
A Comissão Especial de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo vem, por meio desta, manifestar-se publicamente sobre o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1.236, firmado entre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a União, o Ministério Público Federal e entidades representativas de consumidores, em razão dos descontos indevidos realizados em benefícios previdenciários de milhares de segurados, especialmente a título de mensalidades associativas não autorizadas.
O referido acordo estabelece um conjunto de medidas voltadas à reestruturação dos critérios de autorização de descontos, bem como à devolução dos valores indevidamente subtraídos dos benefícios previdenciários.
Entre os compromissos assumidos pelo INSS, destacam-se a adoção de medidas para garantir o consentimento prévio e expresso do segurado e a revogação de autorizações obtidas de forma irregular, inclusive com a realização de estornos administrativos.
O item 4.4 do acordo dispõe que as associações que comprovarem a existência de autorização válida e observarem os critérios legais não serão responsabilizadas, tampouco obrigadas a devolver os valores descontados dos benefícios.
A Comissão manifesta, de forma crítica, que a proposta de ressarcimento apresenta limitações relevantes. O acordo prevê que o INSS devolverá, com atualização monetária, os valores estornados administrativamente após apuração de irregularidades.
Contudo, não há previsão de devolução automática para todos os segurados atingidos, tampouco previsão de pagamento de juros, indenizações ou qualquer forma de compensação adicional por danos morais ou patrimoniais.
A restituição limita-se aos casos previamente reconhecidos pela própria autarquia ou contestados formalmente pelos segurados, o que pode excluir vítimas que sequer tiveram ciência dos descontos indevidos ou que não conseguiram formalizar pedido de estorno.
Ressalta-se que parte mais vulnerável da relação — deposita em uma Instituição como o INSS, cuja missão é justamente proteger o segurado em momentos de necessidade. É fundamental que se resgate a credibilidade desse vínculo, com base no respeito à legalidade, à dignidade da pessoa humana e à efetiva reparação dos danos sofridos.
Ademais, ao afastar expressamente a possibilidade de qualquer outro pagamento além do valor indevidamente descontado e corrigido monetariamente, pode gerar insegurança jurídica e confusão quanto ao direito dos segurados de buscarem reparação integral por via judicial. Embora o texto não impeça ações individuais, a ausência de clareza quanto à não renúncia de direitos pode inibir a busca por reparação, especialmente entre segurados mais vulneráveis.
Em relação à cláusula 4.5.4 e 4.5.5 do acordo, causa grande preocupação a previsão de encerramento unilateral do processo de devolução de valores nos casos em que o segurado beneficiário conteste a validade ou a legitimidade de eventual prova de autorização apresentada pelas entidades. Há registros públicos de fraudes documentais, como uso de assinaturas falsas, documentos de terceiros e gravações de voz que não correspondem à do segurado.
Fica evidente que, caso a entidade seja intimada a realizar a devolução por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) e não o faça, a responsabilidade é transferida ao segurado, que se vê duplamente lesado: primeiro, pelo desconto indevido em seu benefício, e, depois, pela ausência de devolução administrativa, mesmo diante da contestação legítima. O processo de devolução será encerrado com base em documentos de autenticidade duvidosa apresentados pelas entidades, e o segurado é orientado a buscar reparação apenas por via judicial. Tal prática ignora a responsabilidade objetiva da autarquia e a vulnerabilidade do beneficiário, contrariando os princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé e da proteção ao hipossuficiente.
Não há justificativa razoável para tratar de forma distinta os segurados que contestaram os descontos e não obtiveram resposta da entidade e aqueles que tiveram documentos inconsistentes ou inverídicos apresentados contra sua contestação. Ambos os casos envolvem beneficiários prejudicados, que não devem ser colocados em situação de desigualdade.
A Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB/SP reconhece o esforço institucional envolvido na construção do acordo e sua relevância como instrumento de enfrentamento às práticas abusivas. Todavia, entende que a efetividade do instrumento dependerá de ampla transparência em sua execução, da celeridade na restituição dos valores e da garantia de que nenhum segurado prejudicado fique sem reparação, inclusive por meio de medidas judiciais, quando necessário.
Comissão Especial de Direito Previdenciário
Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo