E-5.214/2019


ADVOGADO E SÍNDICO – O ADVOGADO DEVE SEMPRE EVITAR A CAPTAÇÃO DE CLIENTELA E A CONCORRÊNCIA DESLEAL QUE PODEM CARACTERIZAR INFRAÇÃO ÉTICA – É DEVER DO ADVOGADO RESGUARDAR SIGILO PERENE DAS INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS OBTIDAS EM DECORRÊNCIA DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.

É garantido ao advogado o exercício de outras profissões ou atividades desde que em local diferente da prática jurídica. O advogado deve sempre tomar todo o cuidado para se evitar a captação indevida de clientes, bem como praticar concorrência desleal que podem caracterizar infração ética. Há também que ponderar que algumas situações se traduzem em potencial conflito de interesses que deve ser evitado, além de ser obrigatório resguardar sigilo perene das informações eventualmente privilegiadas que tenha em decorrência do exercício da advocacia. Precedentes: E-3.527/2007 e E-4.378/2014. Proc. E-5.214/2019 - v.u., em 26/06/2019, do parecer e ementa da Rel. Dra. RENATA MANGUEIRA DE SOUZA, Rev. Dr. JORGE RADI JUNIOR - Presidente Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE.

 

Relatório

Trata-se de consulta formulada, em 30/04/19, pelo consulente (...), que apresenta 5 questões sobre a possibilidade de advogado que exerce a função de síndico poder patrocinar causas de moradores do condomínio no qual exerce o cargo e outras correlacionadas ao tema.

É o resumido relatório.

 

Parecer

A situação narrada envolve hipótese concreta vivenciada pelo Consulente e, embora não caiba a esse E. Tribunal analisar caso concreto, esta Relatora buscará responder em tese a fim de possibilitar que o novel advogado possa atuar melhor amparado diante da relevância da dúvida apresentada, pois as questões implícitas na consulta captação de clientela e sigilo profissional, são daquelas que perseguem os advogados todos os dias durante sua vida profissional.

Assim, é possível conhecer a consulta e respondê-la em tese, nos termos do disposto no artigo 71, II, Código de Ética e Disciplina, especialmente diante da inscrição do Consulente ter sido efetivada em fevereiro de 2019.

Importante também elogiar a postura do Consulente em consultar esta Turma Deontológica antes de eventualmente praticar alguma infração ética.

As questões formuladas pelo consulente foram:

1)    O Advogado que também exerce a função de síndico, pode patrocinar causas de moradores do prédio onde exerce este cargo que não tenha ligações com o prédio?

2)    Caso o Advogado que exerce a função de síndico tenha uma sociedade de Advogados, seus sócios podem patrocinar causas para o prédio do qual o advogado sócio é síndico?

3)    Caso o Advogado que exerce a função de síndico tenha advogados associados, os advogados associados podem patrocinar causas para o prédio do qual o advogado principal é síndico?

4)    O Advogado pode patrocinar causas de empregados do prédio onde exerce a função de síndico que não tenham nenhuma ligação com o prédio (ou seja, ações diversas não relacionadas ao contrato de trabalho)?

5)    O Advogado, sócio de empresa que é síndica do prédio, pode patrocinar causas do prédio onde sua empresa faz a sindicância?

Nada impede que advogado, em edifício onde reside, venha candidatar-se e ser eleito síndico ou ainda, como advogado que é, vir a ser contratado por seus vizinhos ou pelo próprio condomínio, conforme a seguir melhor explicado.

Nesse contexto, o presente parecer se resumirá a esclarecer, em tese, as indagações trazidas na consulta.

O impedimento legal previsto Estatuto da OAB é personalíssimo e deve ser interpretado de forma restritiva e não deve ser confundido com o impedimento ético, motivo pelo qual o fato de uma pessoa ser advogado (a) não impede de desempenhar outras atividades profissionais, desde que não em conjunto, leia-se, no mesmo local, com a advocacia. Também é possível que um advogado atue de forma voluntária em entidades de classe, condomínios, associações e etc.

Porém, embora não haja impedimento legal conforme disposto no Estatuto da Advocacia, tal fato não retira do advogado o dever de observar todos os deveres ético profissionais especialmente aqueles dispostos no Código de Ética e Disciplina, tomando o devido cuidado para evitar a captação indevida de clientes e concorrência desleal, o que poderá se traduzir em infração disciplinar, bem como resguardar sigilo perene das informações eventualmente privilegiadas que tenha em decorrência da prática jurídica.

De forma pedagógica, em resposta à indagação 1 do Consulente, sim, pode o advogado que também seja síndico, patrocinar causas de moradores do prédio no qual exerce a referida função, especialmente se tais causas não tenham ligações com o condomínio.

Em relação às demais indagações, há que se considerar que no plano puramente ético a captação de causas e clientes é flagrante, mormente se considerado que algumas causas seriam repassadas para os sócios do escritório onde exercer a advocacia, ou seja, estaria ainda atuando como agenciador ou intermediário, atitude esta considerada infração disciplinar nos moldes do artigo 34, incisos III e IV do Estatuto, que trata do agenciador de causas e formas de angariar e captar causas com ou sem a intervenção de terceiros.

Evidencia-se que nenhuma forma de captação de causas e clientes é permitida pelo Estatuto, sendo a inculca considerada atentatória à dignidade da profissão.

Não raras vezes defrontamos neste Sodalício com situações que extrapolam a normatização interna, alcançando o direito positivo, face inteiração de uma com a outra, como na espécie.

A figura do síndico confunde-se hoje com a própria figura do administrador, podendo aquele ser pessoa natural, até mesmo estranha ao corpo de moradores, ou ainda pessoa jurídica especialmente contratada para tal.

O assunto é regulado pela Lei nº 4.591/64 e pelo Código Civil em vigor nos seus artigos 1314 a 1357, além de outras normas correlatas.

De qualquer forma o artigo 1348 do Código Civil, ao estabelecer a competência do Síndico, em seu inciso II, dispõe:

Art. 1348 – Compete ao síndico:

II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

Este Sodalício tem enfrentado desde há muito, questões relacionadas ao advogado preposto, ensejando, quando da redação do atual Código de Ética e Disciplina OAB, o artigo 25:

Art. 25. É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como patrono e preposto do empregador ou cliente. (g.n.)

Ainda que cabível perfeitamente a aplicação analógica ao caso, nota-se que o legislador ao mencionar a palavra “processo”, não o qualificou como exclusivamente trabalhista, e quanto ao preposto, não apenas do empregador, alcançando assim outros segmentos da ciência do direito, como a área cível.

A vedação noticiada estriba-se em possível conflito entre a figura do representante legal de um dos pólos da ação, seja como autor ou réu, cumulativamente com a de patrono da causa.

Neste sentido, para não alongar, sugere-se a leitura dos artigos 388, II do CPC/15, 154 do CP, 207 do CPP, artigo 843, § 1º da CLT, entre outros.

A incompatibilidade de condutas recomenda a não cumulação de atividades de representação legal, seja como síndico, preposto ou assemelhado com a de advogado, patrocinando causa para a pessoa jurídica que representa.

Em acréscimo ao artigo 25 do CED há, em diapasão, o constante nos artigos 35 a 38 do mesmo diploma sobre o sigilo profissional que resguardam o direito/dever de sigilo que é perene ao Advogado.

Este mesmo Tribunal Deontológico, em sessão de 22 de maio de 1995, por votação unânime, acolheu o parecer do então Decano à época, Conselheiro Dr. Milton Basaglia, de seguinte ementa:

PATROCÍNIO - ADVOGADO E PREPOSTO - IMPOSSIBILIDADE NO JUÍZO CÍVEL E TRABALHISTA É vedado ser preposto e advogado no mesmo processo, quer trabalhista, quer cível. Comparecendo como preposto, nesse processo, jamais poderá atuar como advogado. Incompatível também o inverso. A vedação é para todo e qualquer ato, inclusive mera juntada de procuração, ainda que por terceiro (colega) (art. 23 do CED). Proc. E - 1.240 - V.U. - Rel. Dr. MILTON BASAGLIA - Rev. Dr. DANIEL SCHWENCK - Presidente Dr. ROBISON BARONI.

