E-6.007/2023
EXERCÍCIO PROFISSIONAL – DESEMBARGADOR APOSENTADO – PARECERES DE FORMA ESTRITAMENTE ACADÊMICA, PARA PROCESSOS QUE TRAMITAM NO JUÍZO OU TRIBUNAL DO QUAL SE AFASTOU – VEDAÇÃO ÉTICA E LEGAL. pareceres SOBRE TESES JURÍDICAS DE SUA ESPECIALIDADE E O SEU NOTÓRIO SABER, SOBRE SITUAÇÕES CONCRETAS, EM EVIDÊNCIA OU VIVIDAS EM PROCESSOS JUDICIAIS QUE TRAMITAM NO JUÍZO OU TRIBUNAL DO QUAL SE AFASTOU – POSSIBILIDADE E LIMITES ÉTICOS.
Dar pareceres mesmo que de forma estritamente acadêmica, enquanto jubilado, em relação a processos judiciais que tramitam perante o tribunal do qual se afastou, importa em exercer a advocacia para processos no juízo ou tribunal do qual se afastou. A vedação é ética e legal. Sob o ponto de vista ético, a vedação é para se evitar o tráfego de influência, a possível troca de favores e a concorrência desleal. Nada impede, porém, que faça pareceres sobre teses jurídicas de sua especialidade e o seu notório saber, sem mencionar, o nome das partes, o número do processo, o local onde tramita o processo, de modo a sugerir ou até dar a entender, que se trata de situações concretas, em evidência ou vividas em processos judiciais que tramitam perante o juízo ou tribunal do qual se afastou. (inciso V do parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal e Incisos I e II do artigo 1º do Estatuto da Advocacia. Precedente E-5.327/2010). Proc. E-6.007/2023 - v.m., em 13/04/2023, parecer e ementa do Relator Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI, com voto do Julgador Dr. FÁBIO TEIXEIRA OZI, Revisor Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF, Presidente Dr. JAIRO HABER.
PARECER DO RELATOR DR. LUIZ ANTONIO GAMBELLI
CONSULTA E RELATÓRIO
O consulente é desembargador aposentado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, sócio de uma sociedade de advogados, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, (PUC-SP), autor de renomadas obras sobre Direito Internacional e de Direto Internacional do Trabalho, e dono de um invejável e notável currículo.
Em razão da sua carreira acadêmica, da notoriedade de seu nome e do seu saber jurídico, tem sido procurado por advogados para dar pareceres em processos judiciais de alta complexidade que tramitam perante a primeira e a segunda instância do Tribunal Regional do Trabalho, do qual se aposentou, especialmente quando relacionados ao direito internacional público ou privado.
Está ciente que não pode advogar por 03 anos a contar de sua aposentaria perante a o juízo ou o tribunal do qual se afastou, pois está jubilado por força do inciso V, do parágrafo único, do artigo 95 da Constituição Federal.
Vem sendo questionado sobre a possibilidade de dar pareceres como professor e autor de obras jurídicas sobre a sua especialidade e notório saber, que é o direito Internacional e o direito internacional do trabalho, sem a menção da sua condição de desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, mas de forma estritamente acadêmica.
Deseja saber se pode dar pareceres de forma estritamente acadêmica, sem a menção da sua condição de desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em relação a processos judiciais que tramitam perante a primeira ou a segunda instância do TRT02.
PARECER E VOTO
Conheço da consulta por preenchidos os requisitos de sua admissibilidade.
Esta Turma de Deontologia já enfrentou uma situação não igual ao presente questionamento, mas de interesse, na consulta E-5.327/2019, de relatoria da ilustre Dra. Renata Mangueira de Souza, com revisão da não menos ilustre Dra. Regina Helena Picollo Cadia, na presidência do sábio Dr. Guilherme Martins Malufe, sobre a possibilidade de utilização do título de “desembargador aposentado” como sócio consultor, nos papéis timbrados do escritório de advocacia, incluindo petições.
A ementa é a seguinte:
“Ex Desembargador somente poderá exercer a advocacia, ainda que exclusivamente na qualidade de consultor jurídico interno, após decorrido o prazo de três anos do afastamento do cargo quer seja por aposentadoria ou exoneração, em absoluto respeito ao princípio da legalidade e interpretando literalmente as normas acima mencionadas, e devendo após tal prazo observar as regras éticas e parâmetros da discrição e da moderação nos timbrados da Sociedade de Advogados e páginas de site e redes sociais. Precedentes: E-1.861/99, E-2.655/02 e E-4.672/2016.”
A proibição baseou-se no fato de que a consultoria jurídica e a emissão de pareceres jurídicos é ato privativo da advocacia (inciso III do artigo 1º do EOAB) e o uso do título de “desembargador aposentado” como sócio consultor, nos papéis timbrados do escritório de advocacia, incluindo petições, fere os princípios da discrição e da moderação na publicidade.
