E-5.961/2023
CONFLITO DE INTERESSES – VÍNCULO DE PARENTESCO – AFINIDADE COM PARTE EX ADVERSA – RELAÇÕES COM CLIENTE – LIMITES ÉTICOS.
O relacionamento entre cliente e advogado é pautado pela lealdade e boa-fé, arts. 9º a 26, do CED. Destes predicados decorre o dever de informar qualquer circunstância que possa dar causa a interesses conflitivos, instaurando-se um dever de substabelecer ou renunciar. Todavia, é importante considerar também a independência, notadamente, como um dever e uma prerrogativa da Advocacia, que atrai para si a boa fé no exercício profissional, salvo prova em contrário. Neste sentido, não é mandatório que o exercício do mandato venha a ter algum vício decorrente de haver vínculo de parentesco entre patronos de partes adversárias, mas é recomendável que o profissional informe o(a) cliente e, se o caso, renuncie, substabeleça ou solicite a transferência da condução do processo para outro profissional, no caso de advogados empregados. O(a) advogado(a) empregado não pode se valer do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, seja com o direcionamento de causas a terceiros seja repassando informações que obteve de forma privilegiada. Isto porque, no exercício profissional, o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento, independentemente de solicitação de reserva, é da essência da relação de confiança entre cliente e advogado, atemporal e ilimitado. Além disso, é antiético praticar concorrência desleal e captação indevida de clientela. Por certo, há uma série de atos contrários à boa fé e lealdade ao cliente que são constituídos expressamente pelo CED como infração disciplinar, nos termos do art. 34. Todavia, trata-se de matéria afeta às Turmas Disciplinares, bem como o patrocínio infiel, simultâneo ou tergiversação são condutas sob exame do juízo criminal (art. 355, Código Penal). Proc. E-5.961/2023 - v.u., em 13/04/2023, parecer e ementa da Relatora Dra. REGINA HELENA PICCOLO CARDIA, Revisor Dr. FÁBIO TEIXEIRA OZI, Presidente Dr. JAIRO HABER.
Consulta e Relatório:
A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente - Fundação Casa dirige consulta à esta Colenda Turma Deontológica, na qual discorre sobre o regime jurídico do corpo jurídico da instituição e apresenta a seguinte situação sobre a qual busca orientação, nos termos abaixo ipsis literis:
“A questão aqui trazida se baseia na hipótese de identificarmos situações em que os advogados públicos desta Fundação, que atuam na defesa de ações trabalhistas, possuírem algum vínculo de parentesco ou afinidade com os advogados da parte adversa. Dessa forma, gostaríamos de orientações dessa Ilustre Subseção do Conselho de Ética e Disciplina, se identificada tal situação, há algum impedimento ou infração ética na condução de tais processos.”
É o breve relatório.
Parecer e voto:
Trata-se de assunto de interesse da Advocacia, razão pela qual conheço da consulta apenas para enfrentamento do tema em tese, sob o prisma ético-disciplinar, não sendo objeto de análise quaisquer medidas em concreto, nos termos dos artigos 71, II, do Código de Ética e Disciplina (CED), 136, §3º, I, do Regimento Interno desta Seccional, e 1º, I, do Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil Secional São Paulo (OAB/SP).
O tema central da Consulta é o conflito de interesses.
O relacionamento entre cliente e advogado é pautado pela lealdade e boa-fé, tratado minudentemente no Capítulo III, arts. 9º a 26, do CED. Destes predicados decorre o dever de informar qualquer circunstância que possa dar causa a interesses conflitivos, instaurando-se um dever de substabelecer ou renunciar (arts. 9º e 10, CED).
Todavia, é importante considerar que o(a) advogado(a), no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância, sendo responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa, nos termos do Capítulo VIII – Da Ética do(a) Advogado(a), arts. 31-33, do Estatuto. A independência é um dever e uma prerrogativa da Advocacia, que atrai para si a boa fé no exercício profissional, salvo prova em contrário.
Neste sentido, não é mandatório que o exercício do mandato venha a ter vício decorrente de haver algum vínculo de parentesco entre patronos de partes adversas, mas é recomendável que o profissional informe o(a) cliente e, se o caso, renuncie, substabeleça ou solicite a transferência da condução do processo para outro profissional, no caso de advogados empregados.
