Direitos Humanos

22 de dezembro de 2025 - segunda

Relatório de Diligência – Operação Policial com Resultado Morte


A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção  São Paulo, por meio de diligência realizada em 19 de dezembro de 2025, acompanhou operação policial ocorrida na Comunidade do Moinho, situada no bairro Campos Elíseos, região central da cidade de São Paulo. A diligência  da CDH teve início às 20h e se estendeu até 00h45 do dia seguinte, sendo conduzida inicialmente pelas advogadas Viviane Cantarelli, co-coordenadora  do Núcleo de Enfrentamento à Violência Institucional, e Juliana Valente, integrante do Núcleo de Álcool e Outras Drogas, e posteriormente pelos advogados Hugo Nogueira da Cruz Urbano, do Núcleo de Ações Emergenciais e Wellington Romão Monteiro. A ação foi acompanhada também pela advogada Raphaella Reis, coordenadora da Defemde - Rede Feminista de Juristas.

Ao chegar ao local, constatou-se que se tratava de área periférica caracterizada como comunidade/favela, com presença significativa de moradores e de alguns profissionais da imprensa. Durante a diligência das advogadas, a Ouvidoria da Polícia estava presente. O espaço encontrava-se parcialmente isolado, permitindo circulação restrita e irregular de pessoas, o que dificultava a preservação adequada do cenário dos fatos. Não havia, no momento inicial da chegada da Comissão, presença de familiares da vítima identificados no local, apenas amigos e vizinhos. 

De acordo com informações preliminares colhidas junto a moradores e observação direta da dinâmica da operação, a ação policial foi realizada por agentes da Polícia Militar do Estado de São Paulo, especificamente do Batalhão de Choque. Relatos iniciais das autoridades indicavam que a operação teria como motivação a apuração de suposta atividade relacionada ao tráfico de drogas, bem como a ocorrência de troca de tiros. No entanto, durante toda a diligência, não foram visualizados, a olho nu, indícios materiais compatíveis com confronto armado, tais como marcas de disparos em paredes, solo ou objetos, tampouco projéteis aparentes na região imediata dos fatos. Estimou-se a presença de aproximadamente quatorze viaturas policiais, em regime de rotatividade, e cerca de sessenta agentes envolvidos na operação, sem identificação e encapuzados, durante toda a operação. Quando a CDH chegou ao local, a maioria dos policiais seguia com uso de capuz.

No que se refere ao óbito, apurou-se que a vítima foi identificada como Felipe Petta. Não houve confirmação formal de óbito no local no momento inicial, sendo informado que o falecimento teria ocorrido por volta das 16h10. Quando da chegada da Comissão, o corpo já havia sido removido do local, não tendo sido realizada perícia técnica até então. A área, portanto, encontrava-se sem perícia durante várias horas após os fatos, sendo informado que os peritos chegaram apenas por volta da meia-noite, com finalização dos trabalhos às 00h45. Não foi possível verificar visualmente sinais de tentativa de socorro à vítima, embora haja informação de que esta teria sido removida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU.

Durante todo o período da diligência, a Comissão observou condutas policiais que suscitam preocupação sob a ótica dos direitos humanos. Foram presenciadas abordagens marcadas por agressividade verbal contra moradores da comunidade, uso ostensivo de armamento e restrição severa da circulação de pessoas. Moradores relataram espontaneamente episódios de abuso, os quais foram escutados de forma qualificada pelos integrantes da Comissão, preservando-se a identidade das testemunhas por razões de segurança. Tais relatos convergiram para a existência de possível excesso policial, abuso de autoridade e até mesmo hipótese de execução, ainda que os fatos demandem aprofundamento investigativo. 


 

A partir do conjunto de observações realizadas, dos relatos colhidos e da análise do cenário fático, esta Comissão identificou indícios relevantes de violação de direitos humanos, notadamente a falha na preservação do local, a violação da dignidade da pessoa humana e a afronta ao direito à vida. Segundo narrativas dos moradores, a vítima não possuía envolvimento com o tráfico de drogas, conforme inicialmente alegado pelos policiais, e encontrava-se em tratamento de um câncer em estado delicado. Ainda de acordo com os relatos, Felipe Petta teria sido atingido por três disparos de arma de fogo, sendo posteriormente lançado da janela do piso superior de sua residência. Há também relatos de que, possivelmente já sem vida, a vítima foi removida pelo SAMU. Ressalte-se, ainda, a informação reiterada pelos moradores de que, no momento da invasão da residência e do óbito, os agentes do Batalhão de Choque não estariam com as câmeras corporais em funcionamento. Após a conclusão dos trabalhos periciais, a Polícia Militar retirou-se do local.

Diante da gravidade dos fatos e dos indícios levantados, esta Comissão entende como imprescindível o encaminhamento do presente relatório ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ouvidoria das Polícias, bem como o acompanhamento rigoroso do inquérito policial instaurado, com a solicitação de todos os laudos periciais pertinentes. Considera-se, ainda, a pertinência de avaliação acerca da realização de audiência pública para ampla discussão institucional do ocorrido.

O presente relatório possui caráter informativo, fiscalizatório e institucional, não substituindo a atuação investigativa das autoridades competentes, e tem por finalidade contribuir para a proteção dos direitos humanos, o fortalecimento da transparência na atuação estatal e a reafirmação do respeito à dignidade da pessoa humana.

São Paulo, 19 de dezembro de 2025


 


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