E-3.965/2010
E-3.965/2010 - SIGILO PROFISSIONAL - PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA QUE, EXCEPCIONALMENTE, ADMITE FLEXIBILIZAÇÃO - POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO SEM CONFIGURAÇÃO DE INFRAÇÃO ÉTICA - ADVOGADO ACUSADO INJUSTAMENTE POR CLIENTE DA PRÁTICA DE CRIME - NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO SIGILO PARA PROMOÇÃO DE DEFESA DO ADVOGADO - HIPOTESE AUTORIZADA EXPRESSAMENTE POR LEI, ARTS 25 EO CED E 3º CAPUT DA RESOLUÇÃO 17/2000 DO TED-1-SP - JUSTIFICATIVA LEGAL QUE, SE E QUANDO CONFIGURADA, EXCLUI A ILICITUDE DA CONDUTA DESDE QUE AS REVELAÇÕES SEJAM FEITAS NOS ESTREITOS LIMITES NECESSÁRIOS À DEFESA DO ADVOGADO - O PROFISSIONAL ASSUME RESPONSABILIDADE PESSOAL SOBRE AS REVELAÇÕES - JUSTIFICANDO PERANTE A ORDEM SUA NECESSIDADE DE FAZÊ-LO, PODERÁ AFASTAR A INFRAÇÃO PREVISTA PELO ART. 34, VII EOAB, CONFORME DETERMINAÇÃO DO ART. 4º DA RESOLUÇÃO 17/2000 TED I/SP. O sigilo profissional é instrumento indispensável para garantir a plenitude do direito de defesa do cidadão porque assegura ao cliente a inviolabilidade dos fatos expostos ao advogado. Por isso se lhe atribui status de interesse geral e matéria de ordem pública. O advogado que toma conhecimento de fatos expostos pelo cliente não pode revelá-los nem deles se utilizar em benefício de outros clientes ou no seu próprio interesse, devendo manter-se em silêncio e abstenção eternamente. O profissional que desrespeita esse princípio está sujeito à infração disciplinar (art. 34, inciso VII do EOAB) e se sujeita à tipificação do crime de violação de segredo profissional previsto no art. 154 do Código Penal. Porém, se o advogado foi injustamente acusado pelo cliente de ter cometido atos que não cometeu e que irão lhe trazer prejuízos, ou quando seja injustamente ameaçado, é imperioso que possa se defender de tais acusações, não sendo admissível que o direito de defesa do advogado seja tolhido pelos preceitos éticos. O advogado não pode ter seu direito de defesa prejudicado ou em menor amplitude que direito de defesa dos demais cidadãos. Se sofrer acusação ou ataque, poderá revelar fatos acobertados pelo manto do sigilo profissional com fundamento nos arts. 25 do CED e 3º, da Resolução 17/2000 do TED-I SP. Todavia a excludente de ilicitude só lhe aproveita se as revelações forem feitas no estrito limite e interesse de sua defesa, advertindo-se o advogado que assume pessoalmente a responsabilidade pela violação (art. 4º da Resolução 17/2000). V.U., em 17/03/2011, do parecer e ementa da Rel. Dra. MARY GRUN - Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
RELATÓRIO - A consulta submetida a esta Relatoria foi posta da seguinte forma: pode o profissional afastar o sigilo profissional acerca de fatos narrados pelo cliente ou ex cliente quando for acusado por ele de participação em ilícitos dos quais o cliente se diz vítima e aponta o advogado como agente?
É o relatório.
PARECER - O consulente afirmou e demonstrou por intermédio de certidão que não está formulando a consulta para beneficio próprio, razão pela qual, excluída a possibilidade de estarmos diante de um caso concreto, conhecemos e passamos a responder o questionamento do advogado.
Trata a presente consulta sobre o sigilo profissional, mais especificamente, situações em que a respectiva quebra é justificada e não autoriza a imposição de penalidade disciplinar.
De há muito o sigilo representa um tema difícil e polêmico para o exercício da advocacia. E não poderia ser diferente dada sua importância e conseqüências na atuação do advogado.
O sigilo profissional é instrumento indispensável para garantir a plenitude do direito de defesa do cidadão porque assegura ao cliente a inviolabilidade dos fatos expostos ao advogado. Por isso se lhe atribui status de interesse geral e matéria de ordem pública.
Antes de ser uma garantia do cliente/cidadão, direito ou dever do advogado, o sigilo é um valor essencial da profissão, sem o qual o indivíduo jamais se habilita a exercer o munus de defensor. Ao mesmo tempo em que cria prerrogativas impõe lealdade e restrições à atuação do profissional.
O sigilo é o valor que inspira várias normas éticas e estatutárias que orientam, as vezes de forma obrigatória, a conduta profissional do advogado, citamos algumas condutas passiveis de penalização permeadas por ele: vedação à aparições na mídia usando alegações relativas a processo pendente (art. 34, XIII EOAB cumulado com os arts 32, 33 incisos II e IV do CED), vedação a patrocínio simultâneo de clientes com interesses conflitantes (17, 18, 20), proibição ao patrocínio de causa contra ex cliente (19 CED) etc.
O advogado que toma conhecimento de fatos expostos pelo cliente não pode revelá-los nem deles se utilizar em benefício de outros clientes ou no seu próprio interesse, devendo manter-se em silêncio e abstenção eternamente. O profissional que desrespeita esse princípio está sujeito à infração disciplinar (art. 34, inciso VII do EOAB) e se sujeita à tipificação do crime de violação de segredo profissional previsto no art. 154 do Código Penal.
O sigilo profissional é inerente à advocacia e dela não se dissocia.
O atual Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8906/94, com redação da Lei 11.767/08) o qualifica como direito, na dicção do art. 7º, inciso XIX: “é direito do advogado (...)recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com a pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como fato que constitua sigilo profissional”. (...).
Da mesma forma, os arts. 229, I do Código Civil e 347, II do Código de Processo Civil tratam o sigilo profissional como um direito: “Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo; (...)” e “Art. 347 - A parte não é obrigada a depor de fatos: (...)II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo”.
Já o Código de Ética e Disciplina qualifica o sigilo profissional como dever, impondo ao advogado seu respeito conforme arts. 25 e 26, vejamos: “Art. 25. O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa”. “Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte”.
Como direito ou dever profissional, ou, mais precisamente, compartilhando do entendimento de doutos que o classificam como direito-dever do advogado, dentre eles Luiz Francisco Torquato Avolio no artigo O sigilo profissional em face dos modernos meios de prova[1], e Paulo Lôbo na obra Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB[2], é certo que o sigilo profissional, embora rigoroso, não é absoluto, como já se pôde antever na parte final do referido art. 25 do CED e do inciso VII do art. 34 do EOAB que dispõe “constituir infração disciplinar ...violar, sem justa causa, sigilo profissional”.
Com efeito, em situações excepcionais é possível compreender justificada a violação do sigilo profissional[3]. Hipótese que interessa à consulta ocorre quando o advogado é atacado pelo próprio cliente e, para defender-se necessita revelar fatos sigilosos; em tal situação poderá quebrar o sigilo e sua conduta não será apenada nem será considerada antiética; contudo, a licitude da conduta está condicionada à obediência do advogado aos limites do interesse ameaçado – suas revelações deverão ter o conteúdo mínimo necessário para atender a sua defesa.
Este Tribunal de Ética já analisou a matéria em pareceres memoráveis que ora são indicados ao Consulente, a saber E 2899/04, E 1717/98, E 1447/97, E 1543/97 e E 1669/98, sendo que os três últimos, de relatoria do Conselheiro decano deste Tribunal, Dr. Benedito Edison Trama, antecederam e deram suporte à Resolução 17/2000 de autoria do mesmo que, reforçando a parte final do art. 25 do CED, em seu art. 3º declara textualmente as situações em que há excludente de culpabilidade em favor do advogado: “Art.3º. Não há violação do segredo profissional em casos de defesa do direito à vida, ofensa à honra, ameaça ao patrimônio ou defesa da Pátria, ou quando o advogado se veja atacado pelo próprio cliente e, em sua defesa, precise alegar algo do segredo, sempre, porém, restrito ao interesse da causa sub judice.” (destacamos).
A revelação do sigilo sem violação do princípio também é recepcionada pela doutrina, da qual colhemos opinião de Paulo Lôbo[4], para quem o sigilo “é dever perpétuo, do qual nunca se libera, nem mesmo quando autorizado pelo cliente, salvo no caso de estado de necessidade para a defesa da dignidade ou dos direitos legítimos do próprio advogado, para conjurar perigo atual e eminente contra si ou contra outrem, ou, ainda, quando for acusado pelo próprio cliente”.
Com efeito, se o advogado foi injustamente acusado pelo cliente de ter cometido atos que não cometeu e que irão lhe trazer prejuízos, ou quando seja injustamente ameaçado, é imperioso que possa se defender de tais acusações, não sendo admissível que o direito de defesa do advogado seja tolhido pelos preceitos éticos. O advogado não pode ter seu direito de defesa prejudicado ou em menor amplitude que direito de defesa dos demais cidadãos.
Colhemos na jurisprudência deste Tribunal algumas decisões que ilustram a posição defendida na presente resposta:
E-2.899/04 – SIGILO PROFISSIONAL – SITUAÇÕES EM QUE É AUTORIZADA A SUA QUEBRA – LIMITES. O sigilo profissional na advocacia é bastante rigoroso, porém não tem caráter absoluto, podendo ser quebrado quando ocorrer ameaça à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente, e tenha de revelar segredos ou exibir documentos que lhe tenham sido confiados, e que sejam indispensáveis para sua defesa. A revelação de segredos profissionais e a exibição de documentos devem restringir-se exclusivamente aos limites da causa, vedada sua transmissão em benefício de terceiros ou para promover denúncias. No caso, por não ter ocorrido qualquer das exceções do artigo 25 do CED, devem os consulentes abster-se de utilizar, em sua defesa, os documentos pertencentes ao ex-cliente, que se encontram em seu poder. Precedentes: E-1447/97, E-543/97, E-1669/98, E-2810/03 e Resolução nº 17/2000 deste Tribunal. V.U., em 18/03/04, do parecer e ementa do Rel. Dr. GUILHERME FLORINDO FIGUEIREDO – Rev. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE.
E-1.543 -EMENTA- SIGILO PROFISSIONAL - TESTEMUNHO JUDICIAL - DIRETRIZ FIXADA PELO PROCESSO E-1.431 - SEÇÃO DEONTOLÓGICA - O sigilo profissional, mormente se o teor do depoimento judicial a ser prestado perante a autoridade judiciária se relacione com as anteriores causas, que patrocinou ou de quem seja ou foi advogado, ainda que autorizado pelo cliente, impõe a obrigação de, comparecendo em juízo, recusar-se o consulente a quebrá-lo, por constituir-se em dever do advogado, pelo artigo 7º, xix, do Estatuto. Não pode o sigilo ser quebrado, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando afrontado pelo próprio cliente, como preceituam os artigos 25 e 26 do CED DA OAB. V.U. Rel. Dr. BENEDITO ÉDISON TRAMA - Rev. Dr. ANTÔNIO LOPES MUNIZ - Presidente Dr. ROBISON BARONI - 20/11/1997.
SIGILO PROFISSIONAL – PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA NÃO ABSOLUTO – EXCEPCIONALIDADE DE QUEBRA – AMEAÇA E AFRONTA AO ADVOGADO POR EX-CLIENTES – LIMITE ÁS REVELAÇÕES DESDE QUE SEJAM ÚTEIS PARA A PRÓPRIA DEFESA – EMENTA Nº 2.
Em face de acusações e vilipêndios sofridos pelo advogado, por parte de ex-clientes, não se impõe a ele o dever de preservar o sigilo profissional “in totum”, podendo fazer revelações nos limites necessários e muito restritos ao interesse de sua defesa e desde que úteis a ela (Resolução n° 17/2000 do TED-I). Advogado afrontado por outro advogado, deve socorrer-se do Tribunal de Ética e Disciplina para dirimir as questões relativas aos direitos profissionais, previsão do Provimento nº 83/96 do Conselho Federal. Proc. E-3.388/2006 – Quanto ao uso de cópias, após o trânsito em julgado, v.m., em 19/10/06, do parecer e ementa nº 1 do Dr. FÁBIO KALIL VILELA LEITE, vencido o Rel. Dr. JOÃO LUIZ LOPES; quanto ao sigilo, v.u, em 19/10/06.
Registre-se, porém, que o advogado prescinde de autorização do órgão de classe para quebrar o sigilo profissional. Aliás, a Resolução 17/2000 determina claramente que o advogado assume o risco de seus atos pessoalmente, pois ele é o primeiro juiz de seus atos. Nesse sentido dispõem os arts.4º e 5º da Resolução 17/2000: “Art. 4º.O advogado que, esteja ou não no exercício da advocacia, encontrar-se, em razão de justa causa ou estado de necessidade, na contingência de revelar segredo profissional, assume, em princípio e pessoalmente, a responsabilidade de fazê-lo sem a autorização da Ordem, devendo, no entanto, a revelação, na forma, extensão e profundidade, ser submetida à análise da sua consciência e do bom senso profissional. Parágrafo único - Ocorrendo o fato previsto no caput deste artigo, o advogado deverá justificar perante a Ordem a relevância dos motivos de sua convicção, sob pena de incorrer na infração prevista no inciso VII do artigo 34 da Lei n. 8.906/94”; “Art. 6º. No caso das confidências feitas ao advogado pelo cliente para instrução da causa, poderão elas ser utilizadas nos limites da defesa, convindo ao advogado obter a autorização do confidente, por escrito, em documento próprio ou no petitório judicial. Parágrafo único - A medida do limite da defesa fica a critério do advogado, que não está, em princípio, na dependência de autorização da Ordem, mas responde pelo excesso praticado”.
É nesse sentido que este Sodalício tem se posicionado:
E-1.447 -EMENTA- SIGILO PROFISSIONAL - DEPOIMENTO DE ADVOGADO EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - Direito/dever regulado pelos artigos 7º., II. e XIX; 34, VII do EAOAB; artigos 25 a 27 do Código de Ética e Disciplina; artigo 154 do Código Penal; 207 do Código de Processo Penal; 144 do Código Civil; 347, II. e 406, II. do Código de Processo Civil - princípio não absoluto - excepcionalidades rígidas de quebra por justa causa - revelações, entretanto, na medida exata dos fatos pertinentes à lide, em caso de depoimento do advogado - dever imperioso do próprio advogado, na excepcionalidade da quebra, de submeter-se a rigoroso exame de consciência, constituindo-se no seu único juiz. V.U. Rel. Dr. BENEDITO ÉDISON TRAMA - Revª. Dr.ª. APARECIDA RINALDI GUASTELLI - Presidente Dr. ROBISON BARONI - 20/02/1.997.
Conclui-se, portanto, que na excepcional situação do advogado ser atacado ou acusado pelo próprio cliente ou ex cliente, poderá revelar fatos acobertados pelo manto do sigilo profissional com fundamento nos arts. 25 do CED e 3º, da Resolução 17/2000 do TEDI SP. Todavia a excludente de ilicitude só lhe aproveita se as revelações forem feitas no estrito limite e interesse de sua defesa, advertindo-se o advogado que assume pessoalmente a responsabilidade pela violação (art. 4º da Resolução 17/2000). É prudente que justifique sua necessidade perante a Ordem, demonstrando a relevância dos motivos de sua convicção, para não incorrer na infração prevista no inciso VII do artigo 34 da Lei n. 8.906/94 (parágrafo único do art. 4º da Resolução 17/2000).
[1] In Ética Aplicada à Advocacia, São Paulo: Santuário, 2009, p. 99.
[2] São Paulo, Saraiva, 4ª edição, 2008, p.64.
[3]Outras hipóteses nas quais a lei não atribui ilicitude à quebra do sigilo: grave ameaça ao direito à vida, à honra, ameaça ao patrimônio ou defesa da Pátria, além das demais situações legais transcritas neste Parecer (art. 25 CED, art. 3º Res. 17/2000 do TEDI/OAB-SP).
[4] Op. Cit., p. 65