E-5.074/2018
PROCURADOR DO MUNICÍPIO E VEREADOR - CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS - NECESSIDADE DE VERIFICAR VEDAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO - ARTIGO 30, INCISOS I E II DO EOAB - HIPÓTESES DE IMPEDIMENTO PARCIAL - IMPEDIMENTO DO VEREADOR QUE AFETA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE PROCURADOR DO MUNICÍPIO.
A indagação sobre a possibilidade de cumulação dos cargos de procurador municipal e vereador foge à competência da Turma Deontológica do Tribunal de Ética da OAB/SP. A esse respeito, deve o interessado analisar a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município respectivo. No entanto, o impedimento de que trata o inciso II do artigo 30 do EOAB, ao vedar o exercício da advocacia, pelo vereador, em favor do ente público municipal, acaba por obstar o exercício da função de procurador do município, a quem cabe exatamente a defesa do município. Consequentemente, há impossibilidade ética de cumulação dos cargos de vereador e procurador do município, por decorrência lógica da aplicação cumulativa das hipóteses de impedimento do artigo 30. Precedente. Proc. E-5.074/2018 - v.u., em 20/09/2018, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO TEIXEIRA OZI, com declaração de voto da julgadora Dra. CRISTIANA CORRÊA CONDE FALDINI, Rev. Dr. FABIO KALIL VILELA LEITE - Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI.
RELATÓRIO - A Subseção de (...) da Ordem dos Advogados do Estado de São Paulo, dirige a esta Turma Deontológica consulta formulada pelo advogado (...), integrante da banca de advogados (...) Sociedade de Advogados, sobre a possibilidade de cumulação de cargos públicos com o exercício da advocacia.
Em sua indagação, pede o advogado resposta objetiva sobre a possibilidade de um procurador municipal cumular essa função com o cargo de vereador, considerando “as duas situações descritas no artigo 30” do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (“EOAB”).
PARECER - Compete a esta Turma Deontológica apreciar consultas formuladas em tese sobre matéria ético-disciplinar, nos termos do artigo 71, inciso II, do Código de Ética e Disciplina e do artigo 136, § 3º, inciso I, do Regimento Interno desta Seccional.
No caso ora tratado, em que pese se estar diante de uma situação aparentemente concreta, entendo que o tema é relevante e pode ser analisado em tese, razão pela qual conheço da consulta, para manifestar meu entendimento quanto à potencial configuração de impedimento ético na hipótese.
De início, convém ressaltar que a competência desta Turma Deontológica se restringe à análise ético-disciplinar da atuação do advogado no exercício da advocacia.
Assim, a indagação sobre a possibilidade de cumulação dos cargos de procurador municipal e vereador foge à competência deste órgão. A esse respeito, deve o interessado analisar a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município respectivo e verificar eventual vedação nesse sentido.
A despeito dessa ressalva, importa consignar que o artigo 30 do EOAB, invocado pelo advogado, lista os casos de impedimento ao exercício da profissão de forma muito clara:
“Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora; e
II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.
Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso I os docentes dos cursos jurídicos”.
Depreende-se da dicção do citado dispositivo, portanto, que o exercício da advocacia traz algumas hipóteses taxativas de impedimento, que não se confundem com a incompatibilidade descrita no artigo 28 do EOAB.
Os procuradores do município são considerados servidores da administração direta e, assim, estão impedidos de exercer a advocacia, nos termos do inciso I do artigo 30 do EOAB, contra a Fazenda Pública que os remunera, no caso, o Município.
Já os vereadores, como membros do Poder Legislativo, desde que não integrem a mesa diretiva da Câmara Municipal (caso de incompatibilidade), nos termos do inciso II do artigo 30 do EOAB, são impedidos de exercer a advocacia contra ou a favor dos entes públicos listados no citado dispositivo, dentre os quais, por óbvio, o Município.
O impedimento, em qualquer uma das hipóteses, cumpre apontar, não se limita ao patrocínio de causas, estendendo-se também à consultoria ou à elaboração de pareceres.
Dessa forma, em que pese a ressalva acerca da possibilidade de cumulação de cargos deva ser confirmada na Constituição Federal e na Lei Orgânica do Município, entende este Relator que o impedimento de que trata o inciso II do artigo 30 do EOAB, ao vedar o exercício da advocacia em favor do ente público, acaba por obstar o exercício da função de procurador do município, a quem cabe exatamente a defesa do Município.
Ou seja: a despeito de o artigo 30 do EOAB tratar de duas hipóteses distintas de impedimento ao exercício da advocacia, este Relator não vislumbra a possibilidade de o procurador do município, dentro das atribuições jurídicas inerentes ao cargo, exercer a defesa do ente público, uma vez que esta é vedada ao vereador.
É nesse sentido, inclusive, precedente desta Turma Deontológica:
IMPEDIMENTO. VEREADOR. POSSIBILIDADE. IMPEDIMENTO PARCIAL DE ADVOGAR CONTRA OU A FAVOR DO PODER PÚBLICO NO QUE SE REFERE À ADVOCACIA CONTENCIOSA E CONSULTIVA. IMPEDIMENTO QUE ALCANÇA O CARGO DE PROCURADOR JURÍDICO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE DA CONCOMITÂNCIA DO CARGO DE VEREADOR COM O DE PROCURADOR JURÍDICO MUNICIPAL. Advogado eleito vereador está impedido de advogar, nas áreas contenciosa e consultiva, incluída a lavratura de pareceres, contra ou a favor de “pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público”. Inteligência do art. 30, II, do EAOAB. Como Procurador Jurídico Municipal, que foi eleito vereador, tem por dever a defesa do Poder Público. O impedimento o alcança, ainda que exerça atividade meramente consultiva. Impossibilidade, assim, da concomitância dos cargos de vereador e Procurador Jurídico Municipal. (Processo E-3.156/05. v.u., em 19/05/05, parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI – Rev. Dr. RICARDO GARRIDO JÚNIOR – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE).
