Diversidade Sexual e de Gênero

26 de agosto de 2025 - terça

USP sedia Seminário sobre Direitos de Trabalhadores LGBTQIAPN+ com apoio da OAB SP

Encontro promoveu reflexões sobre igualdade de oportunidades, combate à discriminação e políticas inclusivas


A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo de São Francisco, sediou, no último dia 15 de agosto, o "I Seminário do Eixo dos Trabalhadores LGBTQIAPN+", promovido pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho Além do Direito do Trabalho”. O evento contou com o apoio da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero e da Comissão de Direitos Humanos da OAB São Paulo, e reuniu pesquisadoras, pesquisadores, autoridades, representantes de movimentos sociais e a advocacia comprometida com a promoção da igualdade e da dignidade da população LGBTQIAPN+.

Na abertura do seminário, o Prof. Dr. Celso Fernandes Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP, destacou a importância e o ineditismo do debate, colocando a Faculdade de Direito da USP à disposição da comunidade LGBTI+ nos debates para a construção de direitos e ressaltando o significado dessa abertura em uma instituição tão tradicional. O Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, coordenador do encontro e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), enfatizou a centralidade do tema e o simbolismo de realizá-lo no Salão Nobre do Largo de São Francisco.

Na sequência, o Dr. Victor Grampa, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB SP, destacou a relevância de a advocacia qualificar continuamente sua atuação na proteção de direitos fundamentais, ressaltando que o combate à discriminação e à violência exige um engajamento firme das instituições jurídicas e da sociedade civil. Nesse sentido, reforçou a importância de um ensino jurídico inclusivo e atento à diversidade para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Alertou, ainda, para a ausência de políticas públicas efetivas de combate às múltiplas discriminações no ambiente de trabalho.

Em sua fala, a Dra. Camila Torres, vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da OAB SP, abordou a eficácia horizontal dos direitos humanos, reforçando o papel das empresas na proteção dos direitos de trabalhadoras e trabalhadores LGBTI+, com especial atenção às interseccionalidades que ampliam situações de vulnerabilidade no mundo do trabalho.

O evento contou ainda com a participação de diversas e diversos membros de comissões da OAB SP. Entre os destaques, a advogada e artista Alexandra Pericão integrou a programação trazendo reflexões críticas a partir de contos e saberes de povos tradicionais não europeus, articulados com lógicas decoloniais e feministas, ampliando o diálogo sobre inclusão, diversidade e justiça social. Teve ainda o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (AMATRA-2) e do Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade da Justiça do Trabalho, instituições que somaram esforços para fortalecer a iniciativa e reafirmar o compromisso com a promoção da igualdade e a proteção dos direitos da população LGBTQIAPN+ no mundo do trabalho.

Durante o encontro, foi lançado o livro “Direitos dos Trabalhadores LGBTQIAPN+: da Vulnerabilidade ao Trabalho Decente”, a primeira obra coletiva do eixo de pesquisa “Trabalhadores LGBTQIAPN+”, organizada por Guilherme Guimarães Feliciano, André Machado Cavalcanti e Thiago William Pereira Barcelos. A coletânea reúne artigos de pesquisadoras e pesquisadores de diversas instituições do país e busca contribuir para a discussão de temas relacionados às pessoas dissidentes sexuais e de gênero, com foco especial no mundo do trabalho.

O seminário teve como eixo central o debate sobre inclusão no mundo do trabalho e resultou na elaboração da Carta de São Paulo, documento que reafirma compromissos constitucionais, internacionais e institucionais com os direitos humanos e com a empregabilidade inclusiva.

O evento foi transmitido ao vivo e está disponível, na íntegra, no canal do YouTube da Faculdade de Direito da USP: https://www.youtube.com/live/5s5kuTe_ABQ?si=YTm22y1hgLnZ7X0T. 

Iniciativas como esta reforçam o papel da academia e da advocacia no fortalecimento da cidadania e na construção de uma sociedade mais justa, plural e democrática. Ao reunir especialistas e representantes institucionais, o seminário reafirmou que a promoção da igualdade e o combate ao preconceito devem estar na pauta permanente do Direito e da Justiça, especialmente diante dos altos índices de violência contra a população LGBTQIAPN+ no Brasil. Leia abaixo a carta elaborada, em decorrência do evento, pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho Além do Direito do Trabalho”:

Carta de São Paulo

As pesquisadoras e pesquisadores do Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho Além do Direito do Trabalho”, da Universidade de São Paulo – USP, reunidos no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, por ocasião do I Seminário do Eixo dos Trabalhadores LGBTQIAPN+, manifestam-se nos seguintes termos:

A Constituição Federal assegura igualdade de direitos a todas as pessoas, vedando qualquer discriminação em razão de suas características, e protegendo-lhes amplamente a honra, a imagem, a intimidade, a vida privada e as liberdades pessoais, entre outros direitos subjetivos públicos. O princípio da dignidade humana e o valor social do trabalho são premissas centrais que estruturam todo o ordenamento jurídico brasileiro e garantem condições dignas e trabalho decente às pessoas LGBTQIAPN+.

O Estado brasileiro assumiu compromissos perante a comunidade internacional quanto à eliminação de toda sorte de preconceito e discriminação em todos os aspectos da vida, sendo signatário de tratados e convenções internacionais nesse sentido, a par de integrar os sistemas global e regional de promoção e proteção dos direitos humanos e se submeter, por conseguinte, às obrigações universais derivadas do “jus cogens” internacional (Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados).

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 4733, reconheceu a mora inconstitucional do Parlamento brasileiro e equiparou condutas homotransfóbicas ao crime de racismo. No mesmo sentido, já havia reconhecido, dentre outros direitos das pessoas LGBTQIAPN+, o direito à identidade de gênero e à retificação do registro civil por pessoas trans e travestis, independentemente da realização de cirurgia de redesignação sexual (ADI 4275).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por meio da Opinião Consultiva 24/17, reafirmou o direito ao nome de acordo com a identidade de gênero e reconheceu a validade das uniões homoafetivas e suas repercussões patrimoniais. Não obstante, as pessoas LGBTQIAPN+ seguem sendo discriminadas, excluídas e marginalizadas, notadamente no meio ambiente do trabalho, sofrendo violações cotidianas aos seus direitos fundamentais.

As pessoas LGBTQIAPN+ são ainda vítimas de crimes de ódio e de violência física, tendo sido em 2024 o Brasil o país que mais mata pessoas trans pelo 16º ano consecutivo (Dossiê da Antra – Associação Nacional das Travestis e Transexuais).

A discriminação de pessoas LGBTQIAPN+ promove exclusão e subvalorização no mercado de trabalho, causando privação de renda, de dignidade e de uma vida plena em todos os sentidos, sendo a identidade de gênero das pessoas trans e travestis utilizada como gatilho de “pânico moral” para a disseminação de mentiras e do discurso de ódio, ao ponto de serem impedidas de utilização de banheiros e outros espaços coletivos compatíveis em instituições públicas e privadas, quadro que segue à margem de um escrutínio constitucional definitivo diante da solução inconclusiva do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 845.779.

A sociedade brasileira não pode compactuar com a intolerância, a exclusão e a marginalização de pessoas em razão da sua identidade de gênero ou da sua orientação sexual, sendo urgente romper com padrões patriarcais que balizam comportamentos machistas, misóginos e cissexistas e promover inclusão sustentável de todas as pessoas no mundo do trabalho, com igualdade de oportunidades, respeito e reconhecimento do seu valor e dignidade humana.

Conclamam-se, portanto, os Poderes da República, em todas as esferas da Federação, a adotarem políticas públicas de empregabilidade inclusiva, com ênfase na diversidade sexual e de identidade de gênero e no combate ao preconceito e às violências homofóbicas, transfóbicas e cissexistas.

Por fim, roga-se ao Congresso Nacional a ratificação da Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, da Organização dos Estados Americanos (OEA), como forma de reafirmação e compromisso com a proteção e promoção da dignidade em todos os aspectos da vida humana independentemente de sua identidade de gênero e/ou orientação sexual.

São Paulo, 15 de agosto de 2025.

Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho Além do Direito do Trabalho”

 

 


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