E-5.865/2021
EXERCÍCIO PROFISSIONAL – ADVOGADO NA FUNÇÃO DE ANALISTA SEM PODER DE DECISÃO – IMPEDIMENTO – IRRELEVANTE A FUNÇÃO EXERCIDA PREVALECENDO O PODER DECISÓRIO – ANALISTA COM PODER DECISÓRIO ADENTRA NO CAMPO DA INCOMPATIBIDADE EM FACE DO CAMPO FÉRTIL PARA INFLUÊNCIA INDEVIDA – INTELIGÊNCIA DOS ART. 27 USQUE 31 DA LEI 8.906 DE 04 DE JULHO DE 1994, COM OBSERVÂNCIA DA LEI 14.365 DE 02.6.2022.
A diferença fundamental entre incompatibilidade e impedimento é que, no primeiro caso, o advogado não pode advogar em hipótese alguma e, no segundo caso, tem restrição para advogar contra determinadas pessoas jurídicas ou, dado seu cargo ou função, é proibido de advogar, seja contra ou a favor de determinadas pessoas jurídicas, explicitado no Capítulo VII- artigos 27 ao 30 da lei 8906 de 04 de julho de 1994, com as observações trazidas pela lei 14.365 de 02 de junho de 2022. No campo da incompatibilidade ou impedimento é que o advogado atua com absoluta independência e isenção sob qualquer especificidade e que o exercício de algumas funções não propicie a angariação de clientela ou facilitação decorrente do exercício público. O advogado/analista somente estará impedido ou incompatível de advogar caso tenha (incompatibilidade) ou não tenha (impedimento) poder de decisão com relação a terceiros como decisão final. Influência indevida cai no vasto campo da captação de clientela e concorrência desleal. Precedentes: E-4.974/2017, E-3.927/2010, E-4.625/2016; E-4.624/2016. Proc. E-5.865/2021 - v.u., em 23/06/2022, parecer e ementa do Rel. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF, Revisora – Dra. FERNANDA ABREU TANURE - Presidente Dr. JAIRO HABER.
Os fatos
O consulente, em vasto arrazoado, indaga sobre Incompatibilidade do exercício de advocacia com o exercício de cargo ou emprego público de analista jurídico sem poder de decisão e assim se expressa:
a) “dúvida que afeta a nossa atividade profissional durante a militância no Direito de acerca da compatibilidade ou não do exercício da advocacia com o exercício concomitante de cargo ou emprego público de nível superior em direito (Analista Jurídico) nos órgãos públicos da administração direita ou indireta, sem poderes de decisão”.
b)
1.Faz alusão fundamentada de nossa competência;
2. faz elogios a esta Corte Ética; menciona o art. 28 e itens do Estatuto da Advocacia (§ 2o Não se Incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico) e, por último, apresenta sua dúvida:
3. “A dúvida surge conjugando o disposto no artigo 30 do Estatuto da OAB com o artigo 28 do mesmo diploma. Isso porque o artigo 30, a contrário senso, parece autorizar o exercício da advocacia pelos servidores e empregados públicos que não estejam enquadrados no artigo 28 do mesmo diploma”.
3) Apresenta julgado desta Turma: Proc. E-4.974/2017 - v.u., exarado em 22/02/2018, do parecer e ementa do Rei. Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, Rev. Dr. EDUARDO PEREZ SALUSSE - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF e nele fundamenta sua dúvida ética que assim dispõe:
Conforme precedentes deste Tribunal de Ética: “irrelevante a denominação do cargo público que venha a ser eventualmente ocupado por um advogado para verificar se se está diante de um caso de impedimento ou incompatibilidade. Alguns dos pontos balizadores da incompatibilidade prevista no art. 28, III, do Estatuto são:
O que importa não é a denominação ou tipo dos cargos, mas sim o fato do poder de decisão que tenha o detentor daquele, especialmente em relação a terceiros;
É relevante quem exerça o ato decisório final, mesmo que caiba recurso à instância superior, e não aqueles que estejam apenas assessorando, mas sem poder decisório;
Cargos de natureza burocrática ou interna, ainda que tenham grau de influência e/ou destaque, mas sem poder de decisão, incidiriam na hipótese de impedimento - vedação parcial à prática da advocacia - e não de incompatibilidade. Ou seja, não sendo caso de incompatibilidade, enquanto o advogado ocupar o cargo público haverá vedação parcial à prática da advocacia, restrita à Fazenda Pública que o remunera, abrangendo todos os órgãos da administração direta e indireta, vinculados à mesma. (Precedentes: E-3.927/2010, E-4.625/2016 e E-4.624/2016)".
(Proc. E-4.974/2017 - v.u., em 22/02/2018, do parecer e ementa do Rei. Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, Rev. Dr. EDUARDO PEREZ SALUSSE - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.).
