
Theodosio Moreira Pugliesi, advogado e Relator Presidente da Oitava
Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB SP
Conhecido e comumente utilizado pelo Poder Judiciário, o poder geral de cautela é instituto de significância e pertinência ímpar, podendo dele fazer uso o Juiz de Direito, notadamente e de maneira concisa, para garantir, de forma efetiva, que a entrega da prestação jurisdicional cumpra sua função social, aplicando as leis e garantindo justiça à sociedade como um todo. Esse poder, perante o Judiciário brasileiro, também tem por escopo, garantir que Juízes e Tribunais possam adotar medidas seguras e de natureza preventiva para proteger direitos, evitar a ocorrência de danos irreparáveis, e zelar pela eficácia da aplicação da lei – mesmo quando ausente dispositivo específico.
No processo ético-disciplinar sancionatório da Ordem dos Advogados do Brasil, onde, entre outros, os princípios da legalidade; autonomia; independência; ampla defesa; imparcialidade; proporcionalidade; e, razoabilidade, são considerados e tratados como regra para o exercício do devido processo legal. O poder geral de cautela, apesar de assim não ser definido na norma legal, também existe e com os mesmos propósitos, no entanto, sua aplicação é restrita a determinadas situações.
Nesta quadra, considerando que o poder geral de cautela, no âmbito do processo ético-disciplinar da OAB, também tem natureza preventiva e assecuratória, sua aplicabilidade se restringe, básica e principalmente, a duas situações, quais sejam: (i) a medida cautelar de suspensão preventiva do exercício profissional, prevista no art. 70, §3º, da Lei nº 8.906/94; e, (ii) a suspensão cautelar do Advogado, que apesar de ter a mesma natureza provisória e preparatória, é distinta da suspensão preventiva, vez que sua aplicação tem competência regimental atribuída ao Presidente do Conselho Seccional da OAB de cada Estado.
Em decisão unânime, proferida em recurso julgado Pleno da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no dia 08/04/2025, (recurso nº. 22.0000.2023.002423-4/SCA., e ementa nº. 031/2025/SCA), restou reconhecida a suspensão cautelar do exercício da advocacia, como medida cautelar diversa da suspensão preventiva e “que decorre do poder geral de cautela do Presidente do Conselho Seccional da OAB”, podendo ser “imposta em face da gravidade dos fatos e da necessidade de atuação urgente e eficiente da OAB, visando resguardar os interesses das partes e a dignidade da advocacia”.
No caso supracitado, a suspensão cautelar do exercício da advocacia foi utilizada em razão de processo disciplinar que apurou a falsificação de procuração para ajuizamento de demandas judiciais, porém, ela pode ser utilizada em diversas outras situações em que se verifique a gravidade do fato e a necessidade de proteger o interesse das partes, da sociedade e da advocacia, diferenciando-se da medida cautelar de suspensão preventiva prevista no Estatuto em razão de que, nesta hipótese, indispensável o requisito de que o ato atribuído a determinado advogado tenha sido a causa da repercussão negativa e prejudicial à advocacia, como pressuposto para seu deferimento.
Os requisitos necessários e indissociáveis para decretação da suspensão preventiva de Advogado consistem: (a) existir indícios de autoria e materialidade (fumus commissi delicti), de infração disciplinar punível com pena de suspensão e/ou exclusão; (b) existir fundado receio do perigo da demora (periculum in mora); (c) existir prova de que o ato imputado ao Advogado tenha causado ou esteja causando, repercussão prejudicial e negativa à dignidade da advocacia; e (d) que os danos à imagem da advocacia sejam contemporâneos.
Considerando assim que o poder geral de cautela da OAB, e de seus Tribunais de Ética e Disciplina decorrem de sua própria autonomia funcional e administrativa, tem-se que a OAB, enquanto entidade responsável por fiscalizar o exercício da advocacia, cabe a ela utilizar, sempre que necessário e justificável, de seu poder geral de cautela, cumprindo-lhe tomar as medidas e providências para assegurar a ética e a dignidade da profissão.
É importante registrar que, desse poder cautelar que cabe à OAB e aos seus Tribunais de Ética e Disciplina (TED), também decorre a obrigação de respeitar e dar vigência aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, com atenção aos limites impostos pela Doutrina e pelo Estatuto da Advocacia. Aliás, para os procedimentos de natureza cautelar, nenhuma medida pode representar o julgamento de mérito, já que a decisão que determina a suspensão preventiva não é terminativa, ou seja, o processo disciplinar prossegue e, ao final, é julgado pelo Colegiado que compõe a Turma do TED, cuja base territorial seja aquela onde ocorreu a infração (art. 70, caput, do EAOAB).
Assim, cabe à OAB e aos Tribunais de Ética e Disciplina, o uso ponderado, criterioso e fundamentado para exercício do poder geral de cautela, sempre com vistas à preservação da moralidade profissional, respeito aos direitos das partes envolvidas e à dignidade da profissão.
Neste contexto, o uso poder geral de cautela no âmbito do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, além de sua atuação preventiva, representa um mecanismo legítimo de contenção de danos à imagem da advocacia, também representando um instrumento indispensável para a proteção da confiança pública na integridade da profissão.
Por fim, ainda que de forma excepcional e restrita, as medidas cautelares de competência dos Tribunais de Ética e Disciplina e da OAB, têm origem no poder geral de cautela que lhes é ínsito. Tratam-se, portanto, de instrumentos indispensáveis para garantir o equilíbrio e a efetividade do poder que detém de fiscalizar e resguardar a dignidade da profissão, bem como, na aplicação racional do poder cautelar que fortalece a credibilidade dos Tribunais de Ética e Disciplina e da OAB, como guardiões da ética profissional.