No entender desta Relatoria, nada mudou embora decorridos 25 anos da referida decisão, sendo a ementa acima bastante esclarecedora e que poderá nortear a atuação profissional do Consulente.

Nesse sentido, também é elucidativa a decisão desta Turma Deontológica a seguir transcrita:

E-3.527/2007 – ADVOGADO E SÍNDICO – CUMULAÇÃO DE AMBAS – CAPTAÇÃO DE CAUSAS E CLIENTES – RESTRIÇÕES ADVINDAS DE SIGILO PROFISSIONAL – CONFLITO ENTRE REPRESENTAÇÃO LEGAL E PATRONATO – FUNÇÕES INCONCILIÁVEIS E INCOMPATÍVEIS. Nada impede que advogado em edifício onde reside, venha candidatar-se e ser eleito síndico ou ainda, como advogado que é, vir a ser contratado por seus vizinhos ou pelo próprio condomínio como patrono deste para as causas de interesse coletivo, descabendo, entretanto, a cumulação e interação das duas figuras, advogado e síndico, pois uma exclui a outra. No plano puramente ético a captação de causas e clientes é flagrante, pois viria a patrocinar todas as causas do condomínio, inclusive, a advocacia extrajudicial na medida que realizaria acordos de débitos condominiais, conforme consulta. Evidencia-se que nenhuma forma de captação de causas e clientes é permitida pelo Estatuto, sendo a inculca considerada atentatória à dignidade da profissão. No plano do direito positivo exsurge o conflito entre a figura do representante legal da pessoa jurídica, seja ele síndico, preposto ou assemelhado, num dos pólos da ação, cumulativamente com o patronato da causa, tornando as funções igualmente inconciliáveis e incompatíveis, como exemplificado nos artigos 344, parágrafo único e 347 do CPC, artigo 843, 1º da CLT, entre outros. Exegese dos artigos 23, 26 e 27, § único do CED, 34, III e IV do Estatuto, 1.348 do Código Civil e processo 1.240/1995 deste Sodalício. V.U., em 18/10/2007, do parecer e ementa do Rel. Dr. FABIO KALIL VILELA LEITE – Rev. Dr. LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO – Presidente Dr. CARLOS ROBERTO F. MATEUCCI.

 

Porém, é sabido que esta Turma entende que há possibilidade de atuação profissional desde que não haja conflito de interesses e utilização de informações privilegiadas que se relacionem como o objeto da causa, conforme ementa a seguir:

 

E–4.378/2014 – EXERCÍCIO PROFISSIONAL – ADVOGADO DE CONDOMÍNIO OU SÍNDICO – ATUAÇÃO – NÃO HÁ IMPEDIMENTO ÉTICO CASO NÃO HAJA CONFLITO DE INTERESSES OU INDEVIDA UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS QUE SE RELACIONEM COM O OBJETO DA AÇÃO. Advogado síndico de condomínio residencial ou advogado de condomínios não está eticamente impedido de atuar em outra ação contra qualquer condômino, desde que os fatos não tenham conflito com os interesses do condomínio para qual atua, bem como não possua informações privilegiadas que possam favorecê-lo na ação. Proc. V.U., em 25/06/2014, do parecer e ementa da Rel. Dr. SYLAS KOK RIBEIRO - Rev. Dr. JOÃO LUIZ LOPES - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.

Ressalte-se que tal decisão foi derivada de questionamento sobre a possibilidade de ser síndico do condomínio e ser contratado para atuar em divórcio de moradores do referido local, situação em que deve o Advogado refletir se poderá advir a utilização de informações privilegiadas.

Assim, pelos fundamentos expostos ao consulente caberá optar ou por ser síndico do Condomínio onde vive, praticando ato de gestão administrativa, cabendo ao mesmo não apenas realizar a representação legal do mesmo, em juízo ou fora dele, ou, declinando do honroso cargo, por ser advogado do condomínio, se for convidado para tal, sempre respeitando o balizamento ético-estatutário, mas nunca cumulando ambas as funções, pois inconciliáveis e incompatíveis.

É o parecer que submeto aos meus pares.