E-4.030/2011
E-4.030/2011 - PRECATÓRIO – AQUISIÇÃO, PELO ADVOGADO, DE PRECATÓRIOS DO CLIENTE – INFRAÇÃO ÉTICA. O advogado que adquire de seu cliente créditos ou precatórios comete infração aos artigos 5º e 28 do CED e ao § 3º do artigo 1º do EOAB. É evidente que nessas circunstâncias o advogado, além de praticar a indesejada mercancia, coloca seus interesses pessoais acima daqueles interesses de seu cliente. Configura-se não apenas o conflito de interesses mas conflito ético, de maior envergadura, posto exsurgir restrição à independência bem como possível utilização de informações privilegiadas ou pior, exploração de infortúnios do cliente, abusando da necessidade e falta de informações ou experiência deste. V.U., em 18/08/2011, do parecer e ementa do Rel. Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI - Rev. Dra. LUIZ ANTONIO GAMBELLI, Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
RELATÓRIO - Trata-se de consulta formulada por Advogado regularmente inscrito nessa Secção de (...) da Ordem dos Advogados do Brasil, onde, em apertada síntese, relata o Consulente que muitos de seus clientes são titulares de precatórios em face do Estado e, verbis, “(...) vêm consultando o requerente no sentido de adquirir seus direitos, haja vista preferirem vender (os precatórios) ao profissional que a estranhos (...)” (fls. 03, parêntesis nossos).
Informa, ainda, a consulta, que duas situações, no seu modo de entender, poderiam existir após tais aquisições: (a) os precatórios seriam renegociados posteriormente para empresas que venham a ter interesse ou (b) os precatórios não seriam negociados, permanecendo em poder do advogado adquirente até que a Fazenda os quite.
Indaga, preocupado com as questões éticas frente a seus clientes, se ambas as hipóteses ventiladas seriam éticas ou se apenas uma delas seria.
PARECER - Conheço da consulta pois entendo haver pertinência com as questões que devam ser debatidas por esse Tribunal.
De fato, hipótese semelhante, versando sobre aquisição de créditos trabalhistas mas sob o prisma dos critérios éticos em tudo aplicável ao caso vertente, já foi objeto de debates neste Tribunal no processo E – 3.397/2006, que teve a relatoria do atual Presidente Dr. Carlos José Santos Silva e revisão do aqui também revisor, Dr. Luiz Antonio Gambelli.
Lá, nada obstante tratar de créditos de natureza trabalhista, como aqui, não há por onde se negar a infringência ao artigo 5º do CED, de vez que o advogado, ao negociar precatórios estaria, a todo sentir, colocando seu interesse patrimonial acima do interesse do seu cliente. Negar essa afirmativa equivaleria a admitir a absurda hipótese de que, pretendendo para si os precatórios de seu cliente, o advogado buscaria pagar o valor de face do título, as correções monetárias incidentes ou até mesmo valor maior, quando é cediço que se aplicam deságios em desfavor do detentor do crédito, donde exsurge o indesejável proveito econômico ou, quando menos, a simples e também vedada mercancia.
Confira-se, por oportuno, os seguintes e elucidativos trechos do processo E – 3.397/206, condenando - com clareza meridiana - a aquisição de créditos de cliente:
“(...) tal prática infringe o Código de Ética, uma vez que o advogado estaria colocando seu interesse acima do interesse de seu cliente, além de importar numa participação do advogado no resultado final do processo em que atua como procurador, com proveito do estado de necessidade ou de inexperiência do cliente, o que representa potencial conflito de interesses, que deve ser evitado. De igual sorte, propicia a mercantilização, já que o advogado realizaria atos da vida civil (...) conjuntamente com sua atividade profissional, o que desrespeita o artigo 5º do CED. Vale aqui lembrar a lição do Prof. Paulo Luiz Netto Lobo, que elaborou o anteprojeto do Estatuto, convertido pelo Congresso Nacional na Lei nº 8.906/94, in “Comentários ao Estatuto da Advocacia e a OAB”, pag. 169, ao afirmar que “além da independência técnica, o advogado deve preservar sua independência política e de consciência, jamais permitindo que os interesses do cliente confundam-se com os seus. O advogado não é e nunca deve ser substituto da parte: é o patrono”.
São razões mais do que suficientes para demonstrar que o intento do Consulente, se concretizado, violaria as normas que regem a Ética profissional.
Mas há aspectos outros que merecem destaque e parecem igualmente oportunos destacar ao se responder a presente consulta.
Nas hipóteses formuladas pelo Consulente, fica fácil entrever, igualmente, que se houvesse o permissivo ético para que tais aquisições se realizassem, sejam para “ser negociados” ou para “permanecer com o advogado”, este teria em seu nome ou em nome de sua sociedade um estoque de precatórios para, como disse, oferecer aos clientes o que sem a menor sombra de dúvida desnatura seu mister, destoa de sua atividade, enfim afronta o “munus” público que é da essência de todos os seu atos.
E o que significaria negociar e deter tais estoques de precatórios senão a igualmente vedada prática de mercadejar com o fito óbvio de ofertar para terceiros, configurando a alienação conjunta de serviços (serviços de advogado e de vendedor de créditos)?
Como já consignou o Eminente Relator deste Tribunal, Dr. Gilberto Giusti, em trabalho publicado no livro Ética Aplicada à Advocacia, que teve a coordenação do também Eminente Relator Dr. Fabio Kalil Vilela Leite,
“(...) essa oferta e prestação conjunta de serviços enaltecem a mercancia. Não que o ato de mercadejar, até mais antigo do que advogar, seja menos digno ou relevante. Muito pelo contrário. Apenas que, dado o caráter quase-público da atividade da advocacia de que se falou acima, nosso ordenamento rechaça qualquer conotação mercantilhista que se lhe pretenda dar (...)”.
Daí porque entendo que a prática malferiria também o § 3º do artigo 1º do EOAB e – em tese – o artigo 28 do CED, se veiculados ou oferecidos aos clientes, como quer a consulta, os precatórios que se pretendem adquirir.
Mais do que identificar conflitos de interesse na hipótese dos autos, resta claro e identifico que sobrelevam igualmente conflitos éticos, mais abrangentes, quando o advogado se traveste de comprador, seja lá o bem que persegue, quando na outra ponta está o cliente. Como bem obtemperou Carlos Roberto Fornes Mateucci, Presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP in “Conflito de Interesses e Éticos na Atuação do Advogado”, Ética Aplicada a Advocacia, pág. 147, obra que teve a coordenação do I. Membro do Tribunal. Dr Kalil Vilela Leite:
“O operador do direito convive e contribui para a solução destes conflitos e o advogado, em especial, defronta-se com inúmeras situações onde, a despeito de não existirem partes em situações opostas, há uma restrição à independência profissional, ou a possibilidade de utilização indevida de informações a determinar o chamado conflito ético, em igual intensidade (...)” (grifamos).
Para não mencionar, ainda, e por fim, as situações que podem ser criadas, de exploração, por maus profissionais, dos infortúnios e das necessidades prementes de clientes, facilmente vislumbradas e intuídas, caso se permita aquisição dessa natureza.
Assim, por qualquer ângulo que se analise a consulta e pelas razões acima expostas, a aquisição de precatórios de clientes seja para negociação futura com terceiros, seja a aquisição para recebimento futuro da Fazenda, configura inegável infração das normas que disciplinam a ética no exercício da advocacia, notadamente os artigos 5º e 28 do CED e o § 3º do artigo 1º do EOAB.
É o parecer ora submetido aos meus pares de Tribunal.