
A trajetória de muitos advogados começa muito antes da faculdade de Direito. Para alguns, a escolha pela profissão nasce de experiências pessoais marcantes que revelam a importância da justiça e da defesa de direitos.
Em celebração ao Mês da Advocacia, a OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo) apresenta as histórias de dois profissionais que transformaram suas dores em motivação para lutar por causas coletivas.

A Advocacia como Resposta ao Silêncio
Vanessa Ziotti, advogada especialista em Direito da Pessoa com Deficiência e membro da Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB SP, carrega na memória as marcas do bullying que sofreu na infância e adolescência. "Eu fui uma criança e adolescente que sofreu muito bullying na escola, por ser tachada de esquisita, inconveniente, ser uma criança gorda", relembra.
Essa vivência dolorosa a levou a um propósito claro: ser a adulta que sua criança precisava ter por perto para enfrentar tudo o que enfrentou sozinha. Hoje, ela transforma essa dor em ferramenta de luta pelos direitos de quem, como ela um dia, foi silenciado.
"Essa vivência me ensinou, na pele, o que é não ser ouvida, não ser protegida e não se sentir pertencente", reflete. Por isso, sua atuação como advogada é profundamente atravessada por empatia, escuta e compromisso real com quem a procura.
Vanessa não advoga apenas com técnica, advoga com memória, com propósito. "Cada caso que chega até mim carrega alguém que, muitas vezes, também foi silenciado, excluído ou julgado por ser quem é. E é por isso que me recuso a enxergar o Direito apenas como norma: para mim, ele é ferramenta para reconstruir trajetórias e romper ciclos de invisibilidade."
Para ela, a certeza de estar no lugar certo não veio de um único caso, mas da soma de muitas batalhas. "Ser advogada, mulher, mãe atípica e autista em um ambiente historicamente hostil não é simples, é um ato diário de enfrentamento", afirma.
Um marco decisivo foi sua participação no julgamento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sobre o rol taxativo da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). "Estar ali, acorrentada com outras mães, protestando pelo direito à vida de nossos filhos, e depois ser ouvida no Senado como expositora, apesar das tentativas de desqualificação, inclusive com ataques pessoais e machistas, foi um divisor de águas. Naquele momento, percebi que a minha presença já era ruptura, e que transformar vivência em voz jurídica era uma forma poderosa de fazer justiça."
Seu conselho para quem busca justiça através do Direito é direto: "Não desista de ocupar o espaço que é seu. A advocacia ainda é um território de provação para mulheres, mães e pessoas neurodivergentes. Responda com trabalho ético, técnico e humano. Seja o advogado que você precisou ter".

"O Direito Como Resposta à Urgência do Envelhecimento Digno"
João Paulo Iotti Cruz, presidente da Comissão de Direitos da Pessoa Idosa da OAB SP, teve sua trajetória transformada por um trabalho voluntário em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). "Foi a primeira vez que tive contato com pessoas que dependiam direta (e quase exclusivamente) de políticas públicas para garantir o seu mínimo existencial", relata.
A realidade que encontrou era de abandono, negligência e múltiplas vulnerabilidades. "Eram pessoas abandonadas por familiares, negligenciadas pelo poder público ou marcadas pelo acúmulo de dificuldades." Essa experiência despertou nele uma sensação de urgência em ampliar o debate sobre o envelhecimento no Direito.
"À medida que me aprofundava no tema, comecei a visualizar o meu próprio processo de envelhecimento e o dos meus colegas", conta. As frases que mais ouviu, e ainda ouve, em sua atuação são reveladoras: "O tempo passou muito rápido" ou "Deveria ter feito outras escolhas quando era mais jovem".
Essas reflexões o levaram a adotar uma advocacia interdisciplinar. "No caso da temática da longevidade, é absolutamente essencial o diálogo do Direito com outras áreas, como Gerontologia, Medicina e Psicologia”, afirma.
João relembra um caso emblemático: um processo urgente para garantir tratamento oncológico a um idoso em situação crítica. "Ao final, os familiares nos comunicaram que o tratamento havia ocorrido com êxito." Anos depois, reencontrou um dos familiares e teve a certeza do impacto de seu trabalho. "Muitas vezes, na correria do cotidiano, em causas sem holofotes, deixamos de perceber o quanto podemos transformar a vida dos nossos clientes."
"A advocacia exige, de certa forma, uma inquietação, um inconformismo constante", afirma. "Encontrar uma causa que nos motive pode ser o caminho para canalizar esse sentimento em ações concretas."
Para jovens advogados, ele deixa um recado: "Encontre uma causa que lhe inquiete. O Direito não vive isolado, busque diálogo com outras áreas. Só assim faremos justiça de verdade".
O Direito como Resposta
As histórias de Vanessa e João Paulo mostram que a advocacia pode ser uma resposta pessoal a injustiças vividas. Seus percursos reforçam o papel transformador do Direito e a importância de uma atuação pautada não apenas na técnica, mas na humanidade.