4) Prossegue o consulente em uma dúvida expositiva baseada, fundamentalmente, no parecer acima e dentro de uma hermenêutica subjetiva:
“O item 3 do precedente afirma que “Cargos de natureza burocrática ou interna, ainda que tenham grau de influência e/ou destaque, mas sem poder de decisão, incidiriam na hipótese de impedimento - vedação parcial à prática da advocacia - e não de incompatibilidade”.
“As dúvidas objetivas também aparecerem na utilização do termo “natureza burocrática”, bem como de quem seria o juízo do conselho competente da OAB mencionado no §2°, do artigo 28 do Estatuto da OAB.”
“Analistas Jurídicos em geral são auxiliares das repartições públicas as quais trabalham, não sendo requerida para o exercício de sua função da inscrição na Ordem dos Advogados, tampouco possuem poder de decisão”.
Dessa forma, de nossa parte, entende-se que haveria a compatibilidade do exercício da advocacia, sendo apenas impedidos de advogar contra a Fazenda Pública que os remunera.
Entretanto, por se tratar de tema delicado e tênue, requer-se, com a finalidade de dirimir de forma clara, tendo em vista não constar expressamente autorização para o exercício da advocacia por aqueles que ingressaram no serviço público, que seja expedida solução de consulta a fim de dirimir as seguintes dúvidas objetivas em abstrato:
Dúvidas do consulente
“Há impedimento ou incompatibilidade para o exercício da advocacia quando no exercício de Cargo ou Emprego Público de Analista Jurídico da Administração Direta ou Indireta, de direito público ou privado, sem quaisquer poderes de decisão?
Há impedimento ou incompatibilidade mesmo que o órgão, ao qual o servidor Analista Jurídico esteja vinculado, autorize o exercício da profissão de advogado concomitante?
O artigo 30 do Estatuto da OAB autoriza o exercício da advocacia por qualquer servidor público, observado o disposto no artigo 28 do mesmo diploma?
Qual seria o conselho competente da OAB, qual a extensão e poderes para autorizar o exercício da advocacia em concomitância com o exercício de cargo ou emprego público de analista jurídico mencionado no §2°, do artigo 28 do EOAB?”
Da Competência e sua adequação ética
Art. 71. Compete aos Tribunais de Ética e Disciplina:
I – Julgar, em primeiro grau, os processos ético-disciplinares;
II – Responder a consultas formuladas, em tese, sobre matéria ético-disciplina. (Código de Ética e Disciplina
(Art. 7º. A Primeira Turma do TED, designada deontológica, tem abrangência em todo o Estado de São Paulo e é competente para:
I - responder consultas que lhe forem formuladas, com a finalidade de orientar e aconselhar os inscritos na Ordem, bem como estabelecer diretrizes e parâmetros éticos a serem observados pela Classe).
Precedentes:
E-2.588/02, E-2.649/02, E-2.656/02, E-2.770/03, E-3.386/2006, E- 3.991/2011, E-4.177/2012, E-4.201/2012, E-4.240/2013, E-4.264/2013, E-4.567/2015, E-4.377/2014, E-4.364/2014, E-4.241/2013, E-5.299/2019, E-5.689/2021;
Eis o relatório. Passo ao parecer:
Parecer
Conheço parcialmente da consulta por envolver matéria ética e como tal será tratada, em tese.
Deixo de apreciar, parcialmente, a última das quatro dúvidas apresentadas pelo consulente, por não se tratar de dúvida ética e sim funcional que foge a competência desta Corte ética e deve ser encontrada no site OAB, Estatuto da Advocacia e no Regulamento Geral.
Quanto as dúvidas do consulente pode-se afirmar que a diferença fundamental entre incompatibilidade e impedimento é que, no primeiro caso, o advogado não pode advogar em hipótese alguma e, no segundo caso, tem restrição para advogar contra determinadas pessoas jurídicas ou, dado seu cargo ou função, é proibido de advogar, seja contra ou a favor de determinadas pessoas jurídicas, explicitado no Capítulo VII- artigos 27 ao 30- da lei 8906 de 04 de julho de 1994, com as observações trazidas pela lei 14.365 de 02 de junho de 2022.
No campo da incompatibilidade ou impedimento é que o advogado atua com absoluta independência e isenção sob qualquer especificidade e que o exercício de algumas funções não propicie a angariação de clientela ou facilitação decorrente do exercício público.
Sempre é pedagógico ressaltar que as hipóteses de incompatibilidade e de impedimento são taxativas, em que pese o texto legal conter disposições abertas.
Isto em face do que dispõe art. 5º, XIII da Constituição Federal que garante ser: "livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" e o “art. 22 da norma maior esclarecer que “compete privativamente à União legislar sobre: ... XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões, permitir, interpretação ampliativa, como nos incisos IV e V do art. 28 do Estatuto da Advocacia, que mencionam cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e, ainda, atividade policial de qualquer natureza.
Na realidade ética, o que se impede nos casos de incompatibilidade e de impedimento é exatamente o uso de prestígio pessoal funcional com o propósito de captar cliente e, desta forma, concorrer, antiética e ilegalmente, com seus pares de profissão.
Destaque pedagógico
Considerando o caráter pedagógico desta Corte Ética cumpre observar que as causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos incisos V e VI do artigo 28 do Estatuto da advocacia não se aplicam ao exercício da advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB, vedada a participação em sociedade de advogados segundo a Lei 14.365 de 03 de junho de 2022, que alterou parte da lei 8906 de 04 de julho de 1994, assim descrita:
Art. 28. ............................................................................................................
..............................................................................................................................
§ 3º As causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos incisos V e VI do caput deste artigo não se aplicam ao exercício da advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB, vedada a participação em sociedade de advogados.
§ 4º A inscrição especial a que se refere o § 3º deste artigo deverá constar do documento profissional de registro na OAB e não isenta o profissional do pagamento da contribuição anual, de multas e de preços de serviços devidos à OAB, na forma por ela estabelecida, vedada cobrança em valor superior ao exigido para os demais membros inscritos. ” –
As Dúvidas do Consulente
As dúvidas do consulente serão respondidas em um único grupo de respostas, porquanto nenhuma dúvida decorre do pedagógico voto proferido no parecer do Proc. E-4.974/2017 - v.u., exarado em 22/02/2018, do parecer e ementa do Rei. Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, Rev. Dr. EDUARDO PEREZ SALUSSE - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF, que assim dispõe:
“Conforme precedentes deste Tribunal de Ética, irrelevante a denominação do cargo público que venha a ser eventualmente ocupado por um advogado para verificar se se está diante de um caso de impedimento ou incompatibilidade. Alguns dos pontos balizadores da incompatibilidade prevista no art. 28, III, do Estatuto são:
1. O que importa não é a denominação ou tipo dos cargos, mas sim o fato do poder de decisão que tenha o detentor daquele, especialmente em relação a terceiros;
2. É relevante quem exerça o ato decisório final, mesmo que caiba recurso à instância superior, e não aqueles que estejam apenas assessorando, mas sem poder decisório;
3 - Cargos de natureza burocrática ou interna, ainda que tenham grau de influência e/ou destaque, mas sem poder de decisão, incidiriam na hipótese de impedimento - vedação parcial à prática da advocacia - e não de incompatibilidade. Ou seja, não sendo caso de incompatibilidade, enquanto o advogado ocupar o cargo público haverá vedação parcial à prática da advocacia, restrita à Fazenda Pública que o remunera, abrangendo todos os órgãos da administração direta e indireta, vinculados à mesma. (Precedentes: E-3.927/2010, E-4.625/2016 e E- 4.624/2016)". (Proc. E-4.974/2017 - v.u., em 22/02/2018, do parecer e ementa do Rei. Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, Rev. Dr. EDUARDO PEREZ SALUSSE - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.”
Desta forma vislumbro, neste parecer, todos os elementos éticos ao exercício de atividades a que o consulente se refere, acerca da compatibilidade ou não do exercício da advocacia com o exercício concomitante de cargo ou emprego público de nível superior em direito (Analista Jurídico) nos órgãos públicos da administração direita ou indireta, sem poderes de decisão.
Não há nenhum conflito ou dúvida de interpretação entre os artigos 28 e 30 do Estatuto, devendo-se, sempre, observar os critérios já mencionados no julgado acima, quais sejam:
- do poder de decisão que tenha o detentor daquele, especialmente em relação a terceiros;
- que o funcionário tenha a última decisão (caso de incompatibilidade) ou
- Sem poder de decisão, exercendo cargos ou funções sem poder de decisão(impedimento).
- não sendo caso de incompatibilidade, enquanto o advogado ocupar o cargo público haverá vedação parcial à prática da advocacia, restrita à Fazenda Pública que o remunera, abrangendo todos os órgãos da administração direta e indireta, vinculados à mesma, não importando ser analista ou outra denominação funcional.
Em Suma
Diz o § 2º do art. 28:
Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.
As hipóteses do inciso III do art. 28 do Estatuto são dos ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da administração pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público, cujas atribuições impliquem em efetivo exercício de poder de decisão relevante sobre interesses de terceiros, a critério da OAB, dispositivo este que não conflita ou provoque dúvidas( segundo o consulente) com os casos que estejam contemplados no art. 30 do mesmo dispositivo legal.
O dispositivo do art. 28 também afasta a incompatibilidade daqueles que exercem a direção, coordenação ou chefias na administração de cursos jurídicos. Por analogia, entende-se albergados na mesma exceção os chefes de departamentos ou núcleos de ensino jurídico, mesmo em outros cursos que tenham disciplinas jurídicas em seus respectivos programas.
É meu voto que submeto aos demais pares deste Tribunal ético.