
A Comissão Especial de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, vem à público manifestar sua mais profunda preocupação diante da inobservância de regras internacionais na deflagração da Operação Contenção no Rio de Janeiro, em 28 de outubro de 2025, que vitimou mais de 100 pessoas, ultrapassando o número oficial da Chacina do Carandiru (1992).
A Comissão endossa a nota publicada pela Comissão de Segurança Pública da OAB SP, uma vez que recentes declarações do Governador do Estado sobre o ocorrido são motivo de profunda preocupação sob a ótica dos direitos humanos e segurança pública. Tais manifestações não apenas desconsideram a gravidade da situação, mas também transmitem um perigoso incentivo ao aumento da letalidade e para uma preocupante escalada de violência institucional, sobre os quais o Estado Brasileiro já foi criticado no âmbito global.
De acordo com parâmetros internacionais que regem o uso da força pelo Estado, as operações policiais devem ser conduzidas em estrita observância aos direitos e garantias fundamentais, e em conformidade com os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. O descumprimento desses preceitos compromete a legitimidade das instituições e fragiliza o Estado Democrático de Direito.
O regime jurídico internacional de direitos humanos aborda o uso da força de modo fragmentado, sobretudo por meio de princípios gerais aplicáveis a agentes de aplicação da lei, os quais foram originalmente concebidos para contextos de conflito armado, o que deixa lacunas importantes na regulação da violência policial cotidiana em tempos de paz.
Nesse contexto, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) consolidou as principais diretrizes normativas sobre o policiamento, pautadas nos pilares de legalidade, necessidade e proporcionalidade. De acordo com esses parâmetros, os agentes devem priorizar meios não violentos e recorrer à força apenas quando estritamente indispensável, dentro dos limites legais e em respeito à proibição de discriminação. Essas normas estão expressas em instrumentos como o Código de Conduta para Oficiais Responsáveis pela Aplicação da Lei (1979), que impõe deveres de legalidade, imparcialidade e respeito à dignidade humana, e nos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo (1990), que determinam que a força letal só pode ser utilizada como último recurso, diante de ameaça iminente à vida.
A gravidade das denúncias apresentadas por moradores inclui relatos de corpos encontrados com ferimentos por disparos na nuca e sinais de arma branca, o que indica indícios de possíveis execuções sumárias, em flagrante violação às normas nacionais e internacionais de proteção à vida e à integridade física. Investigação independente deveria ser a regra.
A Comissão reforça para que as autoridades competentes conduzam investigações céleres, independentes e imparciais, assegurando a responsabilização dos envolvidos e a prevenção da repetição de tais práticas, em estrita observância aos parâmetros internacionais, como o Protocolo de Minnesota sobre a Investigação de Mortes Potencialmente Ilícitas (2016). Ademais, o Estado Brasileiro foi condenado internacionalmente em 2017 por falhas e pela demora na investigação e punição de execuções extrajudiciais em incursões policiais feitas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na Favela Nova Brasília na década de 1990.
A Comissão reitera que a construção de uma política de segurança pública compatível com os direitos humanos não se alcança por meio de ações de caráter espetacular ou do uso excessivo da força letal. A efetiva redução da violência e da criminalidade exige políticas públicas pautadas na promoção da cidadania, na inclusão social, no controle externo das atividades policiais, na prevenção e respeito à dignidade humana, e na investigação e inteligência.
A Comissão reforça a necessidade de que políticas de segurança incorporem mecanismos de prevenção, transparência e controle externo, assegurando que o uso legítimo da força jamais seja confundido com autorização para a letalidade.
Leonardo Sica
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo - OAB SP
Thiago de Souza Amparo
Presidente da Comissão Especial de Direito Internacional - OAB SP
Gabriel Mantelli
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Internacional - OAB SP
Julia de Moraes Almeida
Coordenadora da Subcomissão de Direitos Humanos e Direito Penal Internacional - OAB SP




