por interpretação analógica dos artigos 19, 20, 25, 26 e 27 do Código de Ética e Disciplina e segundo orientação geral estampada no precedente do processo E-4.402/2014 deste órgão, a saber:

EXERCÍCIO PROFISSIONAL – ADVOCACIA CONTRA EX-CLIENTE – LIMITES ÉTICOS – LAPSO TEMPORAL DE DOIS ANOS A CONTAR DA CESSAÇÃO DOS SERVIÇOS DEVE SER A ORIENTAÇÃO GERAL, COMPORTANDO EXCEPCIONALIDADE. Nossos clientes esperam de nós advogados não apenas o pleno domínio da técnica jurídica, da arte e oficio da Advocacia, mas também e principalmente a confiança e lealdade. O interregno temporal de 2 (dois) anos a contar da cessação da prestação de serviços ou vínculo empregatício com o ex-cliente é a orientação geral a ser obedecida, salvo uma ou outra excepcionalidade, mas não apenas isto. Deve ainda o advogado, de forma perene, resguardar o sigilo profissional do que saiba em relação ao seu ofício, inclusive quanto às informações privilegiadas, bem como, se abster de patrocinar causa contrária à validade de ato jurídico para o qual tenha contribuído. Exegese dos artigos 19, 20, 25, 26 e 27 do CED, art. 34, IV do Estatuto e Resolução 17/2000, Processo E-4.109/2012 entre outros precedentes. Proc. E-4.402/2014 - v.u., em 21/08/2014, do parecer e ementa do Rel. Dr. FABIO KALIL VILELA LEITE - Rev. Dr. ALUISIO CABIANCA BEREZOWSKI - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.

Em qualquer hipótese de atuação, inclusive que tenha qualquer relação a ato jurídico do qual tenha participado, deve o advogado abster-se perenemente de utilizar de informações e dados sigilosos ou privilegiados que tenha tomado conhecimento em decorrência da sua relação laboral, o que caracterizaria grave infração ética.

Novamente pedindo venia ao I. Relator, é o meu parecer.