
JOSÉ OCLAIR MASSOLA
Membro Relator da Oitava Turma do TED da OAB SP
Na gestão de Jamil Gonçalves então Presidente da E. Oitava Turma, portanto, há mais de uma década, fui encarregado por ele para elaborar um estudo sobre o tema decadência, até aquele momento pouco conhecida e praticamente inaplicada nos julgamentos dos Processos Disciplinares nos órgãos judicantes da OAB.
Após concluir pesquisa sobre o assunto, com pouquíssimo material existente à época, apresentei numa das sessões de Julgamento da Oitava Turma do TED da OAB SP, uma orientação (espécie de súmula doméstica/enunciado), que resumia aquilo que eu imaginava refletir com razoável precisão o que havia de melhor sobre essa matéria.
Transcrevo o enunciado:
DECADÊNCIA. Decai em cinco (05) anos contados da ciência do fato pelo interessado, o direito à representação disciplinar na OAB, uma vez que o advogado não pode ficar eternamente à mercê do Poder Disciplinar da OAB, quando a parte que foi vítima de conduta imprópria do advogado, deixou de exercer o direito de representação dentro do quinquênio, contrario sensu, admitir direito insuscetível à decadência, acarretaria grave violação à segurança jurídica, agregada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. PRESCRIÇÃO. Com o protocolo da representação, dentro do quinquênio, ocorre a constatação oficial do fato, inaugurando a partir daí, o temo a quo da prescrição que será interrompido automaticamente com a instauração do Processo Disciplinar (§ 2º, inciso I, art. 43 do EAOAB) e pela decisão condenatória recorrível (§ 2º, inciso II, art. 43 do EAOAB). A prescrição intercorrente de que trata o § 1º, do art.43 do EAOAB, verificada pela paralização por mais de três (03) anos, sem qualquer despacho de movimentação do processo.
Lembro-me que os relatores presentes naquela sessão, concluíram pela aprovação do texto, volto a dizer, considerando o que estava sendo julgado sobre o tema ainda de forma tímida e incipiente.
Entretanto, por sugestão do então Presidente da Turma, Dr. Jamil Gonçalves, foi suprimida a expressão “data da ciência dos fatos”, e inserida em seu lugar “data dos fatos”. Não houve questionamento quanto a essa sugestão porque à época a jurisprudência não estava totalmente consolidada como hoje, e havia decisões nos dois sentidos.
Trago ao debate um exemplar de uma ementa daquele tempo, datado de 19 de abril de 2012:
RECURSO N. 49.0000.2013.001144-6/SCA-PTU. EMENTA N.
27/2013/SCA-PTU. Representação apresentada mais de dez anos após o levantamento dos valores e encerrada a prestação dos serviços. Decadência do direito de representar. Recurso não provido. 1 - É de se aplicar a decadência do seu direito de representar em 5 (cinco) anos do cometimento da infração disciplinar, vez que o advogado não pode ficar indefinidamente submetido ao poder disciplinar da OAB, sob pena de afronta aos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da proporcionalidade. 2 - In casu, a representação foi proposta pela ex- cliente em 11 anos após a prática da infração disciplinar, restando patente, pois, a decadência do direito de representar. 3 - Recurso não Provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da 1ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que integra o presente. Brasília, 09 de abril de 2013. Cláudio Stábile Ribeiro, Presidente. Carlos Frederico Nóbrega Farias, Relator. (DOU. S. 1, 19/04/2013, p. 207).
Notem que a decisão, publicada em 19 de abril de 2.013, considerou o termo “data do fato”, ao utilizar a expressão “do cometimento da infração disciplinar “.
Em 24 de junho de 2.022, fiquei encarregado de novamente atualizar o texto anteriormente apresentado, visto que, transcorrido uma década, a 2ª Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil através de suas 3 (três) Turmas, havia modificado algumas questões pontuais e conclui meu trabalho, enviado a todos os relatores, sugerindo um texto com as mudanças que haviam ocorrido neste interregno, que transcrevo abaixo:
DECADÊNCIA. Decai em cinco (05) anos, contados da data da constatação do fato pelo interessado (Actio Nata Subjetiva), o direito de representação disciplinar na OAB, uma vez que o advogado não pode ficar eternamente à mercê do Poder Disciplinar da OAB, quando a parte que foi vítima da conduta imprópria do advogado deixou de exercer o direito de representação dentro do quinquênio, contrario sensu, admitir direito insuscetível à decadência, acarretaria grave violação à segurança jurídica, agregada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e do § 1º do artigo 77 do REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB DE SÃO PAULO. PRESCRIÇÃO. Com o protocolo da representação, dentro do quinquênio, ocorre a constatação oficial do fato, inaugurando a partir daí, o termo a quo da prescrição que será interrompida e somente ocorrerá uma única vez, seja pela instauração do processo disciplinar, hipótese em que o processo é instaurado de ofício, ou pela notificação inicial válida, feita ao advogado, para apresentar defesa prévia ou qualquer outra manifestação nos autos, sendo considerado como marco interruptivo apenas aquele que verificar primeiro sempre em benefício do Representado, interrompendo-se novamente pela decisão condenatória recorrível (§ 2º, inciso I , do art.43 do EAOAB), se o processo for julgado no transcurso de cinco (05) anos. A prescrição intercorrente de que trata o § 1º, do art. 43 do EAOAB, verificada pela paralisação por mais de três (03) anos, sem qualquer despacho ou julgamento, é interrompida e só recomeça a fluir pelo mesmo prazo, a cada despacho de movimentação ou desenvolvimento do processo, não se considerando interrupção despachos meramente ordinatórios. “
Como é possível perceber, houve um sensível aprimoramento entre o primeiro texto e este outro de 2.022, a saber: a) o termo a quo da decadência passou a ser a constatação do fato ou ciência do fato e não mais “data do fato”, ou “data do cometimento da infração”; b) houve inserção do § 1º, do artigo 77 do Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina de São Paulo, primeira norma posta referindo-se à decadência. Salvo equívoco somente os Tribunais de Ética da OAB de Pernambuco e Bahia contém previsão semelhante; c) em relação à prescrição, introduzi a singularidade da interrupção, modificando entendimento anterior sobre a possibilidade de duplicidade; d) foi acrescido à prescrição intercorrente a expressão “não se considerando interrupção despachos meramente ordinatórios.”.
