E-4.994/2018


EXERCÍCIO PROFISSIONAL - ADVOCACIA EM CAUSA PRÓPRIA CONTRA EX-EMPREGADORA - POSSIBILIDADE, EMBORA NÃO RECOMENDADA - NECESSIDADE DE RESGUARDO DE INFORMAÇÕES E DADOS SIGILOSOS A QUE TEVE ACESSO

O advogado empregado que pretenda ajuizar ação contra a ex-empregadora ou se defender em ações onde figure como réu, não comete infração ética, embora seja recomendável que se abstenha de advogar em causa própria a fim de garantir uma atuação eficiente e independente. Em qualquer hipótese, independentemente da natureza da causa, deve o advogado se abster de utilizar ou divulgar informações sigilosas a que teve acesso em decorrência das funções que desempenhou na empresa, sob pena de caracterização de infração ética. É irrelevante o lapso temporal decorrido entre o encerramento da relação de emprego e o ajuizamento da ação judicial. Em se tratando de reclamação trabalhista contra o ex-empregador ou causa previdenciária, recomenda-se constituir advogado pela questão da retratação confessional. Proc. E-4.994/2018 - v.u., em 26/04/2018, do parecer e ementa do Rel. Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE, com declaração de voto do Julgador Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI, Rev. Dra. MARCIA DUTRA LOPES MATRONE - Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI.

RELATÓRIO - Trata-se de consulta formulada pelo Advogado (...), inscrito na OAB/SP sob n. (...), que pretende a manifestação deste Tribunal Deontológico quanto à seguinte situação hipotética:

- o Advogado empregado, após pedir demissão do emprego, que pretenda ajuizar ações cíveis ou trabalhistas relativas a direitos próprios contra o ex-empregador ou caso seja réu em ação judicial movida pelo ex-empregador, poderá advogar em causa própria?

- tal entendimento se aplica mesmo que não decorrido o prazo de quarentena para advogar contra ex-empregador?

PARECER - 1. Nos termos do art. 71 do Código de Ética e Disciplina, a seção Deontológica do Tribunal de Ética e Disciplina é competente para responder consultas formuladas em tese, razão pela qual conheço da consulta e passo a respondê-la nos seguintes termos.

2. A consulta se refere à possibilidade do advogado empregado atuar em causa própria contra ex-empregador. Embora não tenha sido mencionado na consulta, é de se deduzir que o advogado empregado tinha pleno conhecimento das atividades do empregador, acesso a informações sigilosas, atuava em seu favor em ações judiciais, entre outras atividades inerentes à profissão.

3. Nos termos do art. 21 do Código de Ética e Disciplina, ao postular contra ex-empregador, o advogado deve resguardar o sigilo profissional. Isso evidentemente inclui o resguardo das informações que teve conhecimento enquanto desempenhava suas funções na antiga empregadora.

As orientações contidas no Código de Ética e Disciplina da OAB se aplicam tanto ao advogado que atua para terceiros, quanto à advocacia em causa própria, não havendo distinção entre elas.

Uma vez que a consulta menciona apenas a advocacia em causa própria contra ex-empregador, entende este relator que não há impedimento ético do advogado atuar em causa própria buscando direitos próprios, desde que respeitando sempre o sigilo profissional, omitindo quaisquer informações ou dados sigilosos a que teve acesso durante o desempenho de suas funções no ex-empregador. Ademais, o advogado não poderá atuar em processos que tenham por objeto a validade de ato jurídico em que tenha colaborado.

Vale lembrar que muito embora não haja infração ética, a advocacia em causa própria não é recomendável, uma vez que dificilmente se teria a isenção e o sigilo necessários para uma defesa eficiente e independente.

Quanto ao lapso temporal, este é indiferente, devendo a orientação constante deste parecer ser seguida a qualquer tempo.

3.1. Nesse sentido já decidiu este Tribunal Deontológico. Confira-se:

EXERCÍCIO PROFISSIONAL – ADVOCACIA EM CAUSA PRÓPRIA E A FAVOR DE TERCEIROS CONTRA EX-EMPREGADOR – LIMITES ÉTICOS – POSSIBILIDADE. A advocacia em causa própria ou a favor de terceiros contra antigo empregador somente é possível em causas diferentes das que patrocinou e, além disso, se não houver necessidade ou risco do uso de qualquer dado revestido pelo sigilo profissional e, ainda, se inexistir o risco de vantagens ilegítimas, decorrentes da advocacia anteriormente exercida em favor do empregador, independentemente do lapso temporal decorrido. As ações não poderão ter qualquer relação fática ou jurídica com aquelas em que tenha atuado, nem tampouco conexão, entendida esta em sentido amplo. Não há impedimento ético quanto à possibilidade do advogado patrocinar causas em causa própria ou a favor de terceiros contra antigo empregador quando aí não exerceu o cargo e nem as funções de advogado. Nos casos de advocacia em causa própria o advogado deve ter sempre em mente que deve abster-se de patrocinar causa contrária à validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido em consulta, e deve resguardar o segredo profissional e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas. A advocacia em causa própria contra antigo empregador não é recomendável, principalmente nas causas trabalhistas tendo em vista a retratação confessional. Não é sem motivo que o artigo 43 do CED determina que nos casos de cobrança judicial de honorários o advogado deve fazer-se representar por um colega. Precedentes E-4.098/2012, E-4.020/2011, E-3.982/2011, E-3.866/2010, E-3.918/2010, E-4.109/2012 e E-4.295/2013. Proc. E-4.316/2013 - v.u., em 17/10/2013, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI - Rev. Dr. FÁBIO GUIMARÃES CORRÊA MEYER - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.

4. Concluindo, em qualquer hipótese, mesmo envolvendo causas de outras naturezas que não a trabalhista, ao advogar em causa própria contra ex-empregador, deve o consulente se abster perenemente de utilizar ou divulgar informações sigilosas a que teve acesso em decorrência das funções que desempenhou na empresa, sob pena de caracterização de infração ética, lembrando que essa modalidade de advocacia não é recomendada, sendo ideal a contratação de outro advogado para defender os interesses do advogado ex-empregado.

É o meu parecer.

DECLARAÇÃO DE VOTO DO JULGADOR DR. LUIZ ANTONIO GAMBELLI

RELATÓRIO - O consulente deseja saber se existe impedimento ético do advogado promover em causa própria ação em face do seu ex-empregador ou delas se defender quando acionado pelo seu ex-empregador.

PARECER - O relator em bem fundamentado voto entendeu inexistir impedimento ético, recomendando substituir-se por colega, manter o sigilo dos segredos e das informações confidenciais a que teve acesso e não advogar contra ato jurídico que tenha participado ou patrocinado.

Pedimos vista para melhor examinar o voto e verificar se no voto havia também na abordagem do tema a questão da reclamação trabalhista em causa própria contra o ex-empregador pela questão da retratação confessional.

O assunto não foi abordado na ementa, mas fez parte do parecer em citação de ementa do Processo n. E-4.316/2013.

Desta forma, concordamos com o douto relator.