Na presente consulta, porém, o ilustre consulente quer saber se pode dar pareceres de forma estritamente acadêmica, sem a menção da sua condição de desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Não há dúvida que o consulente pode dar pareceres jurídicos, até mencionando a sua condição de desembargador aposentado, pois é advogado e conquistou esta titulação profissional.
Para a resposta da presente consulta, o que interessa é a segunda e última parte do questionamento, ou seja, se pode dar pareceres de forma estritamente acadêmica, em relação a processos judiciais que tramitam perante a primeira ou a segunda instância do TRT02. (grifos necessários)
A resposta deve ser dada com muita cautela, em respeito ao livre exercício de qualquer profissão, consagrado pela constituição federal.
As regras da hermenêutica jurídica, quando se trata de restrição de direitos, devem seguir o princípio da literalidade.
A vedação contida no inciso V do parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004, tem a seguinte redação:
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
O que importa saber é se dar pareceres de forma estritamente acadêmica, em relação a processos judiciais que tramitam perante a primeira ou a segunda instância do TRT02, importa em exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou.
A resposta é obtida pela interpretação literal dos incisos I e II do artigo 1º do Estatuto da Advocacia, que estão assim redigidos:
Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I – a postulação a qualquer órgão do Poder judiciário e aos juizados especiais;
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Quem pratica uma atividade privativa da advocacia está exercendo a advocacia. Dar pareceres jurídicos é uma atividade de consultoria e assessoria jurídica, e por esta razão, dar pareceres mesmo que de forma estritamente acadêmica, em relação a processos judiciais que tramitam perante a primeira ou a segunda instância do TRT02, importa em exercer a advocacia para processos perante juízo ou tribunal do qual se afastou. A vedação, portanto, é legal.
Além da vedação legal, sob o ponto de vista ético, a vedação de dar pareceres mesmo que de forma estritamente acadêmica, em relação a processos judiciais que tramitam perante a primeira ou a segunda instância do juízo ou tribunal do qual se afastou, é para se evitar o tráfego de influência, a possível troca de favores e a concorrência desleal.
Nada impede, porém, que o consulente formule pareceres sobre teses jurídicas de sua especialidade e do seu notório saber, sem mencionar, o nome das partes, o número do processo, o local onde tramita o processo, de modo a sugerir ou até dar a entender, que se trata de situações concretas, em evidência ou vividas em processos judiciais que tramitam perante a primeira ou segunda instância do juízo ou tribunal do qual se afastou.
Aqui devolvemos a dúvida ao ilustre e sábio consulente, pois o advogado é o primeiro senhor dos seus atos. Se no seu sentir, entender que o seu parecer pode, direta ou indiretamente, influir no julgamento da causa onde a tese é discutida, em razão do ter pertencido àquele tribunal, melhor não aceitar o encargo.
É o voto.
VOTO DO JULGADOR DR. FÁBIO TEIXEIRA OZI
Relatório:
O Consulente, regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, formulou questionamento a respeito da possibilidade de emitir pareceres jurídicos em relação a processos judiciais que tramitam perante a primeira ou segunda instância do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
O Consulente é desembargador aposentado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, sócio de uma sociedade de advogados, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, (PUC-SP) e autor de renomadas obras sobre Direito Internacional e de Direto Internacional do Trabalho. Narra que tem sido procurado para emitir pareceres em processos judiciais de alta complexidade que tramitam perante a primeira e a segunda instância do Tribunal Regional do Trabalho, do qual se aposentou, especialmente quando relacionados ao direito internacional público ou privado, em razão da sua carreira acadêmica, notoriedade de seu nome e do seu saber jurídico.
Submetida a consulta à apreciação desta Turma Deontológica na sessão do dia 13.4.2023, o I. Relator exarou entendimento no sentido de que “dar pareceres jurídicos é uma atividade de consultoria e assessoria jurídica, e por esta razão, dar pareceres mesmo que de forma estritamente acadêmica, em relação a processos judiciais que tramitam perante a primeira ou a segunda instância do TRT02, importa em exercer a advocacia para processos perante juízo ou tribunal do qual se afastou”, conduta que seria vedada por força do inciso V do parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal (incluído pela Emeda Constitucional nº 45 de 2004).
Ressaltou ainda que, por outro lado, o Consulente poderia formular pareceres sobre teses jurídicas sem mencionar o nome das partes, o número do processo, o local onde tramita o processo, “de modo a sugerir ou até dar a entender, que se trata de situações concretas, em evidência ou vividas em processos judiciais que tramitam perante a primeira ou segunda instância do juízo ou tribunal do qual se afastou”.
Com a devida vênia, divirjo do I. Relator, pois interpreto de maneira distinta a vedação contida no inciso V do parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal. No meu entendimento, a vedação ao exercício da advocacia no juízo/tribunal do qual o juiz/desembargador se afastou, pelo prazo de três anos, não engloba a emissão de pareceres jurídicos.
Isso porque, ao emitir parecer jurídico sobre determinada matéria, o ex-juiz/desembargador não atuará naquele juízo/tribunal do qual se afastou e não advogará para uma das partes; pelo contrário, apenas emitirá sua opinião sobre tema jurídico que domina, o qual poderá – ou não – ser levado aos autos e que poderá – ou não – ser levado em consideração pelo magistrado responsável pelo processo. Não há, dessa forma, exercício da advocacia no juízo/tribunal do qual o juiz/desembargador se afastou, inexistindo vedação legal e ética para a conduta.
Parecer:
Tal como o I. Relator, conheço da consulta, pois é possível extrair indagação em tese sobre matéria ético-disciplinar, sendo de competência, portanto, desta Turma Deontológica, nos termos dos artigos 71, inciso II, do CEDOAB, e 7º, inciso I, do Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina desta Seccional (“RI - TED OAB/SP”).
Pois bem. A presente consulta trata da vedação contida no inciso V do parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal, que proíbe os juízes de: “exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração”.
Procura-se definir se, durante o período de quarentena de 3 anos, a emissão de pareceres jurídicos em relação a processos judiciais que tramitam perante o juízo/tribunal do qual o juiz/desembargador se afastou configuraria exercício da advocacia – conduta vedada pela disposição acima em referência.
Como visto, o I. Relator entendeu que a emissão de pareceres jurídicos é uma atividade de consultoria e assessoria jurídica, na forma do art. 1º, II, do Estatuto da Advocacia e a OAB,[1] caracterizada por ser uma atividade privativa da advocacia. Assim, concluiu que quem pratica atividade privativa da advocacia está exercendo a advocacia, logo a emissão de pareceres sobre tema debatidos em processos judiciais estaria vedada legalmente pelo no inciso V do parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal.
Com a devida vênia, interpreto de maneira distinta a vedação contida no texto constitucional.
Essa vedação ao exercício da advocacia restringe o advogado de exercer livremente a profissão. Como leciona Tercio Sampaio Ferraz Junior, normas restritivas de direito devem ser interpretadas restritivamente:
“(...) recomenda-se que toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. O mesmo se diga para as normas excepcionais: uma exceção deve sofrer interpretação restritiva.” [2]
Dessa maneira, ao interpretar restritivamente a norma, entendo que o ato de “exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou” se limita à conduta de advogar – literalmente no sentido de atuar, representar alguém, defender seus interesses – naquele juízo ou tribunal.
Emitir parecer a respeito de questão jurídica pontual sobre determinado caso não significa advogar para uma parte, mas tão somente emitir texto exclusivamente opinativo, que visa informar, elucidar, sugerir providências sobre certo assunto, sem qualquer caráter vinculativo. A meu ver, tal conduta não pode ser confundida com o exercício da advocacia em juízo ou tribunal, não havendo vedação legal para a hipótese da presente consulta.
Outro ponto abordado pelo I. Relator, é que do ponto de vista ético, a vedação de emitir pareceres jurídicos em processos judiciais que tramitam perante o juízo/tribunal do qual o juiz/desembargador se afastou, teria como intuito evitar o tráfico de influência, possível troca de favores e concorrencial desleal no âmbito do Judiciário.
A despeito da extrema seriedade de tal prática, que além de configurar infração ética, constitui ilícito e ameaça à boa advocacia, entendo que a emissão de parecer jurídico em determinada causa não terá – via de regra – o condão de influenciar de maneira irregular no julgamento de determinado caso. A emissão de parecer jurídico poderá – ou não – ser levada aos autos por uma das partes e poderá – ou não – ser levada em consideração pelo magistrado em suas razões de decidir.
Evidentemente, o ex-juiz/desembargador não pode emitir pareceres jurídicos para os casos em que atuou no passado como magistrado e não pode emitir pareceres em sentido contrário a posicionamentos exarados enquanto atuava naquele juízo ou tribunal.
Em vista do exposto, e feita essa ressalva, declaro voto divergente ao exarado pelo I. Relator no sentido de que a vedação legal ao exercício da advocacia no juízo/tribunal do qual o juiz/desembargador se afastou, pelo prazo de três anos, não engloba a emissão de pareceres jurídicos, ainda que relacionados a processos judicias em curso no juízo ou tribunal do qual se aposentou.
[1] Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
[2] Ferraz Junior, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 291.