No trato com colegas de profissão impõe-se o dever de urbanidade, dispensando tratamento respeitoso e condigno, preservando a independência de cada profissional, seus direitos e prerrogativas, assim como os deveres relacionados ao(à) cliente.
Por certo, há uma série de atos contrários à boa fé e lealdade ao cliente que são constituídos expressamente pelo CED como infração disciplinar, nos termos do art. 34, exemplificativamente: VII - violar, sem justa causa, sigilo profissional; VIII - estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário; IX - prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio; XVII - prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la; XIX - receber valores, da parte contrária ou de terceiro, relacionados com o objeto do mandato, sem expressa autorização do constituinte; XXV - manter conduta incompatível com a advocacia.
É preciso deixar assentado entendimento deste Tribunal Deontológico de que o próprio advogado empregado, com dedicação exclusiva, “é permitido prestar serviços de forma autônoma a outros clientes, desde que respeitados a confidencialidade, o sigilo profissional, bem como evitado o conflito de interesses e desde que não pratique a captação de clientela e concorrência desleal.”[1] Outras condicionantes, impedimentos e incompatibilidades, derivadas do próprio contrato de trabalho e do regime jurídico, poderão limitar o exercício profissional.[2]
Todavia, o(a) advogado(a) empregado não pode se valer do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, seja com o direcionamento de causas a terceiros seja repassando informações que obteve de forma privilegiada. Isto porque, no exercício profissional, o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento, independentemente de solicitação de reserva, é da essência da relação de confiança entre cliente e advogado, atemporal e ilimitado. Além disso, é antiético praticar concorrência desleal e captação indevida de clientela.
Por fim, cabe ponderar que o processamento e julgamento de infrações disciplinares (art. 34, Estatuto) é matéria afeta às Turmas Disciplinares. Da mesma forma, o patrocínio infiel, simultâneo ou tergiversação são condutas sob o crivo do juízo criminal (art. 355, Código Penal).
Delimitada a questão do ponto de vista teórico cumpre ao Consulente a ponderação pertinente ao caso concreto, recomendando detida análise das disposições constantes do Estatuto, do CED e do Provimento nº 205/2021, bem como pesquisa ao ementário de jurisprudência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP disponível eletronicamente.
É o parecer, que submeto a este Egrégio Colegiado, sub censura.
[1] EXERCÍCIO PROFISSIONAL - ADVOGADO EMPREGADO EM REGIME DE -DEDICAÇÃO EXCLUSIVA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORMA AUTÔNOMA FORA DA JORNADA DE TRABALHO - POSSIBILIDADE - ADVOGADO ASSOCIADO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORMA PARTICULAR QUE DEPENDE DO QUANTO PACTUADO NO CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO - LIVRE VONTADE DAS PARTES - ADVOGADO INSCRITO NA OAB RESIDENTE NO EXTERIOR - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS A CLIENTES BRASILEIROS – POSSIBILIDADE. A expressão "dedicação exclusiva" está relacionada à jornada de trabalho do advogado, qual seja, oito horas por dia, nos termos do artigo 20 do Estatuto da Advocacia e artigo 12 do Regulamento Geral. Dessa forma, é permitido ao advogado empregado prestar serviços de forma autônoma a outros clientes, desde que respeitados a confidencialidade, o sigilo profissional, bem como evitado o conflito de interesses e desde que não pratique a captação de clientela e concorrência desleal. Em relação ao advogado associado, prevalecem os termos do contrato de associação, que podem tanto vedar quanto permitir a advocacia autônoma. Advogado com inscrição regular perante a OAB e que resida no exterior não está impedido de prestar serviços jurídicos a clientes brasileiros. Deve, apenas, restringir tais serviços a seus clientes, ou seja, aqueles com que tenha uma relação contratual e de confiança, sendo essa a essência da advocacia. E-4.518/2015 - v.u., em 18/06/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO PLANTULLI - Rev. Dr. FABIO KALIL VILELA LEITE - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
[2] Ver Proc. E-5.445/2020 - v.u., em 09/12/2020, do parecer e ementa da Rel. Dra. CRISTIANA CORRÊA CONDE FALDINI, Rev. Dr. EDGAR FRANCISCO NORI - Presidente Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE.