Não é de hoje que a situação dos animais domésticos nos casos de separação conjugal de seus tutores tornou-se uma questão juridicamente relevante. Com os pets assumindo cada dia mais o papel de “membro da família”, eles passaram também a ser alvo de disputas judiciais pelas mais diversas razões. As disputas versam sobre questões de propriedade, guarda, regulamentação de visitas, responsabilidades pelos gastos com alimentação e petshop, dentre outras.
Por não existir legislação específica quanto ao tema, recai sobre as/os magistradas/os o ônus de decidir utilizando as técnicas de integração normativa nos moldes do art. 4º da LINDB e, sobretudo, de acordo com seu próprio entendimento. Com o objetivo de traçar um panorama geral, aborda-se nesta publicação algumas jurisprudências recentes quanto ao tema.
O primeiro ponto de destaque é a superação da retrógrada visão de que os animais são “coisas” e, portanto, um “bem” a ser partilhado. Era notável na jurisprudência do começo do século decisões que se baseavam em a quem “pertence” o animal, para decidir com qual dos cônjuges o pet ficaria após a dissolução da sociedade conjugal. Havia até quem sugerisse vender o animal para partilhar o valor da venda!
Com a maior compreensão da participação dos animais na composição das famílias brasileiras¹, e de que eles possuem a capacidade de sofrer, de sentir prazer e felicidade (ou seja, são seres sencientes), as jurisprudências passaram a reconhecer o vínculo de afetividade que une os pets a suas famílias e prever condições para o compartilhamento de guarda, fixação de visitas e até mesmo pensão alimentícia para os animais domésticos.
Em relação à guarda dos animais de estimação, existe a possibilidade de fixar-se, tanto de forma consensual como judicial, a guarda compartilhada, unilateral ou alternada, prevendo a quem incumbirá as decisões quanto à rotina, à nutrição, ao cuidado veterinário etc.
Quanto à regulamentação de visitas, apesar de já existirem decisões neste sentido em instâncias inferiores, reveste-se de especial importância a adotada pela 4ª Turma do STJ que determinou a possibilidade de regulamentação judicial de visitas a animais de estimação em 2018 no REsp 1713167/SP².
No tocante à pensão alimentícia para animais, o entendimento dos juízes têm sido o de que os alimentos são um direito exclusivo aos humanos, mas existem algumas decisões vanguardistas, bem como termos de conciliação, em que fixou-se o pagamento de parcelas mensais a animais de estimação, ainda que a título de ajuda de custo.
Além disso, importante destacar que existem alguns Projetos de Lei em trâmite que também visam regulamentar estas questões, dos quais se destacam o PLS nº 542/2018, que objetiva alterar o Código de Processo Civil para incluir os animais de estimação à normas do Capítulo das Ações de Família, e também o PL 62/194 que estabelece regras para estas situações e autoriza a fixação de obrigações judicialmente em casos em que não é possível um acordo amigável, já aprovado pela Comissão de Maio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
O que se percebe é que jurisprudências que suportam o direito animal até pouco tempo eram minoritárias passam a ser cada vez mais aceitas pelas instâncias superiores, pelo legislativo e também pela sociedade civil.

Referências
¹De acordo com o PNS 2013 do IBGE, 44,3% das famílias brasileiras tem pelo menos um cachorro e 17,7% tem pelo menos um gato.
² https://stj.jusbrasil.com.br/…/recurso-especial-resp-171316…
³ https://www.migalhas.com.br/…/ex-marido-pagara-pensao-para-…
4https://www.camara.leg.br/noticias/615299-comissao-aprova-regras-para-guarda-de-pet-em-caso-de-separacao-do-casal
Fontes:
https://jus.com.br/…/guarda-compartilhada-de-animais-dome…/2
https://thbrancs.jusbrasil.com.br/…/senciencia-guarda-e-pen…
https://anda.jusbrasil.com.br/…/separacao-faz-casais-irem-a…

Por Iris Rabelo Nunes, integrante da Comissão de Direito Animal da OAB Marília