Portanto, respondendo objetivamente como solicitou o advogado à Consulente, há que se reconhecer a impossibilidade ética de cumulação do cargo de procurador municipal com a função de vereador, porque, enquanto investido no cargo de procurador, o advogado, invariavelmente, terá que advogar em favor do ente público, atuação esta expressamente vedada àquele investido do mandato de vereador, por força do artigo 30, II, do EOAB.
É o parecer que submeto aos meus pares.
DECLARAÇÃO DE VOTO DA JULGADORA DRA. CRISTIANA CORRÊA CONDE FALDINI
RELATÓRIO - Adoto o relatório a respeito da consulta formulada, que trata da possibilidade de acumulação de cargo de procurador municipal com mandato eletivo de Vereador e seus reflexos quanto ao impedimento para exercício da advocacia, na forma do artigo 30, I e II, do Estatuto da Advocacia, que assim dispõe:
Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I – os servidores da administração direta, indireta ou fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;
II – os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.
PARECER - O bem fundamentado voto opinou pela incompatibilidade do exercício das funções de procurador do município em decorrência do disposto no artigo 30, inciso II, do Estatuto da Advocacia. Isto porque, em sendo incompatível aos vereadores que exerçam a advocacia, em favor ou contra as pessoas jurídicas elencadas no dispositivo, não poderia haver a compatibilização com as funções de procurador, ainda que a legislação local assim autorizasse.
Ocorre que a interpretação lançada pelo voto do I. Relator, acompanhado pelo não menos I. Revisor, parece excessivamente rigorosa, pois os dispositivos legais em questão se consubstanciam em normas restritivas, que, como tal, devem ser interpretadas restritivamente.
Parte-se da premissa de que a legislação que rege a situação funcional do procurador do município autoriza a acumulação do cargo com o exercício do mandato eletivo de vereador, sem qualquer exigência de afastamento.
Assim, na qualidade de procurador municipal haveria subsunção à regra do inciso I, do artigo 30, que lhe impediria de exercer a advocacia contra a Fazenda que o remunera.
Não obstante, a norma do inciso II é mais ampla, pois também impede o exercício da advocacia pelos membros do Legislativo em favor dos entes que integram a Administração Pública direta ou indireta, além das entidades paraestatais.
O disposto na norma destina-se aos advogados que ocupem funções ou cargos no Poder Legislativo. A advocacia privada em sentido amplo, portanto, não lhes estaria suprimida.
No mesmo sentido em relação à norma do inciso I. A advocacia particular não ficaria impedida aos membros da administração direta, indireta e fundacional, salvo se abrangesse a representação de interesses em face da Fazenda Pública que os remunera.
A interpretação ora proposta, no entanto, impede o exercício da advocacia pública, das funções inerentes ao cargo de procurador do município, ainda que possa permitir a advocacia privada (se também compatível com esse cargo). Considerando, portanto, potencialmente compatíveis os cargos e exercício de procurador municipal, vereador e advogado privado (se assim o autorizar a legislação municipal), o entendimento apresentado pela n. relatoria acabaria por impedir apenas e exclusivamente o exercício do cargo de procurador municipal, o que poderia não configurar a melhor interpretação finalística da norma.
Nesse sentido, será possível defender que a melhor interpretação ao inciso II do artigo 30 referido conduziria à conclusão de que o impedimento do exercício da advocacia ali tratado dirige-se aos serviços contratados para tal em âmbito externo à relação funcional travada com o poder Legislativo. Não abrange, por óbvio, os membros do órgão jurídico do próprio Legislativo (procuradoria do Legislativo), porque o exercício da advocacia é inerente ao cargo ou função ocupado.
No mesmo sentido em relação aos procuradores municipais. Essa relação funcional cujo cerne das funções seja o exercício da advocacia não pode estar abrangida pelo inciso II quando for legalmente autorizada à acumulação de cargos.
Quanto ao inciso I, também possível refletir como destinado à relações externas às funcionais. Ou seja, os servidores da administração direta, indireta e fundacional, se e quando forem exercer a advocacia (porque têm essa formação, independentemente das atividades exercidas no quadro do órgão que integram), não podem fazê-lo contra a Fazenda Pública que os remunera. Também não se poderia retirar qualquer restrição à atuação como procurador municipal.
Não obstante, a redação da norma do inciso II, do artigo 30, do Estatuto da OAB não deixou clara essa distinção de relações. O entendimento já manifestado por essa Turma, portanto, privilegia a cautela no impedimento do exercício da advocacia no âmbito público. Assim que, o membro do Legislativo, pela leitura sistemática dos dispositivos, não está autorizado a exercer a advocacia em nome ou contra as pessoas jurídicas ali elencadas, o que abrangeria as pessoas políticas (municípios) e seus procuradores municipais ou advogados contratados.
Sem prejuízo de revisitar a questão diante de novas consultas ou subsídios em tese extraídos a partir de casos concretos, acompanho o voto do Relator.