Assuntos Relativos Aos Precatórios Judiciais

14 de julho de 2025 - segunda

Nota Técnica – Relatório e Voto da Proposta de Emenda à Constituição 66/2023

Votação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados está prevista para esta terça-feira (15), às 10h30

A presente Nota Técnica tem por finalidade analisar juridicamente o relatório e voto do Dep. Federal Baleia Rossi para Proposta de Emenda à Constituição nº 66/2023, com ênfase nas disposições relativas ao novo regime de pagamento de precatórios pelos Municípios, à luz da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e dos princípios constitucionais envolvidos.

Fatos 
Inicialmente, a PEC foi elaborada para atender os Municípios, no sentido de abrir novo prazo de parcelamento especial de seus débitos previdenciários com seus regimes próprios de previdência social e com o Regime Geral de Previdência Social, assunto, esse, que não abordaremos nessa nota, pois, se refere a tratativa dos Estados, Municípios e Distrito Federal com a União.

Com relação ao pagamento dos precatórios, a PEC 66/2023 institui limites para o cumprimento das decisões judiciais que condenem os Estados, Municípios e Distrito Federal, a PEC 66/2023 propõe um novo § 23 ao Art. 100 da Constituição Federal, limitando os pagamentos de precatórios dos Estados, Municípios e Distrito Federal, relativos às suas administrações diretas e indiretas, a percentuais máximos da receita corrente líquida apurada no exercício financeiro anterior, variando conforme o estoque de precatórios em mora em 1º de janeiro:

“§ 23. Os pagamentos de precatórios pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, relativos as suas administrações diretas e indiretas, estão limitados, observados os §§ 24 a 26 e 28 deste artigo, a:
I - 1% (um por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, para os entes federativos que não possuam estoque e para os Municípios cujo estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, não superar 10% (dez por cento) desse valor;
II - 1,5% (um e meio por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 10% (dez por cento) e inferior ou igual a 20% (vinte por cento) desse valor;
III - 2% (dois por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 20% (vinte por cento) e inferior ou igual a 30% (trinta por cento) desse valor;
IV - 2,5% (dois e meio por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 30% (trinta por cento) e inferior ou igual a 40% (quarenta por cento) desse valor;
V - 3 % (três por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 40% (quarenta por cento) e inferior ou igual a 50% (cinquenta por cento) desse valor;
VI - 3,5% (três e meio por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 50% (cinquenta por cento) e inferior ou igual a 60% (sessenta por cento) desse valor;
VII - 4% (quatro por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 60% (sessenta por cento) e inferior ou igual a 70% (setenta por cento) desse valor;
VIII - 4,5% (quatro e meio por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 70% (setenta por cento) desse valor e inferior ou igual a 80% (oitenta por cento) desse valor;
IX - 5% (cinco por cento) da receita corrente liquida apurada no exercício financeiro anterior, se o estoque de precatórios em mora, atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, em 1º de janeiro, for superior a 80% (oitenta por cento) desse valor. ”

Para além disso, o § 24 do Art. 100 prevê que, a partir de 1º de janeiro de 2036, ou seja, daqui a cada 10 (dez) anos, caso haja mora no pagamento de precatórios, os limites percentuais do § 23 deverão ser acrescidos em 0,5% (meio por cento) sobre a receita corrente líquida apurada no exercício financeiro anterior.

Nesse sentido, ao instituir limite para o pagamento de precatórios pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, o legislador reedita, discussões já enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente pelo julgamento de várias ADIs, nas quais nossa Suprema Corte assentou a inconstitucionalidade de qualquer limitação orçamentária no pagamento dos precatórios. Seriam essas decisões, que deveriam servir de parâmetros para a análise da constitucionalidade de qualquer nova regra que envolva o regime de pagamento de precatórios no país.

Em síntese:

Violação a vários princípios constitucionais
A redação proposta pelo relator da PEC 66/2023, propõe limite para o cumprimento de decisões judiciais definitivas e transitadas em julgado contra o Poder Público, ao permitir que se interfira na efetividade das decisões judiciais.

O Supremo Tribunal Federal já entendeu que a postergação e, no caso em análise, a perpetuação do não pagamento dos precatórios, como previa na EC 62/2009, configurava um "calote" disfarçado por parte do Estado, frustrando a efetividade das decisões judiciais transitadas em julgado contra o Poder Público e eliminando, praticamente, o conteúdo das decisões judiciais proferidas, quando o tema for pagamento de precatórios atentando, assim, ao princípio da coisa julgada.