Apesar dos avanços sobre o tema, fato é que, ainda há imperfeições que precisam ser corrigidas ou aperfeiçoadas conforme passarei a expor.
O questionamento que havia sobre o termo a quo da DECADÊNCIA, se é a “da data do fato ou da infração” ou do “conhecimento ou ciência do fato”, está superado por notória e iterativa jurisprudência do Conselho Federal da OAB. Cito abaixo, precedentes a partir de abril de 2.022 até setembro de 2.024, todos convergindo para a mesma direção, qual seja, fixando o termo a quo do prazo decadencial de 05 (cinco) anos, a partir do conhecimento do fato, para que a parte interessada ou qualquer autoridade (representação ex oficio), venha formalizar a representação disciplinar perante a OAB, exceto no caso de crime infamante, cujo termo a quo, é o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória:
49.0000.2019.011198-3/SCA-PTU; 25.0000.2021.000056-0/SCA-TTU;
24.0000.2021.000085-0/SCA-TTU; 25.0000.2021.000181-7/SCA-TTU;
25.0000.2022.000123-4/SCA-TTU; 25.0000.2021.000317-8/SCA-STU;
25.0000.2022.000210-9/SCA-TTU; 09.0000.2022.000003-0/SCA-STU;
12.0000.2022.000006-8/SCA-TTU; 25.0000.2021.000272-4/SCA-PTU;
25.0000.2021.000328-3/SCA-PTU; 49.0000.2021.001507-1/SCA-STU-;
49.0000.2021.010054-4/SCA-PTU; 25.0000.2022.000271-/SCA-STU;
25.0000.2022.000266-0/SCA-STU; 25.0000.2022.000586-9-SCA-TTU;
25.0000.2021.000178-5/SCA-PTU; 15.0000.2016.004840-4/SCA-PTU;
25.0000.2022.000502-3/SCA-PTU; 25.0000.2022.000132-3/SCA-TTU;
25.0000.2022.000506-4/SCA-TTU; 25.0000.2022.000886-/SCA-TTU;
49.0000.2023.009622-1/SCA-TTU; 25.0000.2023.010969-0/SCA-TTU;
25.0000.2023.010575-9/SCA-STU; 24.0000.2023.000065-9/SCA-TTU;
Em todos esses precedentes, sem exceção, como já informado alhures, o termo “a quo” da decadência é a ciência ou conhecimento dos fatos, como também em todos eles não avistei nenhuma menção ao § 1º, do artigo 77 do Regimento Interno do Tribunal e Ética e Disciplina de São Paulo, que ladeado do Regimento Interno dos Tribunais de Ética de Pernambuco e Bahia, salvo equívoco, são as únicas normas postas que mencionam expressamente o vocábulo “decadência”. Sendo assim, não se sabe ainda como o Conselho Federal da OAB interpretará essas regras contidas nos dispositivos legais dos TED´s.
Concluo esse tópico, afirmando que atualmente não existe mais qualquer dúvida ou mesmo impedimento, a respeito da aplicação da DECADÊNCIA no Processo Disciplinar apesar da omissão legislativa, exceto os TED´s de São Paulo, Pernambuco e Bahia que a mencionam em seus Regimentos Internos.
Apesar dessa evidência, nem sempre é tarefa fácil descobrir qual foi a data da violação do direito, nesse sentido como já tive oportunidade de revelar, opto por seguir a cartilha do inolvidável Yussef Said Cahali, que, ao discorrer sobre prescrição afirma: “Na dúvida, deve-se julgar contra a prescrição, meio antipático de extinguir a obrigação” (RT 144/534).
Destarte, no que concerne à DECADÊNCIA, ante a inexistência de dúvida, sugiro aos julgadores, tomar o devido cuidado no sentido de investigarem com atenção a data em que ocorreu a violação do direito e a data do conhecimento dessa violação, para considerar esse último marco como sendo o termo a quo do prazo quinquenal da decadência até o protocolo da representação na Secretaria da OAB, lembrando que, sob a ótica deste Relator, tal recomendação é estendida às infrações que são cometidas em processos judiciais ou outros procedimentos de conhecimento de autoridades, exceto, reprise-se, no caso de crime infamante, cujo termo inicial é o transito em julgado da sentença criminal condenatória.
Importante deixar consignado, sem qualquer pretensão de esgotar o debate sobre o assunto, que há uma diferença substancial entre a prescrição total ou nuclear, que é aquela que atinge toda a pretensão (fundo do direito) ou parcelar, que é aquela que atinge cotas ou parcelas da obrigação, e a prescrição intercorrente, que acontece no decorrer de um processo, ou melhor dizendo, de um procedimento que é a coordenação de atos que se sucedem dentro de um processo.