E-6.008/2023


PROCESSO DISCIPLINAR – SESSÃO DE JULGAMENTO NO CONSELHO SECCIONAL – SIGILO - OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

O processo disciplinar tramita em sigilo até decisão final e somente terão acesso às informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente, ou seja, autoridade administrativa investida do poder de instruir e julgar, nas respectivas instâncias da OAB em que tramitar o processo. O sigilo se aplica aos documentos do processo e às audiências. Somente podem ter acesso ao julgamento do processo ético no Conselho Seccional as partes, seus advogados e os membros do órgão julgador, quais sejam os integrantes do Conselho Seccional – conselheiros eleitos e diretoria da Seccional – ali figurando como autoridades administrativas investidas do poder de instruir e julgar. Precedente Proc. E-5.925/2022 Proc. E-6.008/2023 - v.u., em 13/04/2023, parecer e ementa da Relatora Dra. MARIA CAROLINA NUNES VALLEJO, Revisor Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI, Presidente Dr. JAIRO HABER.

CONSULTA E RELATÓRIO:

Trata o presente de consulta proveniente do Gabinete do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP por determinação do seu DD. Presidente Dr. Guilherme Magri, com o seguinte teor:

“Pode um (a) dirigente de subseção ter acesso e acompanhar ao julgamento de processos disciplinares das sessões do Conselho, e ter direito a voz, vista ou manifestação?

Se, porventura, um (a) dirigente subseção tiver tido acesso ao julgamento de processo disciplinar (ter assistido a sessão), se é considerada infração ética, ou trará nulidade ao processo?

Há equiparação analógica dos cargos de Presidente de Subseção e Presidente de Seccional para atos no processo disciplinar?

Caso o dirigente de subseção realizou a instrução do processo disciplinar, poderá acompanhar o julgamento na sessão do conselho?”

PARECER:

Conforme o art. 71, I, do Código de Ética e Disciplina, e o art. 136, § 3º, I, do Regimento Interno da OAB/SP, compete a esta Turma Deontológica a solução de consultas formuladas em tese sobre a ética profissional do advogado, cuidando de examinar as normas substanciais do Código de Ética e Disciplina, relacionadas a conduta ética profissional.

Assim, a princípio tem-se que não cabe a esta Turma Deontológica o exame de normas processuais do Código de Ética e Disciplina[1].

Contudo, há que se destacar a relevância da consulta formulada e o fato de ter sido encaminhada a esta Primeira Turma pelo DD. Presidente do TED Dr. Guilherme Magri.

O processo disciplinar observa as regras contidas no Estatuto da Advocacia e da OAB, Regulamento Geral da OAB, Código de Ética e Disciplina, Provimentos do Conselho Federal, do Conselho Seccional e do Tribunal de Ética e Disciplina, com aplicação subsidiária das regras da legislação processual penal comum.

Aplica-se ao processo ético-disciplinar o princípio do devido processo legal e as regras previstas nos referidos diplomas normativos devem ser rigidamente observadas, uma que vez que o objeto do processo ético-disciplinar é o poder-dever de impor sanção ao profissional que comete infração ética.

A inobservância das regras previstas na legislação aplicável no processo disciplinar viola o princípio do devido processo legal e pode caracterizar no caso concreto nulidades sanáveis ou não.

Nesse sentido convém mencionar a lição de Ada Pellegrini Grinover na obra “As nulidades no processo penal”[2] :

“Como consequência natural da fixação de regras legais para a realização dos atos processuais, somente aqueles atos praticados em conformidade com o modelo legal são considerados válidos perante o ordenamento e aptos a produzirem os efeitos desejados; para os que não atendem aos requisitos mínimos do modelo traçado pela lei, o legislador estabelece sanções, que variam segundo a maior ou menor intensidade do tipo legal.”

O processo disciplinar tem como regra ser sigiloso, admitindo-se a quebra apenas em situação excepcional. Neste sentido é o quanto estabelece o artigo 72, parágrafo segundo, do Estatuto da Advocacia.

O referido dispositivo legal determina expressamente que o processo disciplinar tramita em sigilo até decisão final e somente terão acesso às informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente.

A referência que o Estatuto faz à “autoridade judiciária competente” diz respeito não ao Poder Judiciário, mas sim à autoridade administrativa investida do poder de instruir e julgar, nas várias instâncias da OAB em que tramitar o processo.

O sigilo se aplica aos documentos do processo e às audiências. Somente terão acesso as partes, seus procuradores e membros dos órgãos julgadores da OAB investidos do poder de instruir e julgar determinado processo disciplinar.

Esta Turma Deontológica já teve oportunidade de examinar a questão do sigilo do processo ético-disciplinar em diversas consultas efetuadas ao longo dos anos, sempre prestigiando o entendimento de que o sigilo deve ser observado rigorosamente.

A título de exemplo menciona-se alguns precedentes:

PROCESSO DISCIPLINAR - JUNTADA DE DOCUMENTOS OU PEÇAS EM PROCESSO JUDICIAL MANTIDO ENTRE AS MESMAS PARTES – POSSIBILIDADE – CARATER EXCEPCIONAL. Às partes (representante ou representado) de Processo Disciplinar, antes mesmo do seu trânsito em julgado, é permitido, excepcionalmente, utilizar de cópias de peças ou documentos extraídos de referido Processo Disciplinar para fins exclusivos de garantir o exercício pleno do direito constitucional da ampla defesa em processo judicial travado pelas mesmas partes. A parte que se valer da excepcionalidade da quebra do sigilo, deverá requerer atribuição de segredo de justiça com restrição de acesso aos documentos advindos do Processo Disciplinar, com a finalidade de preservar o sigilo do procedimento disciplinar. Contudo, a utilização das peças processuais sempre deve se dar em caráter excepcional e em caso de abusos, a parte deverá responder por seus atos. Proc. E-5.515/2021 - v.m., em 24/03/2021, parecer e ementa do Julgador Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, vencida a Relatora Dra. RENATA MANGUEIRA DE SOUZA Rev. Dr. FERNANDA ABREU TANURE - Presidente Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE.

PROCESSO DISCIPLINAR - PRINCÍPIO DA RESERVA JURISDICIONAL - SIGILO QUE SOMENTE EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS PODE SER MITIGADO - EXEGESE DO ARTIGO 72, § 2º DO EAOB. A regra é de que o processo disciplinar tramita em sigilo até o seu término. Seu teor pode ser levado ao conhecimento do Poder Judiciário em situações excepcionais, mas sempre com muita cautela, e quando não houver outros meios de se obter os mesmos elementos que constem do processo disciplinar. A quebra do sigilo deve se limitar aos elementos do processo disciplinar estritamente necessários ao fim colimado. Precedentes E-3.388/2006, E-3.368/2006 e E-3.498/2007. Proc. E-4.120/2012 - v.u., em 16/08/2012, do parecer e ementa do Rel. Dr. EDUARDO TEIXEIRA DA SILVEIRA - Rev. Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.

Inclusive, em consulta recente, a Primeira foi questionada sobre a possibilidade de Presidente ou Diretor de Subseção ter acesso a processo disciplinar e sobre a possibilidade de Presidente da Comissão de Ética e Disciplina de Subseção solicitar informações de processo disciplinar que iniciou na Comissão que Preside e assim se manifestou, em parecer de minha relatoria, também com revisão do DD. Dr. Fábio Souza Ramacciotti, aqui revisor:

PROCESSO DISCIPLINAR – CONHECIMENTO DA CONSULTA – SIGILO – OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. A consulta é conhecida excepcionalmente, diante da relevância do tema e por ter sido encaminhada a esta Primeira Turma pelo DD. Presidente do TED. O processo disciplinar tramita em sigilo até decisão final e somente terão acesso às informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente, ou seja, autoridade administrativa investida do poder de instruir e julgar, nas várias instâncias da OAB em que tramitar o processo. O sigilo se aplica aos documentos do processo e às audiências. Não se inclui na competência da Comissão de Ética e Disciplina da Subseção acompanhar o andamento e resultado de julgamento de processos disciplinares nela eventualmente iniciados. Logo, o Presidente da Comissão de Ética e Disciplina da Subseção não pode solicitar informações de processo disciplinar que iniciou na Comissão que preside. Nas Subseções em que não houver Comissão de Ética e Disciplina, as atribuições do artigo 31, parágrafo 2º e incisos do Regimento Interno do TED podem ser exercidas por seus Diretores e somente nesta hipótese, quando instituídos como autoridade administrativa investida do poder de instruir o processo disciplinar, poderão ter acesso às informações sigilosas do processo disciplinar, ficando sujeito às mesmas restrições de sigilo aplicáveis às Comissões de Ética e Disciplina. Proc. E-5.925/2022 - v.u., em 20/10/2022, parecer e ementa da Relatora – Dra. MARIA CAROLINA NUNES VALLEJO, Revisor – Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI - Presidente Dr. JAIRO HABER.

O Conselho Seccional é instância recursal em relação às decisões do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB e é composto de conselheiros eleitos, incluídos os membros da Diretoria da Seccional, a teor do artigo 106 do Regulamento Geral da OAB.

O Presidente de Subseção e os membros de Diretoria de Subseção não integram o Conselho Seccional. Suas decisões são sujeitas a recurso ao Conselho Seccional, consoante o disposto no artigo 143 do Regulamento Geral da OAB e artigo 76 do Estatuto da Advocacia.

Ademais, as representações formuladas contra dirigentes de Subseção são processadas e julgadas pelo Conselho Seccional, conforme dispõe o artigo 58, parágrafo 6º, do Código de Ética e Disciplina.

O Presidente de Seccional integra o Conselho Seccional, o qual tem competência para julgar recursos apresentados contra as decisões dos Presidentes de Subseção e para processar e julgar as representações formuladas contra membros de Diretoria das Subseções.

Logo, não há equiparação analógica entre os cargos de Presidente de Subseção e Presidente de Seccional para atos no processo disciplinar, pois suas competências não se confundem.

Consoante os fundamentos acima expostos, os dirigentes de Subseção não podem ter acesso e acompanhar julgamento de processos disciplinares nas sessões do Conselho Seccional, pois os processos disciplinares também tramitam ali sob sigilo.

Somente podem ter acesso ao julgamento do processo ético no Conselho Seccional as partes, seus advogados e os membros do órgão julgador, quais sejam os integrantes do Conselho Seccional – conselheiros eleitos e diretoria da Seccional – ali figurando como autoridades administrativas investidas do poder de instruir e julgar.

O dirigente de Subseção que eventualmente realizou a instrução do processo disciplinar não poderá acompanhar igualmente a sessão de julgamento do respectivo recurso junto ao Conselho Seccional, pois sua competência como autoridade administrativa investida do poder de instruir e julgar se exaure no julgamento em primeira instância.

Tendo em vista que o regramento aplicável aos processos disciplinares prevê expressa e reiteradamente que o processo ético tramita sob sigilo até final decisão, eventual acesso ao julgamento nas sessões do Conselho Seccional por qualquer pessoa que não seja parte, advogado constituído ou autoridade administrativa investida do poder de instruir e julgar configura inobservância ao princípio do devido processo legal, que pode caracterizar no caso concreto nulidades sanáveis ou não.

Este é o parecer que submeto à apreciação do Tribunal.

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[1] Nesse sentido recente parecer desta Primeira Turma de Relatoria do DD. Dr. Fábio de Souza Ramacciotti e Revisão do DD. Dr. Cláudio Felippe Zalaf (processo E-5.887/2022).

 [2] (8º Ed., p.22)