Além disso, vemos que o relatório e redação para PEC 66/2023, acabam colidindo, também, com os princípios da legalidade, razoabilidade, segurança jurídica, igualdade, eivando a PEC, em seu nascituro, de patente inconstitucionalidade. Tais medidas, se aprovadas, resultarão na perpetuação do débito, dificultando, ainda mais, o recebimento dos valores devidos aos credores judiciais e violando a força executória das sentenças, em direta contradição ao nosso ordenamento jurídico.

Alteração no índice de correção dos precatórios, violação ao direito de propriedade
Atualmente, os precatórios são corrigidos (atualização e juros) pelo percentual vigente da SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), conforme alteração produzida pela aprovação da EC 113/2021:

“Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. ”

Essa mudança foi introduzida pelos nossos criativos legisladores no ano de 2021, quando a SELIC estava percentualmente mais baixa que o índice de correção até então utilizados (IPCA-E + Juros de Poupança).

Em 2025 a situação se inverteu, hoje a SELIC está mais alta do que (IPCA-E + juros de poupança, atualmente em 6% ao ano), razão pela qual o relatório sugere que, a partir de 01/08/2025, quando o assunto é pagamento de precatório, o índice de correção deve voltar a ser IPCA-E, acrescentado um agravante aos credores e uma benesse aos devedores, a limitação dos juros de mora em 2% (dois por cento) a.a.:

“§ 16. A partir de 1o de agosto de 2025, a atualização de valores de requisitórios, até o efetivo pagamento, será feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples de 2% (dois por cento) ao ano, ficando excluída a incidência de juros compensatórios. ”

Tal redação, se mantida, configurará, além de um calote, um verdadeiro confisco pois, o Poder Público continuará a cobrar os débitos de seus contribuintes pela taxa SELIC, mas pagará suas dívidas de precatórios com índice infinitamente menor.

Ao limitar a compensação da mora, a proposta incorre novamente em afronta a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 870.947 (repercussão geral), fixou que os juros de mora são aqueles previstos na legislação infraconstitucional de n. º 11.960/2009, ou seja, juros de poupança.

Precedentes de Inconstitucionalidade de Emendas Constitucionais Anteriores sobre Precatórios
Como dito, as premissas para elaboração de uma nova PEC, não poderia deixar de levar em consideração, os resultados dos julgamentos das ADIs 2356, 4357, 7047 e 7064, bem como, julgamento do Recurso Extraordinário 870.947, que declararam inconstitucionais, por exemplo, o parcelamento dos precatórios em 10 (dez) anos imposto pela EC 30/2000, ou em 15 (quinze) anos, como na PEC 66/2009, além de diversos aspectos do regime especial de precatórios da EC 62/2009.

Através da ADI 4357, o Supremo Tribunal Federal e garantiu que os credores deveriam receber o valor de seus créditos de forma justa e em tempo razoável, ou seja, qualquer medida que postergue o pagamento ou imponha limites que inviabilizem a quitação integral e justa dos precatórios pode ser considerada uma afronta aos princípios estabelecidos na Constituição Federal, sendo a futura Emenda Constitucional julgada inconstitucional, pois seria um verdadeiro calote. Além disso, o STF, no julgamento da ADI 4357, limitou o deságio para acordos diretos com os credores em 40%, enquanto a nova PEC retira esse limite.

Também no julgamento das ADI 7064, de autoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e ADI 7047, de autoria do Partido Democrático Brasileiro, o STF analisou as Emendas Constitucionais 113 e 114, que tentaram impor limites ao cumprimento das decisões judiciais, limitando os pagamentos dos precatórios da União, foram declaradas parcialmente inconstitucionais, pois as emendas limitavam ou postergavam esses pagamentos pela União.

Conclusão
O relatório e redação propostos pelo Dep. Balei Rossi para PEC 66/2023, acaba por violar direitos e garantias dos credores de precatório consubstanciados pela Constituição Federal, cuja afronta já foi  declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 2356, 4357, 4425, 7047 e 7064, que demonstram a inequívoca posição da Corte Suprema contra mecanismos ou subterfúgios que tentem perpetuar a dívida pública judicial, violando a coisa julgada, o princípio da efetividade das decisões judiciais e o direito de propriedade dos credores.

A imposição de limites no cumprimento de decisões judiciais proferidas contra o Poder Público, sem a garantia ou prazo de pagamento, será interpretada como uma nova tentativa de calotear os credores de precatórios dos Estados, Municípios e Distrito Federal, quando o assunto é o não cumprimento de obrigações constitucionais, notadamente, pagamento de precatórios.
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Vitor Boari
Presidente da Comissão Especial de Assuntos Relativos aos Precatórios Judiciais


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